RELIGIÕES
ORIENTAIS: A CONSCIÊNCIA DO UM NA CONSCIÊNCIA DO UNIVERSO
No
continente asiático existem inúmeras expressões culturais e religiosas que
foram e ainda são vivenciadas por indianos, chineses, japoneses, coreanos,
nepaleses, mongóis, malásios, indonésios, dentre outros. Por isso, diante de
tamanha diversidade, este capítulo abordará apenas alguns dos elementos
principais – tais como ritos, símbolos, mitos, textos e tradições sagradas – do
Hinduísmo, Budismo, Confucionismo e Taoísmo.
Cada
uma dessas religiões tem uma identidade própria que se abre a muitas
compreensões, constituindo referenciais culturais para diferentes maneiras de
ser, viver e conviver, pois são portadoras de significados particulares para o
nascimento, morte, destruição, conservação e evolução humana.
Tais
religiões, se constituem em tradições religiosas e filosóficas plurais que se
sustentam nos princípios de interdependência, cuidado e solidariedade. O ideal
de sabedoria do hindu, a compaixão do budista, a virtude social do
confucionista, a simplicidade do caminho do taoísta comprovam esta afirmação.
As tradições do Extremo Oriente, em geral, por sua abertura e tolerância ao
diverso, ensinam que, sem renunciar ao específico de cada escola ou proposta
religiosa, pode-se conviver e aprender através da evolução do pensamento
filosófico e religioso na direção de sempre maior abertura e respeito ao
distinto.
Para
compreender tamanha riqueza cultural é necessário reparar e se libertar de
determinada visão – que enxerga tudo a partir de suas próprias medidas – para
reconhecer o direito à diferença e à liberdade religiosa de todos os povos e
culturas.
HINDUÍSMO
Com
uma história de mais de 3.500 anos e com uma população de mais de um bilhão e
cem milhões de pessoas, a Índia é o segundo país mais populoso do mundo (o primeiro
é a China) e o sétimo maior em extensão territorial. É a quarta maior economia
do planeta. Tão grandiosa como os números referentes à Índia é também a
diversidade linguística: há mais de 1.500 dialetos e línguas e, dentre estas,
cerca de duas dezenas reconhecidas como línguas oficiais pelo governo federal.
Tudo
tão complexo e diverso que, a rigor, não existe o Hinduísmo. Este termo foi
criado pelos colonizadores ingleses para descrever a intrincada variedade
religiosa encontrada na Índia. Inicialmente, usava-se o termo hindu como
sinônimo de indiano. Quando os gregos, em 326 a.C., com Alexandre, o Grande,
adentraram ao vale do rio Indo, chamaram os habitantes desta região de indianos
(indos). E esta nomenclatura foi mantida pelos persas, latinos e europeus, que
também chamaram os povos originários das Américas de índios, pois julgavam ter
chegado à Índia.
Hoje,
entretanto, percebe-se que há claras distinções entre indiano e hindu. Desde o
século XIX, hindu é a pessoa adepta da religião de origem indiana, mesmo que,
como já foi dito, o Hinduísmo abarque um grande conjunto de tradições e
correntes religiosas que, apesar de estarem relacionadas umas às outras,
apresentam grandes diferenças entre si. Assim, é mais fácil definir o que é
Hinduísmo e hindu, relacionando-os aos quatro quintos da população da Índia que
não são muçulmanos, cristãos, judeus, nem sikhs, jainistas ou budistas.
Os
hindus preferem chamar sua religião de Sanátana Dharma, que no sânscrito
significa uma espécie de ordem, lei ou dever eterno, que determina o cosmos, a
totalidade da vida e dos seres vivos. Antes de ser uma forma de pensar e de
crer, o dharma (ordem) deve ser vivido com o comportamento certo e os rituais
corretos na relação de cada pessoa com sua família, sua casta, com a sociedade
e com as divindades. Deuses, deusas, homens, mulheres, animais, rios e plantas,
tudo o que existe na natureza e no universo tem o seu dharma, sua ordem e sua
destinação.
