8 de jul. de 2013

A QUALIFICAÇÃO SOCIAL E PROFISSIONALIZAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA

DEPARTAMENTO DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM GESTÃO PÚBLICA









A QUALIFICAÇÃO SOCIAL E PROFISSIONALIZAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA




WELLINGTON DA LUZ











SECRETARIA DARWIN
Taguatinga – Águas Claras/DF, 2013


WELLINGTON DA LUZ















A QUALIFICAÇÃO SOCIAL E PROFISSIONALIZAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA







Trabalho de Conclusão de Curso –Artigo – submetido à avaliação da Coordenação do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin, como quesito parcial para a obtenção do título de especialista em Gestão Pública, sob a orientação do Professor Joenildo Fonseca Leite.








SECRETARIA DARWIN
Taguatinga – Águas Claras/DF, 2013
FACULDADE DE TECNOLOGIA EQUIPE DARWIN – FACTED
DEPARTAMENTO DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM GESTÃO PÚBLICA




WELLINGTON DA LUZ




A QUALIFICAÇÃO SOCIAL E PROFISSIONALIZAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA






Monografia apresentado à Banca Examinadora e aprovada em  ____/_____/_____.




Prof. Orientador Joenildo Fonseca Leite





1° Avaliador







2° Avaliador
A QUALIFICAÇÃO SOCIAL E PROFISSIONALIZAÇÃO NA GESTÃO PÚBLICA

Wellington da Luz[1]
Joenildo Fonseca Leite[2]


