PONTOS ACERCA DA RELAÇÃO TATUAGEM E CRISTIANISMO
“Hoje eu não faço mais tatuagem e não aconselho ninguém a fazer”. Poucas
pessoas associariam essa afirmação a Rodolfo Abrantes. Com os braços quase
cobertos por tatuagens, muitas do período em que atuou como vocalista da banda
secular Raimundos, e a imagem de um candelabro tatuada no pescoço, feita após
sua conversão, o músico conta que tatuar-se era algo habitual: “Quando eu me
converti, eu continuei fazendo tatuagem porque já fazia muito e eu confesso que
não sentia muita paz nisso. Durante meu processo de conversão, senti Deus falar
comigo que eu não precisava mais daquilo. Quando decidi parar, senti muita paz.
Desde então, nunca mais fiz tatuagem alguma. Quando eu continuei me tatuando
depois de convertido, só transferi uma coisa que eu já era para dentro da minha
nova vida. E realmente eu não precisava mais disso”.
Em entrevista ao Portal Guia-me, Rodolfo expressou o que pensa hoje
sobre tatuagem: “Na real, eu acho que tatuagem é uma grande ‘duma vaidade”. “As
pessoas dizem: ‘Eu vou para Jesus, mas eu vou levar tudo o que eu gosto’. Mas
têm certas coisas que talvez Deus queira simplesmente tirar do teu coração. Eu
interpreto da seguinte forma: quando eu senti que era Deus falando comigo, que
era para eu parar de fazer tatuagem, creio que era uma ordem simples, que se eu
conseguisse obedecer, eu conseguiria obedecer a ordens maiores também. Eu
cumpri e senti uma paz tremenda. Toda vez que eu obedecer a Deus, vou sentir
Paz”, explica o cantor.
Vista como forma de expressão, símbolo de rebeldia e juventude, a
tatuagem possui diferentes estilos, que vão do tradicional ao maori,
estilizado, psicodélico, religioso, tribal, entre outros. Seus temas variam
tanto quanto as personalidades das pessoas que as fazem. As imagens escolhidas
podem ser definidas pelo contexto histórico, influências musicais, modismos,
ideologias e crenças. Crenças que chegaram à igreja e dividem opiniões. Aceita
por algumas denominações e pastores, condenada por igrejas e lideranças, a
“tatoo” divide opiniões até mesmo em interpretações de trechos bíblicos, como o
de Levítico 19:28 – “Não fareis lacerações na vossa carne pelos mortos; nem no
vosso corpo imprimireis qualquer marca. Eu sou o Senhor”.
Para o professor de teologia Carlos Vailatti, o versículo faz parte de
um contexto maior, um “código de santidade”: princípios para demonstrar ao povo
de Israel elementos indispensáveis ao relacionamento com Deus. Na opinião de
Valilatti, é importante destacar também a palavra ‘marca’: “Esta palavra é
derivada do hebraico qa´aqa´, cujos significados básicos são: ‘incisão,
tatuagem’. Já na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento hebraico –
datada do III século a.C.), a palavra ‘marca’ é a tradução do grego stikta,
palavra esta derivada do verbo stizo, ‘fazer um sinal com um instrumento agudo
ou candente; pintar, tatuar; fazer sinais com golpes’ […] Deus não quer que
Israel pratique esses hábitos pagãos e se comporte como as demais nações que
vivem ao seu redor. Deus quer que Israel seja uma nação santa, isto é, uma
nação separada para servi-lo e que tenha um estilo de vida diferente das
demais”. Para o teólogo, o trecho inicial do versículo de Levítico 19:28,
relaciona-se a 1 Reis 18:28: “No confronto entre Elias e os adoradores de Baal
no monte Carmelo, onde vemos que estes últimos ‘se retalhavam com facas e com
lancetas, conforme o seu costume, até derramarem sangue sobre si”.
No entanto, Sandro Baggio, líder do Projeto 242, igreja que há mais de
dez anos trabalha com pessoas da cultura alternativa e dedica-se a missões
urbanas, entende que o trecho de Levítico não pode ser aplicado à tatuagem.
“Trata-se de uma lei específica direcionada a um povo em particular. Aqueles
que querem aplicar essa lei para o contexto de hoje (usando este versículo para
proibir as pessoas de fazer tatuagem) precisam estar dispostos a aplicar também
os versículos anteriores que proíbem vestir roupas de tecidos diferentes,
plantar sementes de diferentes espécies no mesmo jardim e aparar a pontas do
cabelo e da barba. As pessoas não estão fazendo tatuagem por causa de qualquer
ritual relacionado a mortos, mas como expressão estética”, explica o líder.