A
concepção da religião como Sanátana Dharma, uma verdade, uma ordem eterna, revela
sua força à medida que mantém vivos ritos e concepções provenientes de
civilizações que existiram há mais de três milênios antes de Cristo. Nesse
aspecto pode residir também sua fraqueza, já que tal concepção, nos campos
social e político, pode favorecer ao fatalismo e à legitimação e manutenção de
privilégios e desigualdades. Porém, como o dharma de alguém, ou de algo, pode
incluir ações de manutenção, proteção e sustento, mas também de destruição –
como na trindade sagrada Trimurti, que reúne Brahma, o criador, Vishnu, o
preservador, e Shiva, o destruidor – essa religião consegue integrar os opostos
em vez de simplesmente rejeitá-los.
Essa
flexibilidade e integração faz com que o mundo religioso da Índia,
caracterizado por grande diversidade cultural em sua larga história, tenha
integrado uma multiplicidade de divindades. Existem famílias de deuses, com
deuses filhos, deusas esposas, deuses dentro de deuses, que se desdobram em
outras divindades. Há Shiva, deus da destruição e da renovação. Há Krishna, uma
encarnação ou personificação do deus Vishnu, criador e sustentador do universo,
que está presente em tudo. Há também Devi, a deusa, que é também adorada em
muitas outras formas e nomes, como Lakshmi, deusa da riqueza e esposa de
Vishnu. Parvati, esposa de Shiva, a filha dos Himalaias, deusa da música e da
literatura, e Saravasti, a deusa da aprendizagem. Há, ainda, Varuna, que tudo
vê; Indra, o deus do firmamento; Agni, o deus do fogo; Ganesha, o deus
elefante; Hanumam, o deus macaco, e Soma, o deus que personifica o suco da
planta ritual, o soma. Há ainda muitos deuses e deusas regionais, locais ou de
expressão nacional.
Essa
diversidade de divindades constituiu-se ao longo da história da Índia, sendo
que parte deste processo se expressa na imensa coleção de textos sagrados do
Hinduísmo, que foram elaborados ao longo dos últimos quatro mil anos.
1.1
Textos sagrados do hinduísmo
Para
os hindus, os textos sagrados não estão diretamente ligados a uma pessoa e não
são um conjunto fechado de textos.
Existem
os mais antigos que recebem maior devoção, mas há inúmeras reflexões sobre os
textos mais antigos que seguem sendo feitas até os tempos mais recentes, que
são vistas como parte dos textos sagrados.
Dentre
eles destacam-se:
1)
Os Vedas: o mais antigo e sagrado conjunto de escrituras hindus. Podem conter
tradições nascidas há mais de três mil anos. São as fontes das demais
escrituras e consideradas a máxima autoridade nas questões de fé.
Os
Vedas estão reunidos em quatro grandes compilações canônicas, ortodoxas ou
oficiais:
a)
O Rig-Veda: que pode ter surgido por
volta do ano 1.200 a.C. como tradição manuscrita e oral, e só colocado em livro
impresso no século XIX. É uma coleção de dez pequenos livros que contém 1.028
hinos dedicados a várias divindades. Nele encontra-se a descrição do universo
em três esferas: o céu, a atmosfera e a terra, sendo cada uma habitada por um
certo conjunto de divindades às quais se oferecem sacrifícios. Entre eles estão
Indra, o deus guerreiro da atmosfera, Agni, o deus do fogo e Soma, que tanto é
deus como suco de planta alucinógena (um tipo de videira ou de cogumelo). Agni
e Soma são importantes porque fornecem os elos entre o céu e a terra: o fogo
transportando as oferendas para Deus, e o soma trazendo aos videntes as visões
dos deuses e a sintonia necessária para acolher suas palavras e compor seus
hinos.
b)
O Sama-Veda: que é um livro de
cânticos e canções inspiradas no Rig-Veda, com instruções específicas para a
recitação e com canções e melodias para cantar os diferentes versos.
c)
O Yajur-Veda: é outra grande coleção
de hinos e pequenas fórmulas em prosa definindo a fórmula correta para as
orações e recitações em cada ritual. Estão ligadas ao elaborado ritual dos
sacrifícios.
d)
O Atharva-Veda: uma coleção de hinos
e fórmulas mágicas compiladas por volta dos anos 900 a.C., embora possa ter
material mais antigo que o Rig-Veda.