Apresentação



O presente artigo propõe-se a abordar de forma inovadora dimensões e aspectos das políticas públicas de qualificação, a relação de gênero e raça na qualificação profissional, a partir do novo Plano Nacional de Qualificação. Essas categorias, gênero e raça, passam no atual governo a ter um outro papel na política pública.
Os artigos, conquanto sejam incursões teóricas, necessariamente se articulam com os problemas práticos de construção dessas políticas, sobretudo quanto à integração com:
a) políticas de trabalho, de educação e de desenvolvimento;
b) políticas de inclusão social, combate à pobreza, redução das desigualdades regionais;
c) ações afirmativas contra qualquer tipo de discriminação;
d) promoção do diálogo, participação e controle social.
Compreendendo que as políticas públicas estão em permanente construção, o presente artigo procura corresponder às dimensões fundamentais da qualificação.
Desse modo, espera-se estimular o debate e a reflexão, contribuindo para o cumprimento da missão da gestão pública e garantir o direito à qualificação para os trabalhadores de baixa renda e baixa escolaridade do Brasil.
As relações de gênero e raça, historicamente, têm um elo de ligação com a questão da cidadania. A reemergência dos movimentos sociais, a partir de fins da década de 70, em todo o País, produz e projeta uma outra concepção de cidadania, baseada no trabalho, na vida e na luta social.
Uma cidadania que busca enfrentar os problemas cotidianos da coletividade, da exploração, da miséria, da desigualdade social, sempre presente na formação social brasileira.
A luta por direitos sociais acentua-se na década de 80, por meio de movimentos em prol de creches, de escolas, saúde, moradia, assim como da luta pelo exercício da cidadania e contra a discriminação de negros, homossexuais e mulheres, bem como pela ecologia, pela paz, pelo direito das crianças.
Essa cidadania passa a ser construída no interior das lutas cotidianas, formando novos sujeitos, novas identidades político culturais.
A educação exerce um papel fundamental nessa nova construção da cidadania. A educação transformadora, popular, crítica, que dialoga com a realidade dos sujeitos envolvidos, introduzida pelo educador Paulo Freire.
Apesar desses avanços indiscutíveis, a discriminação, a desigualdade dos direitos de mulheres, de negros e negras continua, embora, muitas vezes, disfarçada pelo embranquecimento das relações pessoais, das relações de poder, que algumas mulheres e poucos negros assumem no cenário nacional.
O governo Lula, em 2003, criou duas importantes secretarias com status de ministério, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e a Secretaria de Promoção da Mulher, respondendo assim às reivindicações históricas dos movimentos de mulheres e negros de formulação de uma política sustentável de promoção da igualdade racial e de gênero.
A implementação e a concretização dessas políticas de governo passam a exigir um compromisso tanto do governo como da sociedade civil no seu conjunto de trabalhadores e empregadores, na articulação das proposições políticas dos atores envolvidos - governo e sociedade.
A política de qualificação adquire uma outra concepção, abordando, como premissas básicas de governo, as dimensões política, ética, conceitual, pedagógica, institucional e operacional, que incorporam noções de territorialidade, empoderamento, qualidade pedagógica, efetividade social, arranjos produtivos locais, gênero, etnia, conteúdos integrados, contextualizados numa metodologia participativa, dialética dentro do tripé trabalho, educação e desenvolvimento.
O texto está organizado no sentido de explicitar a trajetória histórica das categorias gênero e raça, articulando-as com as questões da qualificação profissional, dentro do Plano Nacional de Qualificação (PNQ), coordenado pelo Departamento de Qualificação da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do MTE, como um desafio de uma possibilidade de implementação de uma política pública fundamentada numa formulação de inclusão social pela via do trabalho e da educação.
Ao iniciar esta contextualização, gostaria de fazer um registro do lugar de onde escrevo – mulher, negra, educadora, militante partidária, indignada com as injustiças, discriminações e preconceitos, que principalmente mulheres negras sofrem no dia-a-dia de suas vidas. Portanto, as duas questões para mim estão entrelaçadas, num contexto complexo, perverso, injusto, de muita luta diária, de muitas insistências e desistências. Mas, de muita alegria e dignidade de ser mulher e negra.
Segundo o Manual de Formação em Gênero da Oxfam, 1999, a palavra gênero foi usada na década de 70, por Ann Oakley e outros autores, no intuito de descrever aquelas características de mulheres e homens que são socialmente determinadas, em contraste com aquelas que são biologicamente determinadas.
Vejamos:
Essencialmente, a distinção entre sexo e gênero é feita para enfatizar que tudo que homens e mulheres fazem, tudo que é deles(as) esperado – com exceção das funções sexualmente distintas (gestação, parto, amamentação, fecundação) – pode mudar, e muda, através do tempo e de acordo com a transformação e a variação de fatores socioculturais (OAKLEY, 1972).
