RELIGIÕES
MONOTEÍSTAS: CONHECIMENTOS PARA ENCONTROS E DIÁLOGOS EM CONVIVÊNCIAS
RESPEITOSAS
Historicamente,
as culturas produziram conhecimentos, valores, sentidos e práticas buscando
responder suas necessidades fundamentais. De onde viemos? Por que vivemos? Por
que existe dor, sofrimento, mal? O que acontece e para onde se vai após a
morte? Existe alguma força que interfere no curso da vida pessoal ou coletiva?
Nesse
contexto, diferentes grupos, movimentos e tradições religiosas nasceram e se
desenvolveram atribuindo significados às questões do existir humano, promovendo
relações e interações com o entorno para proteger e cuidar da vida e conferindo
valores às diferentes formas de existir. Semearam anseios e sonhos de libertação,
paz e salvação, em meio à experiência humana das limitações, finitudes e
provisoriedades.
Todas
as religiões desempenham um papel importante no amadurecimento da consciência
da dignidade e dos direitos de cada ser humano, grupo, cultura ou ecossistema.
Elas auxiliam as comunidades na elaboração de sentidos para a existência
pessoal e social, fornecendo identidade e dignidade para os grupos humanos.
No
entanto, ao mesmo tempo, a história relata uma infinidade de violências,
massacres e guerras promovidas em nome das religiões. O que produz a violência
no contexto das crenças religiosas? A convicção exclusiva de um ponto de vista,
acaba por rivalizar com outros que igualmente disputam espaços e contextos de
adesão e fé. Perceber o Outro1 sem as amarras do dogmatismo religioso pode
estabelecer novas bases para praticar e consolidar os direitos humanos em um
mundo diverso.
É
nesse intento que apresentaremos alguns elementos histórico religiosos do
Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.
Para
isso, adotaremos uma posição epistemológica de reconhecimento da diversidade
cultural e religiosa, para que seja possível o encontro, diálogo e convivência
respeitosa entre os diferentes. Compreender e compreender-se de forma crítica,
numa concepção de humanidade permite assumir.
Judaísmo,
Cristianismo e Islamismo, apesar das diferenças – muitas vezes tão evidenciadas
para legitimar atitudes de intolerância e imposição religiosas – como veremos a
seguir, partilham vários elementos em comum: a origem ligada a Abraão e a
linguagem semita; a fé no Deus único de Abraão, seu patriarca; a concepção
linear de história que inicia na criação, perdura ao longo dos tempos e tende
para um final junto a Deus; e uma ética assentada no humanismo baseado na
vontade de Deus, prescrita nos dez mandamentos ou seu equivalente (BORAU,
2008).
1
JUDAÍSMO
O
Judaísmo é a mais antiga das três grandes religiões monoteístas. Tem como
aspecto central a fé num único Deus, criador do mundo, que tudo vê e tudo
conhece, e que revelou a Lei (Torá) ao povo judeu. Surgiu por volta do ano 1500
a.C. Segundo seus textos sagrados, o início deste povo está marcado por uma
intervenção de Deus, na qual Ele firma uma aliança com Abraão, o patriarca
fundador do povo de Israel, lhe prometendo a terra de Canaã. É o primeiro dos
patriarcas bíblicos e considerado pai dos crentes tanto para judeus, quanto
para cristãos e islâmicos. Para Borau (2008, p. 15-16), Deus chama-o e Abraão
responde com fé. Deus promete-lhe precisamente aquilo que mais lhe falta e de
que mais precisa: descendentes e terra, algo para amar e cuidar. [...] E com
uma fé firme e uma esperança aberta, deixa a sua terra para obedecer àquele
Deus justo e bom que lhe manifesta o seu amor com uma bênção generosa. A sua fé
inaugura uma nova forma de entender a vida.
A
Terra Prometida, mais tarde nomeada como Palestina ou Israel, sempre permaneceu
na memória do povo judeu. O livro do Gênesis – chamado na Bíblia Hebraica de
Bereshit (no começo), mostra os primeiros descendentes de Abraão, forçados pela
fome, migrando para o Egito. Lá entraram como homens livres, porém, depois de
certo tempo, foram escravizados. O Êxodo, um dos principais livros – que na
Bíblia Hebraica chama-se Shemot (Nomes) – apresenta uma grandiosa narrativa na
qual uma poderosa intervenção de Deus, através de Moisés e Aarão, vence o
faraó, seus Deuses e seus exércitos e liberta da escravidão os milhares de
israelitas. Os livros seguintes, Levítico, Números e Deuteronômio – que na
Bíblia Hebraica são chamados respectivamente de Wayyiqrá (Ele chamou); Bamidbar
(No deserto) e Devarim (Palavras) – narram eventos que teriam acontecido
durante a caminhada no deserto, rumo à terra prometida. Nesta caminhada teriam
recebido a Torá (Lei) de Deus, que encontra-se hoje codificada nos cinco livros
até aqui citados, equivalentes ao Pentateuco nas bíblias cristãs. Na Torá
prefiguram-se praticamente todas as principais instituições do Judaísmo
posterior. O livro seguinte, dedicado a Josué, já faz parte do conjunto de
livros que na Bíblia Hebraica são chamados de Neviim (Profetas). Josué abre o
subconjunto chamado de Profetas Anteriores, que nas bíblias cristãs são
classificados como livros históricos. O livro de Josué narra como sob a
liderança deste herói os israelitas conquistaram Canaã e lá se instalaram,
formando as doze tribos. No livro posterior, o de Juízes, são apresentados os
dirigentes das tribos recém-instaladas em Canaã. Os livros seguintes, 1 e 2
Samuel, mostram a crise do sistema dos juízes e os primeiros passos da
monarquia.
Com
a corrupção de alguns sacerdotes e juízes, e sob o ataque dos filisteus, por
volta de 1050 a.C., Samuel, o último dos juízes, teria nomeado Saul como
primeiro rei de Israel. Tendo Saul morrido em combate, e seus sucessores
padecidos em intrigas da luta pelo poder, Davi assume o comando. Primeiro como
rei da tribo de Judá e depois também como rei das tribos anteriormente
comandadas por Saul. Davi afasta a ameaça filisteia, conquista Jerusalém, uma
cidade fortaleza e santuário dos jebuseus (um dos povos cananeus), que passa a
ser conhecida como “a cidade de Davi”. Davi levará para Jerusalém a arca do
Senhor dos Exércitos, fazendo de Jerusalém, sua capital, também o centro
religioso oficial.
Após
as intrigas da luta pela sucessão de Davi, narradas em 2 Samuel, os livros 1 e
2 Reis iniciam com a vitória de Salomão sobre os adversários remanescentes.
Salomão uma vez tendo-se firmado no poder constrói um templo em Jerusalém e ali
entroniza a arca, consolidando a função política e religiosa oficial de
Jerusalém. Com a morte de Salomão, o reino dividiu-se em dois: o do norte
(Israel) e o do Sul (Judéia).
Em
722 a.C., Israel foi dominada pelo império assírio, que destrói a cidade de
Samaria, capital e Israel, que perderá sua autonomia sendo anexado e
tornando-se um distrito da Assíria. Nesse momento no reino do sul, mais
precisamente em Jerusalém, o rei Ezequias, acolhendo os refugiados nortistas e
também os refugiados das cidades judaítas próximas das planícies férteis,
também tomadas destruídas pelos assírios, realiza uma reforma de centralização
política e religiosa. Nessa reforma, apresentada como uma aliança de exclusividade
entre Israel e o Senhor. Com ela Ezequias e seu povo comprometem-se a adorar
exclusivamente ao Senhor e unicamente em Jerusalém, proibindo o culto às outras
Divindades, destruindo todas as imagens e os outros locais de culto fora de
Jerusalém.