2)
Os Brahmanas:
manuais
para os Brâmanes, sacerdotes, que estão ligados aos Vedas. Contêm regras e
explicações simbólicas do ritual védico, reforçando os elos mágicos entre
sacrifícios e cosmos.
3)
Os Aranyakas/Upanishads: surgiram entre os séculos VIII e IV a.C. Representam
uma corrente mais contemplativa na tradição, sendo uma espécie de reação ao
domínio dos sacerdotes brâmanes que se fizeram indispensáveis para a realização
dos sacrifícios.
Nos
Upanishads a meditação sobre o sacrifício leva à interiorização do rito, numa
experiência mística e interior que supera o ritualismo, podendo ser mais
eficiente que a execução do sacrifício. Deles procedem ideias centrais do que
se conhece como Hinduísmo, como a doutrina da transmigração da alma devido à
ação e seu resultado (karma); a libertação da alma deste ciclo pelo domínio e
apaziguamento da mente (yoga); e a ideia da libertação como conhecimento
empírico da identidade da alma individual (atman) com o ser absoluto (Brahman).
Desses
textos sagrados, que se subdividem em diversas correntes e não são homogêneos
nem fechados, procede ainda uma imensa gama de literatura reflexiva e
hermenêutica que é colocada ao lado dos textos sagrados, embora os textos mais
antigos gozem de maior consideração.
4)
Ramayana: relato sobre o desterro do príncipe Rama, uma encarnação de Vishnu,
sua esposa Sita e seu irmão Balarama. Transmite a forma correta do agir e do
dever (dharma). O casal encarna as virtudes desejadas no esposo e na esposa,
onde o dever e a obrigação social pesam mais que os desejos pessoais.
5)
O Mahabharata: “o grande Bharata”, é
um trabalho enciclopédico iniciado no século V ou IV a.C. e terminado por volta
de IV d.C., aglutinando histórias de várias épocas e origens. Trata da guerra
mortal entre os Pandavas e seus primos Kauravas. Sua parte mais conhecida é o
Bhagavad-Gita, um diálogo entre Arjuna e Krishna, sobre a necessidade de cada
um cumprir o dever dos membros de sua casta (dharma), para alcançar a
libertação (moksha) do ciclo de nascimentos e mortes (samsara) pelo
despreendimento e pelo amor (bhakti) a Deus (Krishna/Vishnu).
A
literatura épica reforça os ideais de comportamento, interação e dever social
(dharma) de cada membro da sociedade em seu grupo e posição específica e têm
importante papel na concepção de Vishnu e Shiva como deuses pessoais e na
elevação de seu culto ao primeiro plano.
6)
Os Puranas: são um amplo conjunto de material derivado dos Upanishads,
Brahmanas, Ramayana e Mahabharata durante larga faixa de tempo, a partir do
século VI d.C. Tratam, entre outras coisas, da mitologia das divindades, das
encarnações (avatares) de Vishnu, das origens do cosmos, da humanidade, códigos
legais, rituais e peregrinações, conformando principalmente o chamado Hinduísmo
popular, uma vez que não são restritos para ouvintes específicos como os Vedas.
Neles
aparece a doutrina da tríade hinduísta (Brahma,
Vishnu e Shiva).
7)
Agamas e Tantras: extensa literatura em forma de diálogo entre Shiva e sua
consorte Shakti, sobre rituais, a natureza divina, o corpo, a energia feminina
(shakti) de Deus, a cosmologia e a construção de fórmulas rituais, os mantras.
1.2
Politeísmo? Monoteísmo?
Dentro
de tamanha complexidade, até a compreensão da constituição da divindade e de
sua relação com o mundo engloba perspectivas muito diversas. À primeira vista,
a diversidade de santuários e imagens sugere uma religiosidade politeísta, mas
as explicações teológicas referem-se ao Absoluto, Deus, como o Uno Primordial,
que a tudo abrange, apontando para uma concepção monoteísta, que apresenta as
outras divindades como manifestações de Vishnu, de Shiva ou de Shakti, isto é,
como devas, deuses menores.