Para precisarmos melhor a acepção gênero, podemos dizer que as pessoas nascem machas ou fêmeas e aprendem com os grupos sociais que convivem a tornarem-se meninos e meninas, homens e mulheres. São ensinados, no dia-a-dia, comportamentos, atitudes e relacionamentos adequados, papéis e atividades de meninas e de meninos. Esses ensinamentos são aprendidos e incorporados determinando a organização da identidade de gênero.
Entretanto, esse conceito é dinâmico, podendo variar entre raças, culturas, classes, dentre outros fatores culturais. Tais comportamentos, papéis, mudam com o tempo, com as condições sócio históricas.
O conceito de gênero serve como instrumento político de análise das relações construídas socialmente entre homens e mulheres. O debate sobre gênero está no campo social, pois é nesse espaço que as relações acontecem na prática e que as desigualdades e as discriminações se efetivam.
Dessa forma, é preciso focar o conceito de forma multidimensional, pois as concepções diferem em lugares, espaços e tempos.
Gênero deve ser entendido como construção de identidades múltiplas, plurais dos sujeitos, que se transformam e são dinâmicas (LOURO, 1997). O sentido do termo gênero é diferente de papéis, porque gênero constitui o sujeito, faz parte de sua construção social, ultrapassa a ideia de desempenho de um simples papel que lhe é determinado por outrem.
Compreendendo que as desigualdades entre homens e mulheres são construídas no social e não determinadas pela diferenciação biológica, entretanto, uma forte ideologia faz querer crer que a divisão dos papéis entre homens e mulheres é naturalmente determinada pela relação biológica.
Uma das contradições desses papéis, no que diz respeito a mulheres tomarem conta da casa e homens trabalharem fora, é o caso das mulheres negras, que sempre trabalharam fora de casa por conta da escravidão. E, depois, pela falta de oportunidades de estudo e emprego, em razão do preconceito racial, estão em sua maioria nos serviços domésticos. A mesma coisa acontece com as mulheres camponesas, que por trás de tomarem conta da casa realizam o trabalho da roça, que produz mercadoria e o sustento da casa.
Os estudos sobre a agricultura familiar que utilizam o conceito de gênero como instrumento de análise ainda são recentes.
Destaca-se o de (WOORTMANN, apud FARIA et al., 1998) sobre as relações entre colonos de origem alemã do Sul do Brasil e entre sitiantes do Nordeste. A hierarquia de gêneros é aí detectada não só na produção agrícola, mas na sexualidade, na posição na comunidade (na “posição simbólica mulheres à esquerda, homens à direita, no interior da igreja”) e na família. Entre os colonos alemães do Sul, por exemplo, os nomes masculinos expressam relações de compadrio e parentesco e o fazer parte de uma família. Os nomes das mulheres são “nomes de fantasia”, pois elas serão reconhecidas pelo nome do pai e, depois, pelo nome do marido (FARIA et al., 1998).
As relações de gênero apresentam-se desiguais e diferentes em vários aspectos da vida cotidiana. A valorização diferenciada do trabalho realizado por homens em detrimento do realizado por mulheres é explicada por um conjunto de autoras, pela existência da hierarquização entre os gêneros. Essa relação tem sua base material na divisão sexual do trabalho, mas organiza, sem ordem de prioridades, aspectos econômicos, sociais, vivencias particulares, símbolos e representações em imagens de constante movimento, como em um caleidoscópio (FARIA et al., 1998).
No que pese homens e mulheres exercerem atividades na esfera da produção e da reprodução, tanto do âmbito público, como no privado, no governamental e no comunitário, sempre as atividades domésticas e familiares são associadas às mulheres. Um dos resultados disso é que, em todo o mundo, as mulheres têm um dia de trabalho mais longo que o dos homens (OAKLEY, 1972).
Segundo as estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU), o quadro seguinte permanece o mesmo:
a) as mulheres são responsáveis por 2/3 do trabalho realizado no mundo e recebem 1/3 dos salários;
b) as mulheres são detentoras de 1/10 da renda mundial;
c) as mulheres representam 2/3 dos/das analfabetas do mundo;
d) as mulheres detêm menos do que 1/100 das propriedades mundiais;
e) dos quase 1,3 bilhão de miseráveis do mundo, 70% são mulheres.
No Brasil, as mulheres recebem em média metade do salário dos homens e as mulheres negras, a metade do salário do que ganham as mulheres brancas. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a situação das mulheres está melhorando e, se o ritmo atual se mantiver, em 475 anos conseguiremos a igualdade salarial entre homens e mulheres (LOURO,1997).
No “Plano Nacional – Diálogos sobre Violência Doméstica e de Gênero, Construindo Políticas Públicas”, do Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Governo Federal, encontra-se um quadro intitulado Que cara têm as mulheres negras do Brasil, de acordo com alguns indicadores.
Extraímos alguns desses indicadores para ilustrar nosso texto:
a) Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE): enquanto a esperança de vida para as mulheres brancas é de 71 anos, 40,7% das mulheres afrodescendentes morrem antes dos 50 anos (pesquisa no município de São Paulo, em 1995);
b) No Brasil, segundo a classificação do Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDG), ranking que dá conta da qualidade de vida usufruída pelas pessoas, os homens brancos estão em 41º lugar, as mulheres brancas estão em 69º lugar, os homens afrodescendentes em 104º lugar e as mulheres afrodescendentes ocupam o 114º lugar, com o menor índice de qualidade de vida.
Outro aspecto considerado discriminatório é quanto aos direitos humanos, à cultura e à religião. As leis internacionais dos direitos humanos expressam, em seus manuais, a garantia a todas as pessoas de direitos iguais, independentemente de sexo, raça, classe, etc. As mulheres não têm direitos iguais aos homens no que se refere à terra, à propriedade, à mobilidade, à educação, à oportunidade de emprego, de moradia, de alimentação, de culto religioso e sobre a vida de seus filhos.
As mulheres não têm nem mesmo o direito de controlar e cuidar de seus próprios corpos, de sua saúde e de suas funções reprodutivas. Em muitas culturas, os corpos das mulheres são lesados e mutilados em rituais e as mulheres são rotineiramente espancadas e mesmo assassinadas em nome da tradição cultural, a despeito do fato de as leis internacionais sobre os direitos humanos proibirem práticas culturais que prejudiquem.
A violência contra a mulher é um abuso dos direitos humanos (OKLEY, in Manual de Formação em Gênero, da Oxfam, 1999).
A despeito de muitos limites, o Brasil avançou por meio dos movimentos de mulheres, que conseguiram criar e instalar as delegacias em defesa das mulheres, dando-lhes maior segurança para fazer denúncias de maus-tratos e procurar apoio para a punição dos agressores, além da conscientização de que o movimento vem fazendo para esclarecer sobre seus direitos, assistência jurídica e psicológica. O cerne da dominação racial tem o foco comum com a dominação de gênero, ambas têm a mesma origem histórica.
A dominação racista tem escopo mundial, pois deriva-se da configuração histórica de imposição da hegemonia de um povo sobre outro. Sua essência está localizada nesse processo, com aspectos comuns aos diversos contextos locais, e seu instrumento é a ideologia do supremacismo branco. A questão da identidade está ligada profundamente a essa essência da dominação racista, pois o padrão da brancura derivado da hegemonia do supremacismo branco exerce seu efeito sobre a
identidade de todos os povos dominados. No Brasil, a identidade passa a ser reconstituída, em grande parte, por meio do sortilégio da cor, que transforma numa busca permanente do simulacro da brancura (NASCIMENTO, 2003, p. 24).
No Brasil, a opressão de gênero se inter-relaciona com a opressão de raça, identidade étnica e classe. Um fator que contribui bastante para a opressão racial/étnica é a ausência nos currículos escolares da história africana, retirando o direito de os(as) negros(as) afro-descentes construírem uma história positiva de nossa raça, em contraposição à ideologia repassada de raça inferior, de preconceitos cultuados e de práticas racistas discriminatórias. O mesmo acontece com a cultura indígena, cujas ideias preconceituosas são dissimadas no país, tornando o Brasil uma de exclusão étnica e impregnada de uma falsa ideologia de democracia racial (CUNHA Jr., in: Cadernos de Educação, 1998).
A partir desse contexto, vale a pena perguntar: “Que cara têm as mulheres de nosso de País?”.
Historicamente, as políticas para as mulheres no Brasil partem de uma visão universalista e generalizante de mulher, incapaz desse simples questionamento: “Afinal, que cara têm as mulheres deste País?”.
Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que historicamente justificou a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando?
As mulheres negras, fazem parte de um contingente, provavelmente majoritário, que nunca reconheceu em si mesmo este mito, porque nunca foi tratado como frágil. Fazem parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras, ou nas ruas como vendedoras, quituteiras, prostitutas, etc. Fazem parte de um contingenciamento de mulheres-objeto. Ontem a serviço de frágeis sinhazinhas e de senhores de engenhos tarados. Hoje, empregadas domésticas de mulheres de classes média e alta, ou de mulatas tipo exportação.
Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, estamos garantindo emprego para que tipo de mulher? As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres para as quais os anúncios de emprego destinam a seguinte frase: “Exige-se boa aparência”. (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2003. p.16).
Pensar a inclusão social, a construção de uma sociedade justa, igualitária, com vistas à cidadania de homens e mulheres, passa obrigatoriamente pelo reconhecimento das diferenças, da diversidade e pela rejeição de mecanismos discriminatórios de gênero e raça.