Baggio fez a primeira tatuagem em 1988, logo após sua formação no
seminário teológico. Para ele, tatuar-se é uma forma de expressão corporal e
cultural: “Antes era particular de alguns povos e culturas, mas como o mundo se
tornou uma aldeia global, a tatuagem (assim como outras expressões culturais)
ganhou espaço nos mais diversos meios e contextos. A única diferença entre
fazer uma tatuagem e uma pintura ou mesmo corte de cabelo é que a tatuagem tem
uma característica mais permanente e não pode ser removida facilmente.
Portanto, exige-se que se pense muito mais antes de se fazer uma tatuagem do
que, por exemplo, antes de tingir os cabelos ou fazer dreads neles”.
Símbolo de rebeldia?
Tattoo, do taitiano tatau, significa marcar. O nome foi dado por James
Cook, o capitão inglês que descobriu o surfe e, em 1769, ficou admirado ao
chegar ao Taiti e ver a população local coberta de desenhos em vez de roupas. A
população da região era conhecida como maohis, ou maoris na Nova Zelândia, povo
que tatuava-se em rituais ligados à religião. As imagens significavam status e
poder, marcavam a passagem da infância para a maioridade, ou contavam as
histórias da família e da tribo. Mas, os primeiros registros de pigmentação com
tintas sobre a pele remetem há pelo menos 5 mil anos. No Egito, também foram
encontradas múmias tatuadas, que datam do período entre 4000 e 2000 a.C.
Na América,tatuar-se também era prática das civilizações maia e asteca.
No Japão feudal, criminosos eram marcados para que fossem identificados como
maus elementos. Tempos depois, em meio a um forte clima de opressão dos
governantes, organizações ostentavam tatuagens como símbolo de transgressão ao
poder vigente. Assim, surgiu o famoso dragão da Yakusa, a máfia japonesa,
imagem comum de muitas tatuagens no mundo.
Com todo esse contexto histórico, a tatuagem é vista, ainda hoje, como
símbolo de rebeldia. O pastor Eduardo Silva, conhecido como pastor Edu,
conviveu com muitos “irmãos tatuados” até gravar uma mensagem em seu braço e
conta que recebeu com isso muitas críticas. Membro da igreja Renascer em
Cristo, foi o primeiro a escrever em seu corpo, a frase “Renascer até morrer”.
“A minha motivação veio num momento em que a Igreja sofreu um forte ataque. A
intenção dos que nos atacavam era na verdade o fechamento e extinção da Igreja
Renascer, como se as portas do Inferno pudessem prevalecer contra a Igreja de
Cristo. Muitas pessoas comentavam que a Igreja não sobreviveria a esse momento,
isso foi em fevereiro de 2007. Sou pastor desde janeiro de 1993, mas atuo no
ministério desde jovem”, conta o Pr. Edu, que revela que a atitude trouxe
grande repercussão: “Algumas positivas, outras violentamente negativas. O que
me causa estranheza, é que a tatuagem afeta tão somente a minha vida. No que
diz respeito à minha comunhão com Deus ou santidade, não aumenta ou diminui.
Mas, muitos foram contumazes em dizer que essa atitude era fruto de uma
alienação, que éramos como gado marcado etc. Apenas entendo que não devemos
julgar para não ser julgados!”. Ele explica a iniciativa narrando a passagem
bíblica de II Samuel 15:21: “Em meio à guerra, Davi contava com homens valentes
como Itaí (II Sm 15,21), que estavam em aliança, para vida ou para a morte. Não
adianta estar em aliança apenas quando tudo vai bem. Baseado nesse princípio é
que muitos de nós escolhemos essa frase. A igreja, corpo de Cristo, estava
sendo atacada, o rebanho precisava ser protegido e pastoreado e algumas pessoas
e instituições se esqueceram desse conceito de corpo! Como pastor, senti o
desejo de deixar clara a minha posição em favor do rebanho”.
Para o reverendo Baggio, pessoas que consideram tatuagens símbolos de
rebeldia estão “estacionadas no tempo”. ” Hoje em dia, tatuagem não tem
absolutamente nada a ver com rebeldia, mas sim com estética. Sem dúvida que há
preconceitos por parte de algumas pessoas (religiosas ou não), mas qualquer
coisa pode ser passível de preconceito, principalmente expressões culturais.
