Tendo em vista que toda a vivência humana é relacionada com os seres humanos e com a natureza, a vivência religiosa não pode fugir desta realidade.
Torna-se difícil conceber a humanidade sem uma religiosidade. De um modo ou de outro, aparece um deus na vida dos indivíduos. “Segundo o existencialista francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), o divino desapareceu da consciência humana onde sempre estivera, deixando em seu lugar um buraco em forma de Deus” (ARMSTRONG, 2001, p.229). Todos têm sua religiosidade; porém, esta religiosidade influencia de modos diferentes cada indivíduo e com intensidades variadas.
A religiosidade se tornou, então, uma condição humana desde o momento em que a humanidade entrou em contato com esta dimensão na busca de um sentido supremo ou sobrenatural para sua existência. Podemos dizer que todos os homens possuem esta manifestação religiosa (GOTO, 2004, p.60).
Aliás, o campo de relação, nesse caso, é até maior, pois relaciona o humano com o transcendente. Conforme o pensamento de Durkeim (2000, p. 459), a religião se constitui numa forte forma de coesão social. O fator essencial que manteve unida a nação judaica na Antiguidade, apesar das pressões estrangeiras, foi justamente a religião. Os romanos, no início da era cristã, exterminavam os seguidores de Cristo como sendo inimigos da nação, por se negarem a adorar o imperador e as divindades romanas. Assim sendo, eram tidos como inimigos e desagregadores do Império. No início da colonização da América Latina, os reis católicos faziam questão de que todos fossem batizados no catolicismo como um meio de denominação e unidade. Com a implantação do padroado, portanto, dirigentes e dirigidos, tanto na esfera política como na religiosa, comungavam uma única diretiva: a do rei. Portanto, a religião se portava como um elemento agregador. Hoje, em muitos países de tendência islâmica, a prática de uma única religião, a do Profeta, ainda é considerada como essencial para a união nacional. Etimologicamente, a origem da palavra religião sugere a ideia de união. “O termo provém do latim (religião) e sua provável etimologia dá ideia de “atadura” (re-ligare) do ser humano com Deus” (CROATTO, 2001, p. 72). Estando os seres humanos ligados a Deus, pela religião, estão, portanto, ligados entre si. A religião é um fenômeno essencialmente social, um fenômeno coletivo. Não há sentido falar de religião individual. “O fenômeno religioso é essencialmente comunitário e, portanto, repercute na sociedade como tal” (CROATTO, 2001, p. 18).
A necessidade de se relacionar é inata no homem, que nasce imperfeito e se relaciona com os outros e com a natureza, num contínuo colocar-se em equilíbrio consigo mesmo e com seu mundo, conforme Berger (1981, p. 19-20). Este modo ajuda a formar a sociedade na qual vive e não pode prescindir da mesma. Mas o mundo constituído pela sociedade é precário. Portanto, o homem precisa de se relacionar com algo mais do que com sociedade. Necessita de se relacionar com o transcendente. Precisa de se relacionar com algo exterior. Este relacionamento, muitas vezes, se dá por meio de um objeto sagrado, que, embora humano e profano, é sagrado pela hierofania.
O sagrado é essencialmente uma relação entre (o sujeito humano) e um termo (Deus), relação que se visualiza ou se mostra em um âmbito (a natureza, a história, as pessoas) ou em objetos, palavras, etc. Sem esta relação nada é sagrado (CROATTO, 2001, p. 61).
O peregrino, no santuário, em contato com a Santa, nas procissões, nas missas, nas doações, ouvindo os sermões, sobretudo no encontro face a face com a imagem, realiza sua experiência com o transcendental, vivendo o mistério em suas múltiplas facetas e compreendendo a linguagem do sagrado. Lá, ele não fala do transcendente: ele fala com o transcendente. Muitos, diante da imagem da Santa, têm apenas uma linguagem: as lágrimas. Após passar pela experiência, o romeiro, como todos que a experimentam, tem a mesma linguagem confusa, misteriosa.
“Mas o que é fenômeno religioso? Entendemos o religioso por um fenômeno especificamente humano, radicando-se como uma condição humana. A condição humana é algo além daquilo que a vida que nos foi dado” (GOTO, 2004, p. 60). Ao se falar de fenômeno religioso, qualquer caminho que se decidir traçar sempre se depara com o sagrado e o profano, elementos considerados antagônicos por alguns e, muitas vezes, com limites não muito bem definidos. “Todas as definições de fenômeno religioso apresentadas até hoje mostram uma característica comum: à sua maneira, cada uma delas opõe o sagrado e a vida religiosa ao profano e à vida secular” (ELIADE, 1993, p. 7).