Mas
há dentro do Hinduísmo também respostas diferentes a respeito da maneira que
este Absoluto e Uno Primordial se relaciona com o mundo. Neste aspecto, integra
concepções que parecem se contradizer, sem a preocupação de harmonizá-las.
Partindo da mesma autoridade dos Vedas, porém interpretados de forma diversa, o
Absoluto pode ser visto tanto como uma inteligência impessoal (Brahman) quanto
como um deus pessoal.
Nesse
sentido, o Hinduísmo comporta três grandes concepções:
a)
Monista: não dualista (a-dvaita),
esta corrente afirma que o Absoluto, o mundo e a alma são a mesma coisa. O Uno,
o Brahman, não é um deus ou uma deusa, mas é a realidade última em todos os
seres e coisas, cada ser isolado participa dele e nele encontra a sua força
vital. Tudo o mais é apenas aparência temporária, mutável e passageira (maia).
A redenção consiste em ultrapassar a ilusão das existências aparentes dos seres
e das coisas para encontrar em todas elas o único do universo, infinito e
absoluto.
b)
Dvaita: concepção dualista, que afirma
que o mundo, a alma e o Absoluto são completamente separados. Afirma que
Brahman é princípio, consciência e ser pessoal ao mesmo tempo, ele é Vishnu, o
uno e único Deus. O mundo não é irreal! As imperfeições, falhas e maldades do
mundo seriam provas de sua existência. Deus não se transformou no mundo, mas o
governa, criando, conservando, destruindo e recriando. Como Deus é diferente do
mundo, também é distinto da alma (atman).
Mas
há, ainda, uma terceira concepção que se encontra em um meio-termo entre as
duas primeiras: o Absoluto e o mundo são um na diversidade. Afirma que o
Brahman é um, não dividido, mas é o Deus uno, infinito e ao mesmo tempo
pessoal, que desde a eternidade faz surgir o mundo e o conserva, que o dirige a
partir de dentro e que novamente o retoma.
A
salvação consiste na adoração, na entrega e na união mística (bhakti) a este
deus pessoal, seja ele Vishnu, Shiva ou uma deusa (Devi). Há um imenso campo
aberto para as mais variadas devoções pessoais, sendo estas importantes fontes
para a dignidade das pessoas.
É
de se supor que esta diversidade, bem como a flexibilidade dela resultante
fizeram da República da Índia um estado secular, que separa Estado e religião e
respeita todas as religiosidades, podendo ser, do ponto de vista democrático e
como Estado de direito, “um perfeito modelo para a Ásia” (KÜNG, 2004, p. 86).
É
possível também que estas diversidades e flexibilidades tenham facilitado, no
contato com o mundo Ocidental, a ocorrência de mudanças inicialmente impostas
pelo império britânico, como a proibição da imolação das viúvas das castas
superiores nas piras crematórias dos seus maridos (1829), dos sacrifícios
humanos no culto a Kali (1831), da escravidão (1843), dos sacrifícios de
crianças, principalmente meninas (1833), e a permissão para um segundo
casamento para as viúvas (1856) fossem não somente mantidas, mas também
ampliadas depois da independência (1947).
Assim,
o primeiro governo da Índia independente estabeleceu a igualdade de todos
perante a lei, abolindo a desvantagem jurídica agregada ao sistema das castas,
e buscou pelo menos nas leis garantir acesso de todos às instituições
nacionais.
Como
exemplo, em 1997, um sem casta, casado com uma mulher cristã, foi eleito
presidente da Índia (KÜNG, 2004, p. 87).
Também
dentro da diversidade dos livros sagrados e de suas interpretações encontram
apoio os movimentos, grupos e instituições que pregam e praticam o livre acesso
de todos, de castas nobres ou sem castas, ao estudo das escrituras sagradas. E
embora o sistema de castas em alguns lugarejos no interior se constitua em um
complexo “sistema econômico que até agora funcionou sofrivelmente: um sistema
de dependência mútua, de ajuda e de solidariedade” (KÜNG, 2004, p. 87), em
muitos casos ainda é legitimação de desigualdades e exclusão.