Mais
ou menos 100 anos após, por volta de 620 a.C., com a progressiva retirada da
decadente Assíria das terras da Palestina, outro rei, Josias retomará esta
aliança e procurará estender o domínio do reino de Judá sobre o antigo reino de
Israel, agora abandonado pela Assíria, passando assim o Senhor a ser o único
Deus adorado por Israel. Porém o faraó do Egito também quer ocupar o lugar
deixado vago pela Assíria, e mata Josias em 609 a.C.
No
entanto, até mesmo o Faraó recua diante do avanço da Babilônia, o novo império
que desde o oriente se impõe sobre a Palestina. Judá envolve-se em rebeliões
contra o domínio babilônico e é castigado com dois ataques. No segundo dos
quais Nabucodonosor, que mandou destruir as muralhas, a cidade e o Templo de
Jerusalém. Nesta altura termina a narrativa apresentada nos livros dos Reis. O
restante da história de Israel encontra-se no transfundo dos livros que a
Bíblia Hebraica classifica como Neviim (profetas) no subconjunto dos Profetas
Posteriores, que nas bíblias cristãs são os livros proféticos, e também nos
livros que formam o terceiro e último dos grandes conjuntos da Bíblia Hebraica,
chamado de Ketuvim (Escritos), que no Cristianismo são chamados de sapienciais.
Em
539, com a libertação do cativeiro babilônico, uma parte dos exilados voltou à
Jerusalém e reconstruiu o Templo. Entre 450 e 400 a.C. o governador Neemias e o
sacerdote Esdras, comissionados pelo império persa, reconstruíram as muralhas e
a cidade de Jerusalém, e a repovoaram. Também provavelmente nessa época, já com
o poder religioso, político e econômico concentrado no templo e no
sumo-sacerdote, numa espécie de teocracia, que foi promulgada e implementada a
Torá, como Palavra e Lei de Deus. Constituindo-se assim em Judá, as raízes de
grande parte das instituições do Judaísmo atual, como a sacralidade do sábado,
a circuncisão dos meninos ao oitavo dia de vida, a distinção entre alimentos
puros e impuros, o jejum, o culto nas sinagogas, os rituais das principais
festas, entre outros. Já sob o domínio grego, em 167 a.C.
Antíoco
IV profanou o Templo, instalando nele uma estátua do deus Zeus, provocando a
revolta dos Macabeus. Os Macabeus venceram os selêucidas e retomaram o controle
de Jerusalém e de partes da Judeia. Em 164 a.C. o Templo foi reconquistado
e purificado.
Esse
domínio territorial foi bastante ampliado entre os anos 140-66 a.C., com seus
sucessores políticos, a dinastia dos Hasmoneus que já contava com apoio dos
romanos. Integraram a Samaria, os reinos de Moab e de Edom e territórios ao sul
da Judeia. Parte deste período encontra-se nos livros 1 e 2 Macabeus, que fazem
parte do cânon grego das escrituras (a Septuaginta, ou LXX), que terá seu uso
desautorizado pelas autoridades judaicas nos finais do século I d.C. No ano 66
a.C. Roma conquista a Palestina.
E
por volta dos anos 40 a.C., Herodes, foi proclamado rei dos judeus. A partir do
ano 6 d.C., a Judeia foi administrada diretamente por um prefeito e depois por
um procurador romano. Em 66, estourou uma revolta popular apoiada pelos zelotes
contra os romanos e os judeus romanizados. No ano 70, o segundo Templo foi
destruído pelas chamas e Jerusalém foi arrasada pelo exército romano, ocasionando
a diáspora do povo judeu.
Este
afastamento da terra de Israel significará uma mudança importante na religião
do povo judeu. Até aquele momento, o Templo de Jerusalém tinha sido um centro
religioso. A partir da dispersão pelo mundo [...] a vida religiosa dos judeus
passará a centrar-se nas sinagogas. Entretanto, vão alimentando a esperança de
voltar à Terra prometida e a cidade de Jerusalém será desejada como sinal do
cumprimento da promessa de Deus. (BORAU, 2008, p. 53).
Em
133, os judeus remanescentes na Judeia se revoltaram, mas acabaram reprimidos,
sendo expulsos de Jerusalém e de partes da Judeia. Anos após, no início do
século III, voltaram a fazer parte da administração local, mas, com a ascensão
do Cristianismo como religião oficial do Império Romano (fim do século IV), os
judeus perderam seus privilégios e foram excluídos de qualquer emprego público.
Esta
situação perdurou até o século XVIII em quase todos os Estados cristãos, assim
como na maior parte dos Estados muçulmanos, condição que impulsionou a diáspora
para o norte da África, Ásia Menor e outras partes do mundo.
No
fim do século XIX, o antissemitismo estava fortemente presente na maior parte
dos países europeus, o que motivou o surgimento do movimento sionista. Desde
então, os Estados Unidos receberam milhões de judeus europeus, tornando-se um
dos centros do Judaísmo. Mas, outra tragédia marcou o povo judeu no século XX:
o holocausto, que fez seis milhões de vítimas entre 1937 a 1944. Com o término
da II Guerra, ocorre a formação do Estado de Israel (ELIADE; COULIANO, 2003).
Apesar
das adversidades, a crença judaica manteve-se sólida ao longo do tempo. Isso se
deve, principalmente, à existência da Tanak que é a palavra formada pelas
iniciais das três principais seções que formam Bíblia hebraica: T da Torá, o N
de Neviim e K de Ketuvim.
Apresentando
de forma mais organizada o que já foi dito acima, a primeira destas seções, e
mais conhecida, é a Torá ou Pentateuco, que reúne os cinco primeiros textos da
Bíblia: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Após a perda
definitiva do Templo, a Tanak, e especialmente a Torá passa a ser o fundamento
único da relação com Deus. O livro transforma-se na fonte de vida para um povo
cada vez mais disperso pelo mundo.
O
segundo conjunto refere-se aos textos dos Neviim (Profetas), que inclui os
Profetas Anteriores ou Antigos (livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2
Reis, cujos personagens principais são Josué, Samuel, Saul, Davi e os profetas
Elias e Eliseu), quanto os chamados Profetas Posteriores, ou mais recentes
(livros de Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Joel, Amós, Jonas, Zacarias,
entre outros).
O
profetismo é uma característica do Judaísmo: diante do sofrimento ou corrupção
do povo, os profetas pregam a mudança de vida e ameaçam proclamando a ira de
Deus perante os infiéis. Os Ketuvim (Escritos) constituem o terceiro grupo de
textos, onde encontram-se os Salmos (150 hinos e orações), Provérbios, Jó,
Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiástico, Ester, Daniel, Esdras,
Neemias, 1 e 2 Crônicas (ELIADE; COULIANO, 2003).
O
corpus mais vasto da literatura judaica é construído pela Mishnah e os dois
Talmudes, que reúnem opiniões acerca da Lei sobre um número variado de temas. A
Cabala é uma corrente mística a qual também estão associados uma série de
textos do misticismo judeu, do qual deriva uma tradição que floresceu graças
aos ensinamentos de duas escolas: a escola prática (Alemanha), que se
concentrou na oração e na meditação; e a escola especulativa (Provença e
Espanha).
De
modo geral, Cabala significa tradição ou recebimento de um dom, e está
associada à Torá oral que Moisés teria recebido no Sinai (BORAU, 2008). Nos
textos judaicos encontram-se vários relatos sobre a experiência fundamental do
êxodo e da aliança. Para Borau (2003), o Deus bíblico cria o mundo a partir da
palavra. Embora esteja distante, com um simples ato Deus encontra-se
intimamente presente no mundo. Não está interessado em criar coisas, mas em
fazer avançar a história, onde Ele próprio se permite participar da aventura da
vida humana. “A criação é ‘promessa’ ou ‘aliança’ confiada, nunca imposição.