Como ficou frisado antes, a religiosidade faz parte da vida humana. A vida do homem é condicionada a aquilo com que ele se relaciona. “Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência” (ARENDT, 1997, p. 17). Assim sendo, a religiosidade tornou-se uma condição da vida humana, sobretudo para a procura da solução do grande questionamento: “de onde viemos e para onde vamos?”. Sendo finito, portanto incapaz de dar uma resposta para este questionamento, o homem procura a solução no transcendente. Daí a procura do sagrado para resolver seu problema crucial, surgindo assim o fenômeno religioso. “A vivência religiosa está no originário humano, por ir ao encontro direto com as principais questões existentes do homem” (GOTO, 2004, p.61). Então o homem procura superar suas limitações com o contato com o transcendental. A superação das experiências da finitude existencial só pode acontecer com o relacionamento com um ser superior: com o fenômeno religioso. O fenômeno religioso aqui expressa aquilo que se revela, que se mostra de vários modos. Um fenômeno religioso é percebido de modo variado, dependendo de vários fatores, ao contrário de uma manifestação, que é mostrar algo. “Assim, quando se diz com a palavra ‘manifestação’, indicamos algo que em que alguma coisa se manifesta sem que seja em si mesmo uma manifestação conceito de fenômeno não é definido, mas pressuposto”. (HEIDEGGER apud GOTO, 2004, p. 43).
O fenômeno religioso é um fato que envolve duas entidades: de um lado, o fiel que procura algo de que é carente – decorrente de suas carências – e, de outro, o transcendente, no qual o ser humano espera obter o algo de que é carente. Este relacionamento do fiel com o transcendente é feito de modos variados e expressado com atitudes e sentimentos.
Toda vivência humana é um relacionamento com a natureza ou com os outros humanos. A experiência religiosa também é um relacionamento: um relacionamento com o ser humano e com o transcendente. O resultado desta experiência é algo individual e sempre inacabado, desde que seu resultado nunca seja igual ao almejado e o fiel sempre esteja perseguindo novas realidades: sua busca é infinda. A experiência religiosa se assemelha à experiência, em geral, do homem no campo profano. O que a difere é aquilo com que o homem se relaciona: o transcendente. “A experiência religiosa dá-se na experiência geral; elas podem ser diferentes, mas não separadas” (TILLICH, 1967, p. 738). Com as experiências humanas, as necessidades físicas são saciadas e, nas experiências religiosas, as necessidades da instância religiosa também são saciadas, embora as necessidades humanas nunca sejam completamente saciadas. O ser humano está sempre imaginando e criando novas maneiras de saciar suas necessidades, seja no plano físico ou espiritual. Este fato é devido à limitação do homem, que o leva a recorrer ao transcendente para suprir suas limitações e obter respostas para suas múltiplas frustrações. “A superação da experiência da finitude existencial só acontece com a experiência religiosa, que faz o homem abrir-se para a infinitude de seu ser, para algo que está além do humano ou supra-humano” (GOTO, 2004, p.61). Assim, a frustração da morte é compensada pela crença na ressurreição; a frustração da injustiça ou do mal, que muitas vezes sobressai na Terra, é anulada pela esperança na justiça divina ou mesmo pelo conformismo inspirados nos sofrimentos de Cristo.
A relação com o transcendente gera o sagrado: “O sagrado é essencialmente uma relação entre o sujeito, o ser humano, e um termo, Deus” (CROATTO, 2001, p. 61). Gera também a hierofania no interior do fiel, que a projeta para o exterior.
O relacionamento com o transcendente muda a vida dos fiéis. As mudanças provêm das experiências vividas, tanto no campo espiritual como no campo sociológico. Assim, o contato com pessoas de outras comunidades pode enriquecer a vida de ambos os lados e gerar novas amizades.
Inegavelmente, as mudanças são individuais e sua intensidade depende exatamente do modo como cada um reage à experiência religiosa, assim como do modo como cada indivíduo projeta para o exterior esta experiência, pois “o sagrado é essencialmente uma relação entre o sujeito (o ser humano) e um termo (Deus)”. (CROATTO, 2001, p. 61). Portanto, as mudanças são muito individuais, com reações também individuais e próprias em intensidade.
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