Nesse sentido, os processos de educação e de formação profissional são extremamente importantes na elaboração de diretrizes, procedimentos e práticas pedagógicas que desmistifique a concepção preconceituosa de gênero e raça, possibilitando formulação e implementação de políticas públicas, capazes de erradicar as diversas maneiras de discriminação contra homens e mulheres das diferentes raças, etnias.
É importante ressaltar que o direito de igualdade racial no sistema de ensino está previsto na Constituição de 1988, atendendo a reivindicações antigas de entidades do Movimento Negro, inclusive do ponto de vista formal há uma série de preceitos destinados a sanções da discriminação racial lato sensu (RAMOS et al. 2003).
O movimento de construir desconstruindo identidades a cerca do gênero feminino e masculino percorre uma trajetória difícil, complexa, envolta em muito sofrimento, em muita discriminação e violência. Apesar da luta pela emancipação da mulher ser bem antiga, com ações muitas vezes isoladas contra a opressão, é somente no século XIX, aqui no Ocidente, que o movimento organizado socialmente chamado feminismo teve um reconhecimento.
No início do século XX, as manifestações a favor da emancipação feminina adquiriam maior visibilidade na luta pelo direito ao voto. Esse movimento se amplia e engloba a luta pela educação formal, por uma profissão. Evidentemente que era uma luta das mulheres brancas.
Na década de 60 tem início uma outra fase do movimento feminista, trazendo como bandeira de luta as situações sociais e políticas, abrangendo questões teóricas e práticas.
O feminismo é um conjunto de ideias e práticas que visa superar as desigualdades entre homens e mulheres e acabar com as situações de opressão e exclusão das mulheres. O feminismo é uma teoria política que tem expressão social desde o fim do século passado. As mulheres sempre lutaram por sua liberdade e em todas as épocas temos exemplos de mulheres excepcionais, de ações de resistência e de elaboração de tratados e manifestos em defesa da igualdade (FARIA e NOBRE, 1997).
O movimento de mulheres tem avançado bastante na sua organização, nas décadas de 70, 80, 90 e na atualidade, em busca de direitos iguais.
Esse movimento amplia-se na área urbana e rural, no meio sindical, político e no movimento negro. A imobilização de mulheres vai aprendendo que é fundamental contemplar as necessidades e os direitos das diferentes mulheres, conforme raça, classe, idade, orientação sexual, condições de vida e de trabalho (FARIA e NOBRE, 1997).
A necessidade que a organização de mulheres sentiu em compreender e explicitar teoricamente a opressão e a discriminação que sofre na vida doméstica, social e no trabalho levou à formulação de várias ideias a respeito dessa situação de opressão.
Dentre outras, afirmou-se a ideia de que há uma construção social do ser mulher.
Porém, a origem da opressão não está clara do ponto de vista teórico. Como inserir a visão da opressão das mulheres, no conjunto das relações sociais, sobre a relação entre essa e outras opressões, como, por exemplo, a relação entre opressão das mulheres e o capitalismo? (FARIA e NOBRE, 1997).
Segundo as referidas autoras, o conceito de gênero veio responder a vários desses impasses e permitir analisar tanto as relações de gênero quanto a construção da identidade de gênero em cada pessoa.
O conceito de gênero é de fundamental importância para que se compreenda a construção no campo social das relações de homens e mulheres. O conceito é utilizado como ferramenta política e sociológica de análise das relações entre os sexos, considerando que é no campo social que as relações sociais de gênero são construídas.
Quanto às contribuições do conceito de gênero, ao se afirmar a construção social dos gêneros, coloca-se que as identidades e papéis masculino e feminino não são um fato biológico, vindo da natureza, mas algo construído historicamente e que,
portanto, pode ser modificado. A construção social dos gêneros tem uma base material (e não apenas ideológica) que se expressa na divisão sexual do trabalho.
O conceito de relações de gênero nos leva à noção de práticas sociais, isto é, pensar e agir dentro de uma determinada sociedade, e à existência de práticas sociais diferentes segundo o sexo. Mas, se as pessoas são permeáveis às relações sociais, elas também agem, sozinhas ou coletivamente, sobre essas relações, construindo suas vidas por meio das práticas sociais.
As relações de gênero são hierárquicas e de poder dos homens sobre as mulheres. Essas relações de poder são as primeiras vividas por todas as pessoas e é com elas que começamos a aprender o mundo. Ou seja, a relação das pessoas com o mundo se inicia a partir dessas relações de poder e se reproduz no conjunto da sociedade e das instituições. Sendo assim, modificar essas relações implica uma nova correlação de forças, construída pela auto-organização das mulheres e mais favorável a elas.
As relações de gênero estruturam o conjunto das relações sociais e, portanto, não existe uma oposição entre questão das mulheres (que seria específica) e questão da sociedade (que seria geral). Os mundos do trabalho, da política e da cultura também se organizam conforme a inserção de mulheres e homens, a partir de seus papéis masculinos e femininos. Portanto, temos que considerar a superação das desigualdades entre mulheres e homens.