Preconceito é fazer um juízo superficial a partir de idéias ou conceitos
pré-estabelecidos. O profeta Samuel fez um ‘pré-conceito’ ao procurar ungir o
futuro rei de Israel. Cristãos que seguem a Bíblia não deveriam fazer
‘pré-conceitos’ com relação à aparência das pessoas, mas infelizmente não é
isso o que acontece. Pessoas sofrem preconceitos por se vestirem de certa
maneira, por causa do seu penteado (ou por não ter nenhum penteado) de cabelo,
pelo modo como falam (se sua linguagem não for cheia de chichês evangeliquês,
não é espiritual) etc. Eu já sofri preconceitos por todas as coisas, mas
geralmente depois que as pessoas me conhecem, elas percebem que tais coisas são
superficiais e acabam deixando o preconceito de lado”, narra o reverendo. A
segunda tatuagem de Baggio veio para cobrir a primeira. “Aquela velha tatuagem
era bem “old school” e no ano passado decidi cobri-la com um novo desenho. A
velha tatuagem foi feita com um desenho de uma pomba e uma cruz e eu estava
pensando do texto bíblico que diz que Cristo estabeleceu a paz por meio da
cruz. A nova tatuagem é um desenho celta do ganso selvagem, o símbolo celta do
Espírito Santo. O que esse desenho expressa para mim é a afirmação de que fui
selado pelo Espírito e meu desejo profundo de viver a grande aventura da vida
guiada por Ele”, expõe o líder do Projeto 242.
Mas, para o professor Carlos Vailatti, a tatuagem pode ser compreendia
como elemento de rebelião: “Ela pode representar a aderência aos movimentos da
contra-cultura, como, por exemplo, o movimento punk da década de 80, o qual
estava associado com formas de protesto social e anarquismo. Além disso, ela
também pode ser vista como um símbolo anárquico dentro da própria igreja, de
acordo com postura que certas denominações adotam com respeito a ela”.
Fazer-se igual para ganhar os diferentes?
Líder do Projeto 242, que tem como alvo missionário evangelizar pessoas
marginalizadas socialmente, como: mendigos, prostitutas e dependentes químicos,
Sandro Baggio não compreende a tatuagem ou outros visuais como agentes de
evangelização. “Isso depende muito mais do testemunho de vida e caráter, no
poder do Espírito Santo, do que na aparência”, aponta.
“Creio ainda que existem tatuagens que são puramente estéticas e muitos
irmãos tatuados, são instrumentos para alcançar essas tribos ou grupos
alternativos. Muitas pessoas que me perguntavam a respeito da tatuagem acabaram
ouvindo a respeito da fé em Jesus e da obra que ele realizou em minha vida. Mas
não quero usar esse argumento. Creio que devemos ter acima de tudo respeito e
amor. Só pra constar assim que possível vou fazer outra. Tatuados ou não,
cabeludos ou não, com maquiagem ou sem, com brinco, com piercing, pentecostal
ou tradicional, o que conta mesmo é sermos novas criaturas. No mais, vivamos em
paz uns com os outros (I Ts 5,13)”, expressa o pastor da igreja Renascer em
Cristo, Edu.
Para o cantor Rodolfo Arantes, o fato de ter tatuagens só o aproxima de
outras pessoas tatuadas ou grupos alternativos, à medida que elas o enxergam
com uma pessoa mais parecida com Cristo.” Cara, se tem alguma coisa em mim que
possa ter atraído alguém, é mais pelas as pessoas que estão fora da igreja e
estão vendo: ‘Pô, aquele cara todo tatuado tá pregando. Aquele cara todo
tatuado tá fazendo a obra de Deus, aquele cara todo tatuado está adorando Jesus
com a guitarra na mão. Quer dizer que eu também posso?’. Eu creio que numa hora
dessas, se tem algo que eu possa aproveitar, é mais por poder mostrar que Jesus
Cristo renova todas as coisas e que não interessa quem você é, o que você fez,
não interessa as marcas que você carrega. Se você entregar sua vida para Deus,
ele vai te usar […] O link que a gente tem que ter com essas pessoas perdidas,
com as pessoas que a gente quer alcançar, é o link do amor. Amar as pessoas
independentemente das diferenças delas. Às vezes nos afastamos das pessoas que
são diferentes, que estão afundadas em trevas, como se a gente tivesse que
manter distância, como se fosse contagioso e não é, a gente é que é contagioso,
é o nosso amor que vai mostrar se a gente é de Jesus ou não, eu acho que é
muito mais por aí”, explica Rodolfo. Para ele, quem busca Jesus está procurando
novidade de vida: “Em tudo que eu já li a respeito de Jesus na Bíblia, eu nunca
ouvi dizer que ele precisou se parecer com as prostitutas para falar do amor de
Deus para elas. Eu nunca o vi tendo que se parecer com o endemoninhado gadareno
para falar de Jesus para ele. Tudo o que ele fazia é ser luz nas trevas, é isso
o que a gente precisa. Quem faz a diferença na vida de uma pessoa é a Palavra
de Deus e não qualquer artifício. Isso é uma estratégia humana muito da
‘mixuruca’ perto do que é o poder de Deus”.