A
raiz do sistema de castas está ligada aos invasores árias (pele mais clara) que
provavelmente buscaram se diferenciar da população nativa mais escura, e
estabeleceram um sistema de cores para orientar seus casamentos.
A
palavra varna, casta, originalmente refere-se a “cor”. Esta distinção ganha
contornos religiosos, sociais e políticos ao longo da história.
Já
no Rig-Veda (10, 90), um dos textos védicos mais antigos, no hino que narra a
criação dos Vedas, dos animais, das quatro classes de homens, e também dos
astros, dos elementos, do céu e da terra, a partir do corpo de Purusha, já
aparece a ordem das castas: de sua boca vieram os sacerdotes (Brâmanes), de
seus braços os guerreiros (Shatryas), das suas coxas os comerciantes (Vaishyas)
e dos seus pés a massa dos trabalhadores e servos (Shudras). Porém, a separação
absoluta entre as castas, a exclusão do casamento intercastas, a
impossibilidade da mudança de casta e o prestígio das pessoas segundo sua casta
ou dos sem casta (Párias, Dálits), cristalizam-se somente no século III d.C.,
no Código de Manu Manava Dharmashastra ou Manusmriti (KÜNG, 2004, p. 63).
Mas
é novamente de dentro da diversidade dos textos sagrados, das concepções de
divindades e das práticas ritualísticas que brotam também as compreensões que
certamente levarão à superação das castas, assim como no passado contribuíram
para a independência da Índia e a formação da cultura indiana.
Com
base nisto, Swami Vivekananda, delegado da Índia no Parlamento das Grandes
Religiões (Chicago, 1893) pôde dizer: “tenho orgulho de pertencer a uma
religião que ensinou ao mundo a tolerância e a aceitação universal. Nós não só
acreditamos na tolerância universal, mas admitimos que todas as religiões são
verdadeiras” (KÜNG, 2004, p. 93).
2
BUDISMO
O
Budismo nasce geográfica e culturalmente dentro do Hinduísmo. Porém,
diferentemente deste, tem um fundador e a ele deve seu nome. Trata-se do
príncipe Sidarta Gautama (566-486 a.C.), que abandonou a vida no palácio de sua
família e buscou, no ascetismo extremo da vida mendicante e num processo de
mortificação do corpo, compreender as causas do sofrimento, da dor e da morte.
Por sua compreensão desses fenômenos foi reverenciado como Shakyamuni, o sábio
do clã dos Shakias, e tornou-se o Buda (Budha), “o Desperto”, aquele que
alcançou a iluminação (Bodhi).
Durante
os séculos iniciais seus ensinamentos se difundiram pelo subcontinente indiano
e por muitas outras partes da Ásia. E a despeito de quase ter deixado de ser
uma religião viva na Índia, sua terra de origem, o Budismo teve profundo
impacto na vida religiosa e no desenvolvimento cultural fora da Índia; do
Afeganistão, no oeste, até a China, a Coreia e o Japão, no leste, e pelo
sudeste da Ásia, da antiga Birmânia, atual Mianmar, até as ilhas de Java e
Bali, na Indonésia. Estima-se que hoje existam mais de um milhão de budistas na
América do Norte e na Europa.
No
processo de dispersão, o Budismo demonstrou grande flexibilidade e capacidade
de adaptação, sempre atento para responder às necessidades de novas culturas e
tradições. Desse modo, o Budismo gerou uma imensa gama de variações, que às
vezes é difícil reconhecer em determinadas práticas ou crenças as raízes
budistas.
Em
grandes ramos podemos falar de um Budismo Indiano, um Budismo Chinês, Budismo
Japonês e do Budismo Tibetano.
Dentre
estes, o Zen Budismo, bastante conhecido no Ocidente, é a versão budista
japonesa daquela que talvez tenha sido a elaboração mais inovadora do Budismo
na China, a tradição budista chan.