Deus é Senhor da História, mas não anula a liberdade e a responsabilidade do
Homem; pelo contrário, suscita-a, possibilita-a, orienta-a e dá-lhe sentido”
(p. 41).
O
acontecimento primordial dos judeus é a libertação de Israel da escravidão do
Egito. Nesse processo Deus forma um povo e revela-se. Pela revelação, Deus pode
intervir a cada instante e pode mudar o rumo das coisas. “Os acontecimentos
históricos transformam-se em portadores das intenções de Deus. Deus quebrou o
silêncio: saiu do seu mistério, dirigiu-se ao seu desígnio inaudito de uma
aliança com a Humanidade tendo como objetivo uma participação de vida” (BORAU,
2008, p. 46).
Essa
experiência de libertação foi interpretada como fruto de uma intervenção de
Deus. Um Deus completamente diferente dos outros deuses conhecidos. Um Deus dos
oprimidos, que vê a miséria, ouve o clamor, conhece o sofrimento e desce para
libertar os oprimidos (Ex 3,7-8). Essa experiência foi radicalmente diferente
de todas as outras acontecidas naquela época. Os deuses tidos como mais
poderosos e vencedores, eram os deuses dos reis cananeus e dos faraós egípcios.
Havia entre eles uma hierarquia semelhante a que havia entre as pessoas. Não se
conhecia nenhum deus libertador dentro das teologias até então existentes.
Os
escravos do Egito é que são portadores desta revelação: existe um Deus
contrário à opressão e à exploração. Um Deus que milita para libertar os
oprimidos. Essa experiência é a pedra fundamental para a constituição de
Israel, que se concretizará após a derrubada das cidades-Estado cananeias e com
a libertação dos camponeses cananeus, no estabelecimento de uma sociedade
tribal.
Nas
tribos, a terra e o poder são partilhados, e nelas as relações são mediadas por
leis coerentes com o espírito do Deus libertador, normas que impedem o acúmulo
de terras e bens, a opressão e a exploração, e que promovem a solidariedade.
A
entrada na Terra Prometida significa a realização da promessa feita a Abraão e
testemunho da fidelidade de Deus à aliança. O povo de Israel passou da condição
de escravo para povo livre. “Na festa anual de ação de graças pela colheita, o
povo hebreu recitará um credo, que é a história da sua salvação, e oferecerá ao
Senhor os primeiros frutos daquilo que recebeu, antes mesmo de estes chegarem à
mesa da família” (BORAU, 2008, p. 46).
Na
história do povo de Israel, só existe um Deus: O Senhor (YHWH). Não pode haver
adoração a outras divindades. O Senhor é o Deus único e criador do mundo.
Transmite a sua palavra através dos seus profetas – Moisés é o principal deles
– sacerdotes e sábios.
A
crença no Senhor é incondicional, como pode ser observado na shemá, passagem
bíblica que os judeus são estimulados a recordarem em forma de oração todos os
dias de manhã e à tarde: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é apenas um.
Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com
todas as tuas forças. As palavras que hoje te digo permanecerão na tua memória”
(BORAU, 2008, p. 50).
Para
um israelita, Deus habita o céu, mas, como testemunho da aliança que
estabeleceu com o seu povo, Deus faz com que a sua glória descanse no templo.
“Um Deus, uma fé, um templo. Sinal da sua presença real no meio do seu povo, o
templo é o centro do Judaísmo” (BORAU, 2008, p. 53).
A
vida de um judeu é demarcada por vários rituais. Para os meninos, o primeiro
deles, é a circuncisão, rito feito no oitavo dia do seu nascimento, quando
também recebe seu nome. O segundo é bar-mitzvah, cerimonial porque passa o rapaz
judeu no sábado seguinte ao seu 13º aniversário. Consiste na leitura de um
fragmento da Torá e na imposição de filactérios perante a comunidade. Desde
então, passa a ser considerado responsável por sua vida religiosa.
Algumas
comunidades judaicas fazem um ritual semelhante com as meninas, no bat-mitzvah,
quando atingem os 12 anos. O terceiro é a oração: os judeus rezam três vezes ao
dia: de manhã, a tarde e ao anoitecer. Acreditam que estes momentos
correspondem aos tempos em que os sacrifícios eram oferecidos no templo de
Jerusalém. O quarto é a dieta kosher (limpo ou puro), relacionado às
prescrições na alimentação. Os judeus não comem a carne de animais considerados
impuros, como o porco. O quinto é o shabat (sábado), dia que não se realiza
nenhum trabalho. Trata-se de um ato simbólico de abstenção: apenas se reza,
estuda, descansa e desfruta da companhia da família. É neste dia que ocorrem
orações coletivas nas sinagogas (BORAU, 2008).
Também
fazem parte do calendário judaico, importantes festas e comemorações. Rosh
Hashanna celebra a criação e o julgamento do mundo por parte de Deus. Os dez
dias posteriores à festa são dedicados ao autoexame e arrependimento. Neste dia
come-se massa embebida em mel e deseja-se um feliz ano às pessoas. Yom Kippur acontece
no dia em que termina a penitência do ano novo. Caracteriza-se por um dia de
oração, jejum e confissão pública dos pecados. O crente faz um dia de jejum,
passa o dia na sinagoga vestido de branco em sinal de purificação e renasce ao
terminar o dia. Sucôt, ou a Festa dos Tabernáculos: celebração que rende graças
a Deus pela colheita e pela sobrevivência na longa travessia pelo deserto até a
Terra Prometida. Os fiéis constroem cabanas ou tendas próximos das sinagogas e
ali fazem as suas orações e até dormem nelas durantes os dias da festa. Simchat
Torá é uma festa de regozijo e ação de graças pelos livros da Lei (Pentateuco).
Ato de grande alegria, onde os rolos de pergaminho da Torá são transportados em
procissão à volta da sinagoga com cânticos e danças. Purim, comemoração dos
acontecimentos do Livro de Ester. Na sinagoga, os adultos leem passagens dos
textos e as crianças tocam matracas ou fazem barulhos como pés. É um tempo de
reuniões, durante o qual as pessoas se vestem alegremente e comem doces especiais.
Pesach ou Páscoa: comemoração da libertação do povo de Israel da escravidão do
Egito. Em casa, faz-se uma refeição especial com pães ázimos e ervas amarga,
vinho e carne de cordeiro. O pai da família explica a trajetória da libertação
do povo de Israel da escravidão do Egito. Shavu’ot (Semanas) ou Pentencostes
(cinquenta dias em grego): celebra se sete semanas a partir do segundo dia da
Páscoa (cinquenta dias), em comemoração da entrega da Lei, feita por Deus a
Moisés no Sinai. Na celebração, a sinagoga é adornada com flores e plantas e
leem-se os dez mandamentos.
Atualmente,
existe uma grande diversidade entre os seguidores do Judaísmo, entretanto podem
ser agrupados em três grandes grupos: os Judeus ortodoxos, extremamente zelosos
no cumprimento da Torá, seguindo fielmente todas as prescrições religiosas como
se fossem ditadas por Deus e, portanto, imutáveis; judeus reformistas, estes
não aceitam o exclusivismo de Israel e relativizam certas prescrições e
costumes alimentares, aceitam intepretações críticas da Torá, e reconhecem às
mulheres o direito ao rabinato; e os judeus liberais: são assim chamados porque
adaptaram os preceitos e as formas de culto do Judaísmo à vida moderna e
interpretam a Torá à luz do saber e das ciências modernas, entre outros
2
CRISTIANISMO
Ao
longo da história do Judaísmo, é possível identificar a crença na vinda de um
Messias, um Salvador, que para muitos seria como um novo rei Davi. Essa
esperança, presente principalmente entre os judeus empobrecidos e explorados
pelo Império Romano, é fundamental para entender a figura de Jesus Cristo.