Da mesma forma, o teólogo Vailatti entende que Jesus também interagiu
com grupos alternativos e marginalizados de sua época, mas comportou-se de forma
diferente. “Acredito que a tatuagem pode sim auxiliar na evangelização de tais
grupos, tomando como hipótese que aquele que os evangeliza também está tatuado.
Isso cria uma identificação entre ambos. Porém, uma vez que o exemplo a ser
seguido pelos cristãos é Cristo (cf. 1 Jo 2.6), temos que ter em mente que o
que havia em Jesus que atraía as pessoas era justamente o fato dele ser
“diferente”, e não “igual” aos demais. Dito de outra forma, se Jesus vivesse em
nossos dias ele certamente não precisaria se tatuar para evangelizar pessoas
tatuadas, pelo mesmo motivo pelo qual também não precisou se tornar mendigo
para proclamar o evangelho a estas pessoas. Aliás, Jesus também interagiu com
os “grupos alternativos” de sua época, tais como “as prostitutas, os leprosos,
os mendigos e os coletores de impostos”, dentre outros, os quais, assim como os
grupos alternativos de hoje, também eram marginalizados pela sociedade.
Todavia, o que atraía as pessoas em Jesus, entre tantas outras coisas, era o
seu amor incondicional por elas, o seu respeito pelos excluídos da sociedade e
a sua falta de preconceitos para com todos. Jesus conquistava pessoas de todas
as camadas sociais não porque se adaptasse a cada uma delas, mas sim porque ele
continuava a ser ele mesmo dentro do pluralismo religioso, cultural e social de
sua época. Acredito que o nosso maior desafio nos dias de hoje seja evangelizar
tais “grupos alternativos” (seja lá quais forem) sem, contudo, perder ou anular
a nossa própria identidade”.
“Não fareis incisões na vossa carne por um morto,
nem fareis figura alguma no vosso corpo. Eu sou o Senhor” (Lv 19,28).
Vemos,
neste texto bíblico, a proibição de Deus ao povo de Israel de fazer incisões na
pele. Para não cairmos em fundamentalismos, temos de ir ao contexto e descobrir
a essência da mensagem. O que observamos é que o uso dessas incisões são
práticas idólatras dos povos pagãos que circundavam Israel, e a essência é que
não condiz com o seguimento do Deus Uno, qualquer forma de idolatria; então, o corpo
do homem não pode ser um espaço de expressões idólatras.
Tatuagem
e piercing têm alguma coisa a ver com isso? “A expressão piercing tem sido
usada para designar um tipo de adorno inserido por perfuração em certas partes
do corpo. Já a tatuagem é a pintura da pele com pigmentos insolúveis e
definitivos.” 1
Olhando
assim, de forma objetiva, parece que a tatuagem e o piercing não têm nada de
censurável. Mas precisamos nos aprofundar no significado deles. Penso que a
análise da moralidade dessas práticas passa por duas questões:
Significados que carregam
Primeiro:
essas práticas geralmente estão relacionadas a comportamentos tantas vezes
velados, mas presentes, cheios de vaidade, sensualidade e
irreverência. Mesmo que, na intenção pessoal, isso não esteja claro, tatuagens
e piercings, na nossa cultura, carregam esses significados. Nesse sentido, o
texto do Levítico não está tão distante dessa realidade, porque vaidade, sensualidade
e irreverência são verdadeiros ídolos a quem o homem moderno presta culto e
realiza sacrifícios inescrupulosos.
Mesmo que pessoalmente seja apenas uma atitude
adolescente de inclusão a um grupo, a motivação deste está envolvida com esses
valores.
Não
nos enganemos, pois tudo o que fazemos com nossas coisas, especialmente com o
nosso corpo, comunica nossos valores e transmite mensagens boas ou ruins.