Gênero supera as antigas dicotomias entre produção e reprodução, público e privado, e mostra como mulheres e homens estão ao mesmo tempo em todas essas esferas, só que a partir de seu papel masculino ou feminino. Por exemplo, os homens também vivem no espaço doméstico e mesmo aí a eles são destinadas tarefas que poderiam ser interpretadas como produtivas, tais como trocar lâmpadas ou consertar um móvel quebrado.
A análise das relações de gênero só é possível considerando a condição global das pessoas – classe, raça, idade, vida urbana ou rural, e momento histórico em que se dá. Mas, embora existam muitos elementos comuns na vivência e condição das mulheres, nem todas foram criadas para exercerem o mesmo papel, sem nenhuma diferenciação. Por exemplo, em nosso País uma branca rica é ensinada para exercer o seu papel feminino de uma maneira diferente de uma negra pobre, com relação a que tipo de esposa cada uma deve almejar ser, as tarefas de mãe, o cuidado com o corpo e a aparência, as boas maneiras, etc.
O conceito de gênero possibilita ver o que há de comum entre as mulheres, porque mostra como mulheres e homens estão no conjunto da sociedade. Mostra ainda a forma como cada mulher individualmente vive essa condição. Ao explicar a incorporação da identidade masculina e feminina, expõe a diferença entre mulheres, porque no caso de duas irmãs, ensinadas da mesma maneira pela mãe, enquanto uma pode tornar-se meiga, a outra pode tornar-se agressiva, uma podendo aprender a gostar de cozinhar e a outra, não. É possível olhar na história de cada uma como essa identidade foi incorporada a partir da aquisição das características masculinas e femininas.
Ninguém é 100% masculino ou feminino. Características consideradas do outro gênero estão presentes em todas as pessoas. Só que são valorizadas de forma diferente, conforme o lugar em que cada um está. Por exemplo, nos espaços políticos, tradicionalmente masculinos, é comum as mulheres serem cobradas a deixarem um pouco de lado a sua feminilidade e demonstrarem características compatíveis com o modelo estabelecido do que é ser militante, forte e combativa, porque só assim os homens irão considerá-las como “fortes”, sem “frescuras”, que é o que se espera na política, segundo a visão comum (Faria e Nobre, 1997, p. 32 e 33).
O que se reflete dessas considerações é a compreensão de gênero como parte da construção da identidade dos sujeitos seja do sexo masculino, seja do feminino.
A desconstrução dessa dicotomia entre opostos que supostamente existe entre masculino e feminino, de dominante e dominado, como a única forma de relação entre os sujeitos de sexos diferentes, é não compreender que existem diversas formas de exercitação do poder.
O poder é exercido por homens e mulheres de classes, raças, religiões, idades diferentes. O processo de desconstrução seria trabalhado na ordem inversa, considerando que esse oposto é construído socialmente. As identidades de gênero não são fixas, eternas, e sim mutáveis, transformadas, construídas no espaço sócio histórico.
A reflexão sobre a trajetória da questão de gênero nos leva a indagar como esta pode nos ajudar, dada a proximidade dos dois, a compreender os possíveis rumos teóricos e práticos do problema racial. Se a construção do conceito de gênero desloca o enfoque da teoria feminista da “mulher” para as “relações de gênero”, o movimento no sentido de tomar como objeto de reflexão as “relações raciais” em vez de focalizar “o negro” também traz implicações para a articulação de novas abordagens da questão racial (NASCIMENTO, 2003).
Kabengele Munanga nos chama a atenção para o contexto histórico em que se constitui a chamada identidade negra no Brasil, não se construíram discursos ideológicos de identidades amarela ou branca:
(...) justamente porque os que coletivamente são portadores das cores da pele branca e amarela não passaram por uma história semelhante à dos brasileiros coletivamente portadores da pigmentação escura. Essa história a conhecemos bem: esses povos foram sequestrados, capturados, arrancados de suas raízes e trazidos amarrados aos países do continente americano, o Brasil incluído, sem saber por onde estavam sendo levados. Uma história totalmente diferente da história dos emigrados europeus, árabes, judeus e orientais que, voluntariamente, decidiram sair de seus respectivos países, de acordo com a conjuntura econômica e histórica interna e internacional que influenciaram suas decisões para emigrar. Evidentemente, eles também sofreram rupturas que teriam provocado alguns traumas, o que explicaria os processos de construção das identidades particulares como a “italianidade brasileira”, a identidade gaúcha etc. Mas, em nenhum momento, a cor de sua pele clara foi objeto de representações negativas e de construção de uma identidade negativa que, embora inicialmente atribuída, acabou sendo introjetada, interiorizada e naturalizada pelas próprias vítimas da discriminação racial (MUNANGA, 2003, p. 37).