Nascido
em Belém de Judá, por volta do ano 4 antes da era cristã, Jesus era um judeu
que cresceu em Nazaré16. Sabe-se muito pouco sobre a sua infância e juventude,
praticamente somente o que apresentam os Evangelhos de Lucas e Mateus. Estes
textos narram a concepção e o nascimento de Jesus em conformidade com as
promessas da vinda do Messias encontradas no Antigo Testamento.
O
Jesus dos Evangelhos é filho de Maria, esposa do carpinteiro José. Aparições,
sonhos, diálogos, explicações, são recursos utilizados para apresentar os
personagens de acordo com o sentido neles vistos pelos evangelistas e realçar
seu significado histórico, mostrando como este personagem é compreendido pela
comunidade no momento em que o texto está sendo escrito. Visita dos reis magos,
fuga para o Egito, matança dos inocentes são recursos narrativos que reforçam
essa perspectiva (BORAU, 2008).
Em
sua terra natal, Nazaré, Jesus é um homem comum muito semelhante aos outros.
Tem uma família e vive em uma comunidade que lhe deu educação, inclusive
religiosa. Comunga da mentalidade das pessoas de sua época, que é dominada pelo
Império Romano, e partilha a fé e as esperanças do povo judeu. Comporta-se como
homem livre dos vínculos familiares, dos poderes religiosos e políticos.
Boa
parte de sua vida Jesus deve ter vivido em Nazaré. Porém, conforme o evangelho
de João, já adulto, deve ter se deslocado para a Judeia e aderido ao movimento
profético reformador de João Batista. Permaneceu ali provavelmente alguns anos,
até seus 30 anos, quando João Batista foi preso ou morto por Herodes.
Nos
últimos três anos antes de sua morte, por volta do ano 33, Jesus percorreu
aldeias e povoações, curando doentes e anunciando o Reino de Deus. Muito do que
a sociedade desprezava e marginalizava era colocado no centro por Jesus. Para
explicar o que entendia por Reino de Deus, Jesus lançou mão de parábolas e
pregou diretamente às pessoas. As bem-aventuranças encontradas no Sermão da
Montanha, contidas no Evangelho de Mateus (Mateus 5, 1-11) constituem um
exemplo clássico desse fato.
Em
suas pregações, Jesus enfatiza que o amor ao próximo não deve ser praticado
somente a quem se gosta, mas até mesmo aos inimigos: “Tudo aquilo, portanto,
que quereis que os homens vos façam, fazei- -o vós a eles, pois esta é a Lei e
os Profetas” (Mateus 7, 12). Jesus proclamou o Evangelho, a boa nova, e
procurou a pôr em prática. Vivenciou a caridade ao curar doentes, perdoou os
pecadores, saciou os famintos e afrontou os poderes que exploravam o povo.
Como
um judeu reformador da fé de Israel, buscava resgatar os princípios e as
práticas que deram origem ao povo de Israel. Inspira-se na vertente popular do
Deus libertador do Êxodo, na partilha da terra e do poder, experimentados no
período anterior à monarquia, presentes nas mais genuínas tradições de Israel.
De
mãos dadas com os profetas hebreus, Jesus busca superar o legalismo e o
ritualismo que havia se instalado nas altas hierarquias religiosas de Israel.
Resgata as práticas de solidariedade acolhendo pessoas pobres e doentes que,
por serem consideradas impuras, eram excluídas do convívio social. Ataca as
elites que desta forma se autolegitimavam como justas, puras e cumpridoras da
vontade de Deus. Anuncia o julgamento para as elites e o Reino de Deus para os
pobres.
Seus
seguidores, organizados em pequenas comunidades domésticas nas periferias das
grandes cidades do império romano, traduziram a proposta de Jesus para este
contexto, criando comunidades de partilha do pão, resgatando a dignidade dos
pobres, dos sem-terra, sem-lugar, sem-cidadania, sem-liberdade. Comunidades
reunidas em torno de mesas onde se desfaziam hierarquizações e discriminações
existentes, tanto nas comunidades judaicas mais tradicionais como na sociedade
grecoromana em geral. Ali já “não se distingue mais o judeu do grego, o homem
da mulher, o senhor do escravo” (cf. Gl 3, 27 e 28).
A
mesa do pão partilhado, em nome do Pai e do Filho, torna a todos irmãos no
mesmo espírito de libertação, e a partir dela cresce uma ética que deve invadir
todas as relações que perfazem o cotidiano dos seguidores e das seguidoras de
Jesus. Começam a viver concretamente os sinais do que será o Reino de Deus.
As
atitudes de Jesus não agradaram as autoridades religiosas judaicas, que o
mandam prender e o entregam à justiça romana. Depois de um julgamento sumário,
Jesus é crucificado pelos soldados romanos sob a acusação de se passar por
falso messias. Fora condenado provavelmente por ter se manifestado contra o
poder romano e judaico da época. “Os Romanos consideravam um perigo todos
aqueles em quem o povo via um profeta ou um Messias. Para as autoridades
judaicas, Jesus incomodava porque punha em causa a sua forma de interpretar a
Lei e o culto do Templo.” (BORAU, 2008, p. 82).
Segundo
os testemunhos dos evangelhos, ao final do terceiro dia Jesus ressuscitou e
manifestou-se, primeiro às mulheres que foram ao seu túmulo e depois a vários
dos outros discípulos. A partir de então, os discípulos começaram a pregar que
Jesus era o Senhor, o Messias, o Filho de Deus, que ressuscitara. A crença na
ressurreição passa a ser o cerne da mensagem cristã. “A ressurreição significa,
sobretudo, que o próprio Jesus, que morreu numa cruz, condenado pelo Sinédrio e
executado pelos Romanos, ressuscitou pelo poder de Deus e foi constituído
Senhor que vive para sempre” (BORAU, 2008, p. 83).
Os
evangelhos e o livro dos Atos dos Apóstolos, escritos muitos anos após a
ressurreição afirmam que o Espírito Santo preenche o vazio deixado por Jesus e
guia a comunidade dos crentes após sua ascensão ao Céu, no dia de Pentecostes.
Esses
relatos são apresentados como cumprimento de profecias que alguns profetas de
Israel já haviam anunciado, como, por exemplo, Joel 3, que divulga que no fim
dos tempos Deus derramaria o seu Espírito sobre a Terra.
O
Espírito de Jesus deu forças para que discípulos e discípulas continuassem,
mesmo em ambiente hostil, a trabalhar em prol do bem comum. “É a grande
esperança e consolo para todas aquelas pessoas que tentam instaurar os valores
do Reino no nosso mundo, embora o resultado seja o fracasso aparente aos olhos
de alguns.” (BORAU, 2008, p. 88).
Com
o Pentecostes, vários discípulos se puseram a serviço de anunciar os feitos de
Jesus. As primeiras comunidades cristãs foram sendo criadas por diversos
lugares.
Essa
é a semente do que hoje se entende por igreja. Do grego ekklesia, igreja
designa, no início, os seguidores de Jesus que trabalham a favor do Reino de
Deus. Está associado à comunhão em Cristo e ao companheirismo, cuidado mútuo e
partilha de bens entre os seus adeptos. É a comunidade espiritual, onde também
se proclama o Evangelho e se praticam os rituais.