Todas
essas formas, no entanto, giram em torno do Buda, o príncipe da realeza que
buscou em vida libertar-se do eterno ciclo de nascimentos, morte e
renascimento/reencarnação (o samsara), e das doutrinas dele emanadas.
Abandonando os fundamentos do Hinduísmo, rejeitou a autoridade dos Vedas, a
dependência aos brâmanes e os sacrifícios que exigissem derramamento de sangue.
Sua
doutrina fundamental está resumida nas quatro nobres verdades e no caminho
óctuplo, as rodas da Lei.
2.1
As quatro nobres verdades e o caminho óctuplo
Os
textos budistas são de aproximadamente quinhentos anos depois da morte do Buda.
Mas as quatro nobres verdades são transmitidas nas tradições das diversas
escolas com bastante semelhança. Determinam a maior parte da doutrina e da
prática das escolas budistas, ainda que com diferenças entre elas. Teriam sido
dadas já no primeiro sermão de Buda ao seu primeiro grupo de discípulo.
A
primeira nobre verdade é “a verdade do sofrimento”:
Esta,
monges, é a santa verdade no que diz respeito à dor (duhkha): o nascimento é
dor, a velhice é dor, a doença é dor, a morte é dor; união com aquilo que te
desagrada é dor, a separação daquilo que te agrada é dor, não obter aquilo que
se deseja é dor, dor em uma palavra são os cinco elementos da existência
individual. (RAVERI, 2005, p. 89).
A
dor é o grande problema a ser enfrentado e superado: a experiência existencial
da dor do corpo e das paixões frustradas. As coisas da realidade não possuem um
verdadeiro ser, são transitórias e sujeitas à dissolução, sendo assim fonte de dor
e sofrimento. O agarrar-se à vida e, na vida, ao que é bom, prazeroso, o querer
permanecer nesta condição torna-se fonte de angústia. Tudo se revela ilusório
diante da impermanência do ser. Os desejos dos sentidos, a sede de viver e a
ignorância a respeito do que é ilusório e o que é substancial e permanente,
estão na origem dor.
A
segunda nobre verdade é “a verdade da origem do sofrimento”:
Esta,
monge, é a santa verdade no que diz respeito à origem da dor: essa é aquela
sede que prende dentro da roda das reencarnações, que está ligada à alegria e
ao desejo, que encontra gozo ora aqui ora ali; sede de prazer, sede de desejo,
sede de extinção. (RAVERI, 2005, p. 90).
A
terceira nobre verdade é “a verdade da cessação do sofrimento”:
“Esta,
monge, é a santa verdade acerca da supressão da dor: é a supressão dessa sede,
exterminando completamente o desejo, é o bani-la, o reprimi-la, o libertar-se
dela, o afastar-se” (RAVERI, 2005, p. 90).
A
quarta nobre verdade é “verdade do caminho”, que contém o caminho óctuplo da
libertação:
Esta,
monge, é a santa verdade acerca do sentimento que conduz à supressão da dor: é
o augusto óctuplo sentimento, isto é: a reta fé, a reta decisão, a reta
palavra, a reta ação, a reta vida, o reto esforço, a reta lembrança, a reta
concentração. (RAVERI, 2005, p. 91).
Há
aqui elementos de um código moral e também de disposição e de transformação
espiritual, relacionadas com rigoroso controle da mente, mas também com a
prática das virtudes morais (silo), da meditação (sarnãdhi) e da sabedoria
(prajna). Embora sejam formulações difíceis, expressam a esperança de que a
condição de dor do ser humano não é absoluta. Suprimindo-lhe as causas, se
extinguem os efeitos e se consegue a salvação. Alcança-se então a mais alta
experiência espiritual que é o nirvana. Não é somente a libertação definitiva
do samsara, mas também a extinção das sedes do ter, do prazer e do ser.
Esse
estado puro além do bem e do mal e de todos os fatores que vinculam o ser à
corrente das transmigrações, esse absoluto nada, que transcende as mais altas
etapas da experiência mística, é o ideal ao qual se deve aspirar.