Essa construção histórica da identidade negra brasileira não pode ser desconsiderada ao falarmos da identidade de gênero, até porque não se tem conhecimento de algum povo, cultura ou língua que não tenha a sua identidade própria, que se diferencia de outro povo, da outra cultura ou da outra língua.
A identidade é um componente acionador da realidade constituído pelos processos sociais e que a partir das relações sociais diversas é conservada ou modificada. A identidade como processo social surge da relação dialética existente entre indivíduos e sociedade, e só pode ser compreendida em conexão com a produção das diferenças, pois a sua construção social se produz sempre num contexto caracterizado pelas relações de força.
Segundo Munanga existem três formas de identidade, de origens diferentes:
a) a identidade legitimadora, que é elaborada pelas instituições dominantes da sociedade, a fim de estender e racionalizar sua dominação sobre os atores sociais;
b) a identidade de resistência, que é produzida pelos atores sociais que se encontram em posição ou condição desvalorizadas ou estigmatizadas pela lógica dominante;
c) a identidade-projeto, quando os atores sociais, com base no material cultural à sua disposição, constroem uma nova identidade que redefine sua posição na sociedade e, consequentemente, se propõem em transformar o conjunto da estrutura social (MUNANGA, 2003, p. 39 e 40).

O que se entende do ponto de vista da teoria socioantropológica, que fundamenta as origens diferentes das identidades apresentadas acima, é que não existe uma identidade, uma única essência, nenhuma é melhor ou pior, há sempre um contexto histórico em que elas se constroem, se consolidam, se transformam:
 Assim, minha descoberta da minha própria identidade não significa que a elaboro no isolamento, e sim a negocio por diálogo, parcialmente exterior, parcialmente interior, com os outros. É a razão pela qual o desenvolvimento de um ideal de identidade engendrado interiormente dá uma nova importância ao reconhecimento. Minha própria identidade depende virtualmente de minhas relações dialógicas com os outros (TAYLOR, Charles, apud. MUNANGA, 2003, p. 45).