As
primeiras comunidades foram constituídas quase que exclusivamente por judeus ou
por estrangeiros convertidos e inscritos em sinagogas. Eles seguiam à Lei,
participavam dos serviços religiosos no Templo e na sinagoga, e acreditavam que
Jesus era o messias prometido, o que os diferenciava dos demais judeus. Eles
foram considerados um grupo a parte e chamados de nazarenos para se distinguirem
dos saduceus e fariseus (HELLERN; NOTAKER; GAARDER, 2000).
De
importância decisiva para difusão do Cristianismo foi a conversão do fariseu
Saulo, por volta do ano 32 d.C. Filho de uma rica família judia da diáspora,
recebeu sólida educação embasada na Torá. Era um perseguidor de cristãos, mas
converteu-se após entrar nas casas em que os seguidores e seguidoras de Jesus
se reuniam para partilharem o pão e a vida.
Nesta
viagem Paulo afirma ter tido a visão do Jesus ressuscitado na entrada de
Damasco. Convertido, mudou de nome para Paulo e tornou-se um grande missionário
do Cristianismo, principalmente nas regiões fora dos limites do Judaísmo. A
partir das comunidades de Antioquia da Síria ele viajou intensamente pelo mundo
greco-romano e proclamou o Evangelho para os não-judeus. Aos poucos, emancipou
o Cristianismo do Judaísmo e exerceu grande influência na conformação da fé
cristã, principalmente por conta de suas várias Cartas às comunidades (Igrejas)
que havia fundado.
Aos
poucos, o Cristianismo cresceu e se espalhou por todo o Império. Para reforçar
e defender esta prática surgem os escritos que comporão o Novo Testamento. A
Bíblia cristã é composta por um conjunto de 73 livros, 46 do Antigo Testamento
e 27 do Novo Testamento.
A
primeira parte reúne o Pentateuco, que corresponde à Torá (Lei) judaica, os
livros históricos e os livros proféticos, que correspondem em parte aos Neviim
(Profetas) os livros poéticos ou sapienciais que correspondem em parte aos
Ketuvim (Escritos) da Bíblia Hebraica.
A segunda parte inclui os quatro Evangelhos (Marcos,
Mateus, Lucas e João), o Atos dos Apóstolos, que é um narrativa apologética dos
primeiros tempos do Cristianismo, as Cartas (catorze atribuídas a Paulo, uma a
Tiago, duas a Pedro, três a João e uma Judas e outros discípulos) e o
Apocalipse.
Entretanto,
dentre as comunidades seguidoras de Jesus, expulsas das sinagogas e perseguidas
por grupos judeus e pelos romanos ao final do primeiro e durante o segundo
século, cresceram algumas correntes que acentuam novamente o patriarcalismo, o
espiritualismo e o ritualismo. Nestas, a ética que as distinguia do Império se
desvanece, e em torno do ano 300, estarão prontas para aceitar o imperador em
seu meio. E, com isto, por volta do ano 400, esta corrente cristã bastante
fortalecida entre as elites e entre os pobres que se beneficiavam de sua
prática assistencial, apoiava a oficialização do Cristianismo pelo Império
Romano.
A
partir dessa aceitação, também o Cristianismo torna-se um leque de
possibilidades que apresenta desde uma proposta mais coerente com a vida de
Jesus e das primeiras comunidades, até formas instituídas, organizadas e
integradas aos projetos do Império Romano.
Como
a Bíblia cristã compõe-se dos escritos da Bíblia hebraica mais os escritos das
primeiras comunidades cristãs, ela é perpassada por toda esta variedade de
linhas de interpretação. Certos grupos colocam ênfases mais acentuadas sobre os
profetas, Jesus e a fraternidade da mesa partilhada na igreja primitiva; outras
reforçam o legalismo e o ritualismo que excluem os pobres e as pessoas
socialmente discriminadas e beneficiam e justificam as elites.
Embora
se refiram a um mesmo Deus, os conflitos entre eles revelam compreensões muito
diferentes. Entretanto, essas compreensões e hermenêuticas incorporam-se ao
texto bíblico, às teologias e às espiritualidades, fundamentando e
possibilitando tanto leituras e práticas de respeito mútuo, acolhimento e
solidariedade, como também práticas de violência e supressão de direitos, que
infelizmente ainda hoje não são algo raro.
Após
ser oficializada pelo Império, a Igreja cristã, apesar da existência de muitos
pontos de divergência, e diversos momentos de tensão, permaneceu unida até o
grande cisma de 1054, quando se dividiu em duas: católica romana e ortodoxa.
No
século XVI ocorreu a Reforma protestante, quando diversas comunidades e nações
protestaram contra certos aspectos da doutrina, do centralismo imperial e da
prática da Igreja Católica. Desse movimento resultaram as Igrejas Luteranas,
Reformadas e Anglicana.
Após
isso, surgiram novas igrejas, destacando diferentes aspectos da doutrina
cristã, tais como os calvinistas, os presbiterianos, os batistas, os quakers,
os pietistas, entre outros. Esse fenômeno continua bastante presente na
atualidade, por conta do vigor do movimento pentecostal e neopentecostal.
De
acordo com Hellern, Notaker e Gaarder (2000, p. 180):
Como a Bíblia não
contém nenhum princípio claro de orientação sobre a organização eclesiástica,
cada comunidade da Igreja escolheu uma forma própria de ser organizar. Há
igrejas que dão ênfase particular à instituição em si; outras consideram mais
importante a comunhão dos indivíduos que compartilham experiências religiosas
uniformes e opiniões semelhantes sobre questões morais e religiosas. [...]
Essa
multiplicidade de formas surge, em parte, de visões distintas a respeito de
alguns aspectos da mensagem da Bíblia e, em parte, das condições históricas e
culturais nas quais elas foram constituídas. Do mesmo modo, condições étnicas,
psicológicas, sociológicas e geográficas desempenharam um papel nas cisões da
Igreja.
Embora
de modos diferentes, a maioria das Igrejas toma a Bíblia como fundamento comum
e a vida do cristão praticante é regido por um calendário litúrgico.
Começa
por um período de preparação para o Natal, que se chama Advento, que dura por
quatros semanas. No Natal, os cristãos celebram o nascimento de Jesus e
refletem sobre o mistério da encarnação. Em seguida vem a Quaresma, período de
quarenta dias de preparação para a Páscoa. Tempo de jejum, penitências e
conversão.
A
principal festa é a Páscoa, na qual comemoram a ressurreição de Jesus Cristo.
Quarenta dias após, celebram a festa da Ascensão de Jesus ao Céu. Dez dias
depois, realizam a festa de Pentecostes, para marcar a vinda do Espírito Santo
sobre os apóstolos e o nascimento da Igreja.
Parte
destas celebrações como a páscoa e pentecostes são releituras e
ressignificações cristãs de celebrações judaicas. Durante o ano litúrgico da
Igreja Católica Apostólica Romana e das Igrejas Ortodoxas, existem muitas
outras festividades em honra de Jesus, Maria e aos Santos, mas tal devoção não
é praticada pelas Igrejas decorrentes da Reforma protestante.
A
entrada de um novo membro ao Cristianismo é dada pelo Batismo. É um ato de
iniciação, que para algumas Igrejas é feita logo após o nascimento da criança,
mas, em outras, tornar-se membro depende de uma decisão voluntária, o que
pressupõe uma idade mais avançada.
A
Eucaristia é outra prática cristã de grande significado. Consiste no rito de
rememoração das palavras e ações de Jesus proferidas na sua última ceia. Os
ingredientes básicos são o pão e o vinho.
