26 de jan. de 2014

PARA CONTINUAR A VIVER

Quando criança, vemos e observamos varias coisas que acontecem à nossa volta, somos despertados por quase tudo, afinal, trata-se de um período de descobertas, aprendizados, formação pessoal e social.
Em um desses momentos tão importante da vida, passei a observar uma pessoa, já adulta, um homem que todas as manhãs bem cedo passava pela rua onde morávamos, com sua bicicleta já bastante surrada, sem marchas, com freio no próprio pedal, pneus carecas, mas acima de tudo isso, algo naquele meio de transporte me chamava a atenção.
Na 'garupeira' da mesma havia um aparelho estranho, uma roda de fiar, o qual ele interligava à catraca da bicicleta e pedalava para  iniciar o seu augusto trabalho.
Pela manhã bem cedo, ele andava de casa em casa, oferecendo seus préstimos como afiador de tesouras, facas e outros trabalhos pequenos, isto para ele era de suma importância, recebendo pelo seu ofício de afiador de facas e tesouras, as moedas que as pessoas lhe entregavam.
Com o passar do tempo, com a evolução e a tecnologia em ascensão, as coisas foram mudando, e as pessoas já não utilizavam do trabalho oferecido por aquele senhor já não tão jovem agora, e à medida que o tempo foi passando, menos pessoas o procuravam.
Por fim, passei a não vê-lo mais com tanta frequência na rua, nem pela manhã nem pela tarde.
Pouco tempo depois, ouvi as pessoas falarem que o afiador de tesouras havia fenecido, e como poderia ter ido embora tendo tanto a oferecer às pessoas, com seu trabalho, suas histórias, contos e experiências de vida.
Descobri que aquele simples trabalhador era muito mais que um afiador, tornara-se sim, afiador, conselheiro, contador de histórias, ... que a humanidade reconheceu apenas quando o próprio se foi.
 
Depois de vários anos, continuo a refletir sobre o número expressivo de pessoas que passam por nós a cada dia, cada um trazendo dentro de si inúmeros aprendizados, força e determinação, contribuições para que o mundo se torne melhor.
No entanto, deparamos novamente com o avanço, a globalização, o egocentrismo aliado ao consumismo desenfreado e os equipamentos supérfluos e descartáveis.
A humanidade se desumaniza, ridiculariza o outro, tornando-o como objeto, passando então a valorizar o ter do que ser, invertendo valores universais em prol de vícios antropocêntricos.
Destas atitudes, sobrevêm algumas respostas acerca da finitude de muitos.
O ser humano não apenas morre quando tudo se acaba, os anos se tornam fardo pela muita continuidade, ou por apenas limitações da saúde pessoal.
Vejo que mesmo antes do fim, muitos tem a vida por perdida, quando não se sentem mais contribuintes para o bem comum, quando não mais ouvem suas histórias, seus contos, quando não solicitam mais sua presença, seu trabalho, quando são ignorados não pela vida, mas pelos autores que mutuamente vivem e faz a vida valer a pena.
"Quando morre uma pessoa, morre uma enciclopédia de conhecimentos".
Percebo, o quanto falhamos e o quanto necessitamos aprender ainda, a enxergar no outro o outro como ser vivo e atuante participante da vida.
 
LEITE, J.F.

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