Considerações Finais

A leitura feita das ideias de várias autoras e de vários autores expostas no decorrer do texto nos dá a certeza da importância que a educação e qualificação têm de implementarem em seus percursos formativos ações voltadas para essas questões de gênero e de raça/etnia, como contribuição à possibilidade de construção da cidadania de homens e mulheres em respeito a suas diferenças e direitos.
O maior desafio do Governo Dilma é promover a inclusão social e a redução das desigualdades sociais por meio do crescimento com geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades regionais, com o objetivo da promoção e expansão da cidadania e o fortalecimento da democracia. Desafio com uma dimensão multifacetada, envolvendo diversos atores e setores da sociedade.
Tal desafio foi transformado no grande objetivo norteador das políticas públicas desenvolvidas nos vários ministérios e secretarias de governo. Muitas medidas vêm sendo tomadas nas diversas áreas, principalmente na econômica e na política, no intuito de reorientar o País rumo ao desenvolvimento com inclusão via trabalho e geração de emprego e renda.
O Ministério do Trabalho e Emprego, historicamente responsável pela política de geração de emprego e de qualificação profissional, tem no atual governo incorporado esta responsabilidade com novas diretrizes políticas. O MTE, além das ações de intermediação de mão-de-obra e de qualificação profissional, incorpora outras ações, como o Programa Primeiro Emprego, para a juventude na faixa etária de 16 a 24 anos, com dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
Outro programa vem sendo desenvolvido no âmbito das Relações do Trabalho, com a criação e a instalação do Fórum Nacional do Trabalho, que trata de forma coletiva das mudanças na Legislação Trabalhista e Sindical.
A economia solidária foi constituída no interior do Ministério com intuito de estimular as formas coletivas e criativas de geração de renda e cooperação solidária. O combate à precarização e à discriminação no trabalho é um objetivo dos diversos
programas do Ministério, como fiscalização do trabalho por meio da aplicação das normas legais no ambiente de trabalho, na busca da proteção da vida e da saúde, com ênfase para a eliminação do trabalho infantil e do trabalho escravo.
Essas ações fazem parte do Programa de Integração das Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e Renda, que constitui o início da construção do Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda do Brasil.
A qualificação, nesse sentido, se constitui num espaço de negociação coletiva, que objetiva a integração entre trabalho educação-desenvolvimento. É, também, articuladora de políticas e trabalhada de forma integral, tanto no campo social como no campo profissional.
Em consonância com as discussões internacionais no âmbito da OIT, entende-se a Qualificação Social e Profissional como direito e condição indispensável para a garantia do trabalho decente para homens e mulheres. Define-se Qualificação Social e Profissional como aquela que permite a inserção e a atuação cidadã no mundo do trabalho, com efetivo impacto para a vida e o trabalho das pessoas. Por esse ângulo, as Políticas Públicas de Qualificação devem contribuir para promover a integração das políticas e para a articulação das ações de qualificação social e profissional do Brasil e, em conjunto com outras políticas e ações vinculadas ao emprego, ao trabalho, à renda e à educação, deve promover gradativamente a universalização do direito dos trabalhadores à qualificação (PNQ, 2003).

Referências

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FARIA, Nalu; NOBRE, Miriam (Org). Gênero e desigualdade. São Paulo: SOF, 1997.
______. Gênero e educação. São Paulo: SOF, 1999.
______. Gênero e agricultura familiar. São Paulo: SOF, 1998.

LEITE, Marcia de Paula (apresentação). Investir nas pessoas: educação básica e profissional. GRPE/OIT, 2004.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva estruturalista, 1997.

MUNANGA, Kabengele. Algumas considerações sobre a diversidade e a identidade negra no Brasil, 2003.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. O sortilégio da cor: identidade raça e gênero no Brasil. São Paulo: Summus, 2003.

OAKLEY, Ann. Sex, gender and society. Manual de formação em gênero da Oxfam. 1999 (originalmente publicado em 1972, por Temple-Smith, Londres).
Plano Nacional de Qualificação (PNQ). 2003-2007. Brasília: MTE, SPPE, 2003.

RAMOS, Marize Nogueira et al. Diversidade na educação: reflexões e experiências. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica. 2003 (Programa Diversidade na Universidade/MEC).

Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (Brasil). Plano Nacional: diálogos sobre a violência doméstica e de gênero: construindo políticas para as mulheres. Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência Contra a Mulher: Brasília, 2003.



[1] Aluno do Curso Lato Sensu em Gestão Pública, da Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin/Brasília-DF. Graduado em Gestão Pública e Empresarial/UNITRI. Funcionário público/Agente de trânsito. Secretaria de Trânsito e Transporte do município de Uberlândia-MG.
[2] Professor Orientador da Faculdade de Tecnologia Equipe Darwin/Brasília-DF. Especialista de Educação. Psicólogo Clínico. Doutor em Teologia. Diretor da Consultoria SELF.

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