A
oração é outro dos principais meios que as pessoas cristãs dispõem para entrar
em contato com Deus. O próprio Jesus ensinou seus discípulos a orar. A oração
do Pai-nosso é a mais conhecida das orações cristãs. O Cristianismo não exige
nenhuma atitude física especial para a oração. A pessoa pode se ajoelhar, ficar
de pé, abaixar a cabeça, entrelaçar as mãos ou erguê-las em direção ao céu. As
rezas podem ser feitas individual ou coletivamente, no próprio lar ou nas
Igrejas, inclusive, na atualidade, diante dos recursos tecnológicos, é possível
assistir as celebrações religiosas via TV ou internet, em qualquer lugar e
horário.
Além
das diversas denominações e igrejas cristãs há, mesmo dentro das diversas
igrejas uma grande diversidade de maneiras de ser cristão, que vai desde
movimentos com faces mais conservadoras, como a Tradição, Família e
Propriedade, passando pelos movimentos carismáticos e pentecostais, até grupos
mais transformadores como os das Teologias da Libertação.
3 ISLAMISMO
A
palavra Islã vem do árabe islam, que significa render-se submeter-se, e
significa submissão sem reservas a Deus. Muslin, muçulmano, é aquele que se
submete ao Deus Alá, contração de al ilah, o Deus, o único Deus.
Nesta
submissão o fiel encontra a paz, salam, palavra que possui a mesma raiz que
islam. O Islamismo está presente atualmente em todos os continentes, mas é predominante
no Oriente Médio, Ásia Menor, norte da Índia, sul da Ásia e na Indonésia, bem
como no norte e leste da África (ELIADE; COULIANO, 2003).
A
“Arábia”, antes do Islamismo, englobava a península da Arábia, áreas da
Transjordânia, do sul da Síria e da Mesopotâmia. Organizavam-se em tribos e
famílias. Cada tribo tinha seu sistema legal e se autodeterminava.
Neste
território, o árabe era a língua comum que ligava uma tribo às outras, porém
não formavam uma unidade política. E com frequência eram dilacerados e
dividiam-se pelas disputas entre o Império Bizantino e o Império Persa. O poder
e o território era dividido e controlado por muitas tribos diferentes com
muitas crenças.
Havia
devotos de religiões egípcias, grecoromanas e seguidores do Judaísmo e
Cristianismo, bem como diversos formas de culto a deuses tribais locais. A
principal divindade tribal era adorada sob a forma de uma pedra, uma árvore ou
de um bosque. Em sua honra foram construídos santuários, onde se traziam
oferendas e realizam sacrifícios de animais.
Alá
(deus) era venerado ao lado de uma divindade masculina chamada Hubal,
possivelmente um deus da guerra. Sua imagem tinha forma humana, das grandes
deusas árabes: Manat, al-Uzza e alLat, que eram chamadas “filhas de Alá”.
No
século VI d.C. Meca, era um centro comercial e local de peregrinação e muitos
se dirigiam ao seu antigo santuário, o Haram, para comércio e para práticas
religiosas. No centro do Haram, que significa sagrado ou consagrado, se
encontrava a Kaaba, uma estrutura construída em torno de um famoso meteorito
negro, e chamada de Bayt Alá, casa de Alá.
O
Haram, guardado pelos coraixitas, tribo de Maomé, era um espaço neutro e
seguro, onde todos os peregrinos e mercadores de todas as tribos e povos podiam
realizar suas práticas religiosas31 e negócios, sem temer violências. O Haram
era delimitado por pedras que eram tanto marcos dos limites como também objetos
de veneração. Dentro de seus limites, “nenhuma árvore ou arbusto haveria de ser
cortado, nenhum animal selvagem caçado, nenhum sangue derramado com violência”
(PETERS, 2007, p. 119).
Os
coraixitas eram uma tribo poderosa, os Banu Hashim (filhos de Hashim),
controlavam uma rede comercial que abastecia os mercados do Hedjaz, região que
corresponde ao atual território da Arábia Saudita, também aos mercados do Iêmen
e do leste da África (COOGAN, 2007).
Assim,
Meca era o centro religioso da Arábia Saudita, conectandoo com o sul da Síria,
a Mesopotâmia (Iraque), da Arábia Central e uma importante cidade comercial
(ELIADE; COULIANO, 2003). A diversidade de divindades e crenças, aliadas às
diferenças sociais, à multiplicidade de interesses políticos e comerciais,
tornava o mundo árabe um mosaico, altamente fragmentado, dividido e
hierarquizado. Mas esta diversidade era fonte de lucro para a oligarquia
comercial que controlava a cidade de Meca.
No
meio de um povo empobrecido, endividado e explorado, Maomé começa a pregar a
igualdade, o amor, o repúdio à usura e a certeza de um julgamento final, de uma
vida melhor no além-túmulo para quem assim procedesse.
Maomé,
em árabe, Mohamed (que significa muito louvado), nasceu em uma família de
mercadores, em Meca, por volta do ano 570. O seu pai faleceu um pouco antes de
seu nascimento. A sua mãe, Amina, com escassos recursos, entregou-o a uma ama
de leite beduína, Halima, que o amamentou no deserto. A mãe faleceu quando o
menino tinha cerca de 7 anos. Órfão e pobre, Maomé foi cuidado por seu tio.
Pouco se sabe sobre sua juventude. Cogita-se que tenha sido pastor e, ao
atingir a maioridade, tenha sido guia de caravanas comerciais. Foi assim que,
aos 25 anos conheceu Khadidja, sua empregadora, uma rica viúva de 40 anos, com
quem se casou e teve sete filhos.
A
tradição aponta que Maomé foi um marido fiel e zeloso nos negócios familiares.
Era um homem piedoso, ligado ao cuidado da Kaaba, centro de culto sob
responsabilidade de sua tribo em Meca (BORAU, 2008).
Khadidja
foi também a primeira a seguir Maomé quando ele lhe falava das revelações que
recebera. Ela o encorajou a divulgar as revelações e teve bastante influência
em seu desenvolvimento religioso (HELERN; NOTACKER; GAARDER, 2000).
Por
volta do ano 600, especula-se que, por conta das atividades comerciais, Maomé
tenha estado na Pérsia, Síria e Palestina, onde teria tido contado com o Judaísmo,
Cristianismo e Mazdeísmo. Para Borau (2008), além das tradições dos povos
árabes, Maomé recebeu influência das tradições judaicas escritas na Torá e no
Talmude, até porque, no início da era cristã, muitos judeus haviam se refugiado
na Arábia, fugindo do exército romano. Estes judeus adquiriram terras férteis e
misturaram-se com as tribos da cidade.
Outra
possível influência veio da Bíblia cristã, já que um primo de sua mulher,
Waraka, foi o primeiro a traduzir para o árabe algumas partes do Antigo e do
Novo Testamento. No ano 601, durante suas costumeiras meditações solitárias nas
grutas próximas à Meca, Maomé começou a ter visões e revelações.
Segundo
a tradição, o arcanjo Gabriel apareceu e mostrou-lhe um livro, convidando-o a
ler. Maomé recusou-se várias vezes porque não sabia ler, mas o anjo insistiu e
ele conseguiu ler perfeitamente. De forma semelhante ao que ocorreu com os
profetas de Israel, Deus revelou-lhe a incomparável grandeza divina e mostrou a
pequenez dos homens, principalmente dos habitantes de Meca (ELIADE; COULIANO,
2003).
Maomé
recebeu o Corão em visões noturnas nas quais “a sabedoria eterna selou as suas
leis” (ALCORÃO, 44,3).