Usando isso, ainda que a intenção primeira não seja
essa, o usuário contribui para a valorização desses cultos, que tanto têm
destruído as virtudes contrárias a esses valores em nossa sociedade:
simplicidade, pureza e mansidão.
Alguém pode questionar que outras práticas normais,
como o uso de brincos e maquiagens, também podem ter um significado de culto à
vaidade, sensualidade e irreverência. Sim, isso é verdade. Mas essa exortação
vale também para elas, porque as práticas comuns, sem a virtude da temperança,
podem nos dispor a essas ciladas.
É
significativo que, na maioria das culturas, especialmente o piercing tenha um
sentido religioso e espiritual. “A ideia hinduísta desse objeto é que ele
representa um contato, uma abertura para a atuação de divindades nas mais
variadas áreas da vida humana, cada uma representada por uma parte do
organismo. É interessante observar que o uso do piercing está tão ligado a
essas crenças hinduístas, que os locais de colocação (lábios, umbigo, nariz,
sobrancelhas entre outros) correspondem, exatamente, aos pontos correspondentes
aos chamados “chakras”, ou seja, centros de energia onde se daria a interação
entre o corpo e a mente, de onde se poderia estabelecer o controle sobre eles.” 2
Será,
então, que o uso dessas práticas, mesmo na cultura ocidental pós-moderna,
não vem carregado de um sentido espiritual? Será que não expõe, de algum
modo, a pessoa a realidades espirituais, uma vez que “vosso adversário, o demônio,
anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar” (1Pd 5,8)?
Respeito
ao corpo
Outra
questão a se considerar é o respeito ao corpo, templo do Espírito. Essa é uma
forte exortação de Paulo em 1Cor 6,12-20. Este, quando trata do quinto
mandamento da Lei de Deus – “Não matarás”–, além do evidente, fala também
sobre a necessidade do respeito à saúde, como um apelo moral do
cristão. Nesse sentido, o piercing e a tatuagem também não se harmonizam
com esses valores. De maneira geral, os profissionais de saúde contraindicam o
uso dessas marcas em nosso corpo, pois elas o expõem a uma série de
complicações, desde a transmissão de doenças contagiosas, no momento da
aplicação, como da Hepatite B (HBV), da Hepatite C (HCV) e do vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV), Sífilis etc., como complicações posteriores:
infecções diversas, dermatites, alergias e até há relatos de casos registrados
de endocardite infecciosa (uma infecção grave na camada interna do coração).
Isso tudo, sem contar que, no caso das tatuagens, a remoção posterior é
difícil, podendo expor a pessoa a novas complicações.
Quanto
ao piercing, alguém pode perguntar se há alguma diferença entre ele e o brinco
usado nos lóbulos das orelhas. Sob o ponto de vista da saúde, há muita
diferença. O lóbulo da orelha é a região que apresenta melhores condições,
porque tem vascularização adequada (nem muito como a língua e lábios; nem
pouco, como nas cartilagens), é arejado, pouco exposto ao suor e às secreções,
e é de fácil higienização. Trata-se, assim, de uma região do corpo com
improváveis chances de complicações. Outra é a situação dos diversos locais do
corpo em que se costuma usar piercing, em que a exposição a riscos é muito
maior. Aliás, veja-se como a tradição de culturas civilizadas tem valor. Nela
se escondem sabedorias que nem imaginamos. O verdadeiro progresso social e
cultural está em um novo que parte da tradição.
Respeita a beleza da pessoa
Ainda
ponderando sobre o respeito ao corpo, será que a tatuagem e o piercing
respeitam a beleza da pessoa?
Penso
que as aberrações que vemos por aí nos dão a pista da resposta: não. Não,
porque qualquer coisa que marque o corpo de forma estável ou permanente
comunica que ele não é tão bom assim, ele não é tão digno nem tão belo, e
precisa ser melhorado (isso seria diferente de uma prótese, que visa justamente
restaurar, em um determinado corpo, a integridade perdida, que é própria do ser
humano).
A
Igreja não tem nenhum pronunciamento claro ou oficial sobre essa questão. Mas
ela nos dá os princípios da fé que, com o discernimento dos espíritos
(cf. I Cor 10,12), podemos, sim, ponderar e fazer um juízo sobre questões como
essa. “O corpo, porém, não é para a impureza, mas para o Senhor” (1Cor 6,13b).
Que
seus princípios partam sempre da dignidade do seu corpo para Deus, e que seus
discernimentos busquem, em tudo, glorificar o Senhor.
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