Tal
como no Judaísmo e Cristianismo, nas revelações a Maomé, afirma-se a crença
monoteísta, ponto-chave para o surgimento do Islamismo: Por ordem Nossa, porque
enviamos (a revelação), como misericórdia do teu Senhor; eis que Ele é o
Oniouvinte, o Sapientíssimo. Senhor dos céus e da terra e de tudo quanto existe
entre ambos, se estais persuadidos. Não há mais divindade além d’Ele! Dá a vida
e a morte, é o vosso Senhor e o de vossos antepassados. (ALCORÃO, 44, 5-8).
Durante
certo tempo, Maomé só falou sobre o conteúdo de suas revelações e sobre sua
missão profética somente entre as pessoas mais familiares, mas, aos poucos, o
número dos que o procuram para ouvir foi aumentando. Ao fim de três anos, após
ter recebido apoio de Khadidja e de alguns de seus parentes (PETERS, 2007),
Maomé começou a pregar publicamente sua mensagem monoteísta, que encontrou mais
oposição do que aprovação (ELIADE; COULIANO, 2003).
Até
porque, a pregação de Maomé é marcada por uma solidariedade ética que
decisivamente ultrapassava os limites das relações tradicionais definidas por
categorias étnicas, clânicas e religiosas. Atraía, sobretudo, os descontentes
com as injustiças sociais e desgostosos com as práticas das classes dominantes.
Por anos seguintes continuou tendo inúmeras outras revelações, as quais
contribuíram para constituir a teologia do Corão.
Na
medida em que Maomé ia recebendo apoio das pessoas, crescia também a oposição
por parte de outras. Rapidamente obteve a oposição aberta dos ricos, que se
sentiam incomodados com a sua mensagem de justiça social. Era acusado de
mentiroso, de tal modo, que sua vida estava em perigo. Por isso, em 622, em
segredo, Maomé partiu para Yathrib, que posteriormente será chamada pelos
árabes de Madinat al-Nabi (cidade do profeta), Medina. Yathrib era um oásis
distante cerca de 300 km ao norte de Meca, região que abrigava duas tribos
árabes, os Khazraj e os Aws, e também três tribos de judeus que até aquele ano
haviam controlado o local.
A
emigração de Meca para Medina, chamada Hijra (Hégira), em 622, torna-se a data
de referência e passa a ser considerada como o ano de nascimento do Islamismo (ELIADE;
COULIANO, 2003).
Nos
dez anos em que passou exilado em Medina, Maomé continuou a receber revelações.
Junto com suas palavras e ações, essas revelações foram escritas – os chamados
Acordos de Medina - constituindo o código de vida muçulmana. Em algum momento
entre sua saída de Meca e sua estadia em Medina, Maomé recebe uma revelação que
pela primeira vez permitia aos muçulmanos recorrerem à força, ou melhor,
enfrentarem a violência de sua tribo, dos coraixitas, com violência (Alcorão
22,39-41) (PETERS, 2007).
A
partir daí Maomé deixa de somente defender-se para também empreender numerosos
ataques contra seus inimigos de Medina e de Meca, cujas caravanas eram tomadas
de assalto. Nessa época Maomé também altera sua qibla, direção da oração, que
deverá ser feita voltando-se para Meca e não mais para Jerusalém, como faziam
os judeus e como fazia antes o próprio Maomé.
Também
nesse contexto deve ter sido decretada a mudança do dia do jejum: não deveria
mais ser feito no Yom Kippur, mas no mês do Ramadã, mês em que segundo Maomé, o
Corão teria sido revelado (PETERS, 2007).
Esses
ataques desencadearam uma guerra entre as duas cidades. Maomé e seu exército
acabaram por ocupar Meca, que se tornou o centro de orientações para prece e
lugar de peregrinação para todos os muçulmanos, que pelo menos uma vez na vida
devem fazer a Hadji (peregrinação à Meca). Maomé transforma-se, assim, não
penas no chefe religioso da nova fé, mas também no seu chefe político e social
(ELIADE; COULIANO, 2003).
Depois
da transformação do Islamismo em um forte grupo religioso, Maomé morreu em
Medina, no ano 632. Enquanto ainda velavam seu corpo, outros seguidores se
reuniram para escolher um sucessor ou califa. Ao amanhecer, depois de longas
discussões, a assembleia decidiu que o primeiro sucessor seria Abu-Bakr, sogro
do profeta e companheiro na Hégira para Medina. Este, durante os dois anos de
califado, estabeleceu definitivamente o domínio muçulmano na Arábia e
empreendeu expedições contra os beduínos e contra a Síria.
O
segundo califa foi Omar (634-644). Ele conquistou a Síria e boa parte do Egito
e da Mesopotâmia. Depois de sua morte, começaram as grandes divisões
religiosas, que resultaram na formação de 272 grupos diferentes. Doravante,
houve uma série de disputas entre grupos rivais pela sucessão do califado
(ELIADE; COULIANO, 2003).
Maomé
torna-se para os muçulmanos o profeta mais brilhante enviado por Deus, o
mensageiro mais completo, que levou a mensagem até o fim. Assim, a doutrina do
Islã pode ser resumida em duas constatações: “Alá é o único Deus e Maomé o seu
profeta”. No Alcorão ou simplesmente Corão (no árabe Al-Corão significa “o
Corão”), livro sagrado para os muçulmanos, Maomé é considerado o último da
sucessão de profetas bíblicos, que recebeu do anjo Gabriel as palavras de Alá.
A
maior parte dos registros foi compilada pelos seguidores de Maomé. Depois de
sua morte, existia grande número de textos e de testemunhas que lembravam das
suas palavras. O texto completo do Corão foi constituído pelos primeiros
califas e suas variantes foram suprimidas. É composto por 114 capítulos
chamados surahs, que contém um número variável de versos chamados ayats (no
total são 6.236). Cada capítulo tem um título e, com exceção de um, todos
começam com o verso Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso (ELIADE;
COULIANO, 2003).
O
Corão possibilitou aos árabes o acesso à comunidade dos povos do livro, ao lado
dos judeus e cristãos, que possuíam a Torá e os Evangelhos. Os dois grandes
temas do Corão são o monoteísmo e o poder de Alá e a natureza e destino dos
humanos: Deus é o único criador do universo, dos homens e dos espíritos; é
benévolo e justo. Recebe nomes que lhes descrevem os atributos, como Onisciente
e Onipotente.
Os
seres humanos são os escravos privilegiados de Deus e têm a possibilidade de
ignorar os mandamentos de Deus, sendo muitas vezes induzidos à tentação pelo
anjo decaído de Iblis (Satã), expulso do céu por ter-se recusado a adorar Adão.
No dia do juízo todos os mortos ressuscitarão, serão julgados e enviados para o
inferno ou para o paraíso por toda a eternidade. (ELIADE; COULIANO, 2003, p.
194).
Nas
primeiras partes do Corão, está expressa a simpatia pelos judeus e cristãos
como gente do livro. Além do mais, o Corão reconhece muitos dos escritos
judaicos e cristãos como sendo revelações de Deus: o Pentateuco, os Salmos, o
Evangelho de Jesus e o Evangelho Apócrifo de Tomé. O conteúdo do Corão
apresenta preceitos éticos e religiosos e uma série de recomendações sociais e
jurídicas, além de explicar a vida de diversos profetas – incluindo vários
episódios da vida do próprio Maomé -, sendo a principal mensagem a “[...]
existência de um Deus criador único, que fala aos homens através dos profetas,
revelando-Se a Si próprio, dando a conhecer a sua vontade, à que se deve obedecer
e venerar” (BORAU, 2008, p. 114).
O
Corão reinterpreta vários relatos bíblicos e grande número de orientações
morais que, somados às tradições deixadas por Maomé, formam a base da lei
islâmica (shari’ah). Em muitos países muçulmanos, a memorização do Corão
constitui o programa básico dos estudos do ensino primário. Quem consegue
aprender de cor todo o seu conteúdo recebe o título honorário de al-hafiz.
Fazer
parte do Islão significa fazer um pacto com Deus: a pessoa crente adorará Deus
como único Senhor do Universo e dará testemunho do seu amor através da
obediência absoluta e do cumprimento do ritual ordenado. Por outro lado, Deus
confere a sua misericórdia à pessoa crente, oferecendo-lhe amparo nesta vida e
justa recompensa na outra (BORAU, 2008, p. 118).
Para
os mulçumanos, é imprescindível acreditar na Ressurreição e no Juízo Final,
pois as atividades divinas da criação, apoio e direção ficam concluídas com o
ato final do julgamento. “No dia do Juízo Final, a Humanidade será reunida e
todas as pessoas serão julgadas apenas por seus atos. Os ‘eleitos’ irão para o
Jardim, o Paraíso, e os ‘perdedores’ irão para o inferno, embora Deus seja
misericordioso e dê depois o perdão a todos aqueles que o mereçam.” (BORAU,
2008, p. 110).
Segundo
o autor (2008), existem cinco deveres, considerados pilares do Islã, cuja
prática é tida como fundamental: a primeira obrigação é a profissão de fé: “não
há outra divindade além d’Ele e Maomé é o seu enviado”. Esta profissão de fé
deve ser feita de forma pública, pelo menos uma vez na vida, pois assinala a
entra da pessoa na comunidade islâmica;
o
segundo dever refere-se às cinco orações diárias: a primeira é feita antes do
nascer do sol, a seguinte, ao meio-dia, a terceira, entre as três e às cinco
horas da tarde, a quarta antes do pôr do sol, e a última antes de deitar ou da
meia-noite. Durante a oração, os fiéis devem fazer duas prostrações em direção
à Meca, em seguida, sentar-se para fazer outras orações ou recitar passagens do
Corão. Ao início da tarde de todas as sextas feiras, são feitas duas orações
especiais, comunitárias, nas mesquitas, que são precedidas por um sermão feito
no púlpito por um Imã.
A
terceira obrigação é o zakat, que consiste na doação de cerca de 2,5% da renda
anual para a população mais pobre.
A
quarta é o jejum no mês do Ramadã. Durante este período, as pessoas devem
abster-se de comer, beber, fumar e ter relações sexuais desde o amanhecer até o
pôr do sol, bem como evitar qualquer ação ou ato pecaminoso.
A
quinta obrigação é a peregrinação à Kaaba, em Meca. Todo muçulmano adulto,
fisicamente capaz e dotado de bens suficientes, deve fazer a visita pelo menos
uma vez na vida. Para além destas obrigações, o Islã proíbe o consumo de álcool
e de carne de porco.
O
calendário religioso islâmico é lunar, com 354 dias.
O
mês do Ramadã é especialmente importante. Durante o dia, jejua-se e cultivam-
-se as obras religiosas. No fim do Ramadã, ocorre a comemoração da Noite do
Poder, quando o Maomé recebeu a primeira revelação. Dhu al-Hijjah é o mês da
peregrinação a Meca. Em estado de pureza física e ritual, os peregrinos andam
em torno da Caaba, visitam os túmulos de Agar e Ismael e o poço de Zamzam,
ficam de pé por toda uma tarde na planície de Arafat e jogam pedrinhas no pilar
de Acaba, em Mina (ELIADE; COULIANO, 2003).
O
Islã de hoje, de modo semelhante ao que acontece com outras religiões, não é
uma instituição uniforme e monolítica, mas há variações e diferenças regionais,
que expressam diferentes tipos de muçulmanos.
A
grande maioria dos islâmicos é Sunita, grupo que se considera guiado pela
tradição (sunna) do próprio profeta Maomé. O sunismo acredita que seja possível
interpretar e adaptar o Corão à situação concreta de cada época.
Decorrente
dele surgiu o Sufismo, movimento que não é bem aceito pelos primeiros (BORAU,
2008). O Sufismo é um modo de vida que procura a realização da unidade e
presença de Alá através do amor. Os sufis são místicos que, através de um
caminho virtuoso, procuram perder-se em Deus. Surgiram no século VIII, quando pequenos
círculos de muçulmanos piedosos começaram a valorizar a vida interior e a
purificação moral. O termo sufi deriva das vestes de lã, suf¸ que eram
utilizadas pelos ascetas muçulmanos, que também eram chamados de pobres. Um
elemento central da prática Sufi é a relação existente entre mestre e
discípulo. Um grande mestre pode ser considerado um santo e seu túmulo pode se
transformar em um lugar de peregrinação.
No
século XII, o Sufismo deixou de ser constituído por uma elite instruída, e
tornou-se um complexo movimento popular, comumente aceito no Próximo Oriente,
África e Ásia Oriental. Deste momento em diante, surgiram fraternidades que não
só atendiam as necessidades espirituais dos seus seguidores, mas também
ajudavam os pobres, independentemente de suas crenças (BORAU, 2008).
No
contexto do Sufismo, encontra-se a ordem dos darvihs, que significa pobre. Os
dervishes ou dervixes se dedicam, sob a orientação de um mestre espiritual, ao
canto e à dança, até que algum membro entre em transe. Atingindo as camadas
mais humildes, algumas ordens dervixes reproduzem manuais para oração e
conjuntos de regras para realização de ofícios religiosos nos grandes centros
do Islã (BORAU, 2008).
Outro
grupo político-religioso é o dos xiitas. Representam cerca de 10% do mundo
muçulmano. Surgiram logo após a morte de Maomé, em consequência da uma
turbulenta disputa familiar sobre a sucessão política do profeta. Eles
defenderam que o governo da comunidade islâmica seria um direito dos
descendentes do Profeta através da sua filha Fátima e do seu marido Ali. São
numerosos no Irã, mas podem ser encontrados na Índia, Paquistão, Afeganistão,
Iêmen e Iraque. O essencial da doutrina xiita é a rejeição do califado elegível
em benefício do califado hereditário (BORAU, 2008).
Existem
ainda os kharijitas, que interpretam literalmente o Corão e são partidários do
califado eletivo do mais digno. São conhecidos como os puritanos do Islã.
Questionam o fato de o califado estar nas mãos de uma tribo ou família, pois
consideram que o sucessor deva ser escolhido entre os mais dignos, independente
de quem seja (BORAU, 2008).
O
Judaísmo, o Cristianismo e Islamismo constituem rica parte do patrimônio
cultural da humanidade, e são desafiados a continuar avançando no fomento à
convivência fraterna em relação às diversidades.
Trata-se
do cultivo do ethos que está explicitamente presente no cerne destas três
grandes religiões, pois todas defendem por princípio a sensibilidade para com o
Outro e conclamam a não fazer ao semelhante o que não desejam a si mesmos. Há
muitos elementos nessas religiões que podem contribuir para uma cultura de não
violência e de respeito a toda forma de vida, uma cultura de parceria e
reciprocidade entre homem e mulher, uma cultura de solidariedade, justiça
respeito.
Entretanto,
a efetividade dessas contribuições se verificará à medida que cada seguidor ou
grupo religioso combater doutrinas, estruturas e práticas que promovem a
guerra, violência, exclusão e desigualdade. São necessárias mudanças de
concepções e de posturas exclusivistas que legitimam a inferiorização do outro
e da outra, e que não permitem a profunda manifestação da vida e da cultura em
sua tremenda e complexa diversidade.
Se
este desmantelamento não ocorrer, pedidos de perdão serão inócuos, pois
atitudes violentas continuarão aninhadas nos velhos suportes e neles
encontrarão apoio para novos embates e conflitos.
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