2.2
Divindades
Nas
lições do Buda não são mencionados nem ritos nem cerimônias e não se encontram
palavras sobre deus ou deuses. Pouca coisa dizia sobre profecias, e menos ainda
sobre o culto e muito menos sobre a deificação dele mesmo. Declarava; “um ato
de puro amor, ao salvar uma vida, é maior do que passar todo o tempo fazendo
ofertas religiosas aos Deuses” (BACH, 2002, p. 70).
Desde
suas origens, o Budismo negou a existência do Brahman, ou presença de um deus
onipotente semelhante ao que é sustentado pelo Hinduísmo. Ele disse,
simplesmente, que esta realidade é a soma e a substância do Ser de Deus. Ele
afirmou que essa existência está além do entendimento, acima da definição, e
fora da “garra” do próprio Deus. Ele está acima tanto da existência quanto da
não existência.
Não
aceita nem mesmo o princípio absoluto do Atman, a realidade individual. O eu
individual é a simples expressão de um nome. O sujeito é visto como um precário
aglomerado de agregados (matéria e forma, sensação e ideias, predisposição e
forças, consciência) mutáveis e caducos que se originam dos compostos vazios de
essência. Porém, atualmente muitas estátuas do Buda existem nas áreas abrangidas
pelo Budismo. E fiéis se prostram diante delas.
Há
também santuários (stupas) guardando relíquias veneradas como sacrossantas por
pertencerem ou estarem ligadas ao Buda. Este desenvolvimento estranho à
proposta inicial de Buda ocorreu dentro das mais de 20 escolas (Nikayas) que
compõem a grande comunidade (Sangha) do Budismo no mundo, a partir da sua
oficialização pelo imperador indiano Ashoka (268-233 a.C.). Isso se deve há
existência de Budismo erudito e um Budismo popular.
Se
Buda não afirma a existência de divindades, no Budismo popular, é importante o
culto a Buda, o respeito ao Dharma, o destaque à importância dada à Sanga. São
duas expressões do Budismo que convivem em harmonia dentro da tradição budista.
Há,
também, no Budismo tibetano, a expressão Dharmakaya que designa o Absoluto,
simbolizado pelo profundo azul do céu. É a noção mais próxima do que, no
Ocidente monoteísta, compreende-se por Deus. Aquele que ingressa na dimensão do
Nirvana, morrendo à ilusão, mergulha no infinito, indizível e inefável.
2.3
Culto budista
A
prática mais comum e que melhor caracteriza os budistas é a meditação. Mas isto
não pode ser chamado de culto no sentido comum do termo. Alguns se prostram
diante de estátuas do Buda e outros entoam louvores ou partes das escrituras
sagradas budistas, outros meditam silenciosamente. Não há algo que possa ser
definido propriamente como um culto.
A
meditação, como no exercício da concentração para o tiro com arco e flecha,
visa a harmonizar corpo, emoções e espírito na ação e na situação vivida no
momento presente. Busca alcançar plena atenção, a plena consciência do que se
vive, faz, diz, pensa, na relação com os outros e com o universo em todo
momento.
2.4
Textos sagrados budistas
Os
ensinamentos, ditos e a filosofia de Buda começaram a ser registrados em livros
por seus discípulos, cinco ou seis séculos depois da sua morte. Esses livros
sagrados chamam-se Pitakas, “cestas”, que é o nome dado a cada uma das três
grandes divisões do sagrado cânon do Budismo.
Na
língua sagrada do Budismo Theravada, o páli, em que os estudiosos pensam
encontrar os ensinamentos do Buda histórico, os três cestos são chamados de
Tipitaka. E no Budismo Mahayana, cuja língua sagrada oficial é o sânscrito,
recebem o nome de Tripitaka.
As
três partes/cestas são:
a)
o Suttapitaka, que contém os discursos de Buda, sendo a principal fonte da sua
doutrina (Dhamma);
b)
o Vinayapitaka apresenta as regras e preceitos que governam a vida nas
comunidades monásticas budistas; e
c)
o Abhidhammapitaka, que contém tratados eruditos analisando materiais das
narrativas em prosa (sutta) do Suttapitaka e do Vinayapitaka, constituindo-se
num dos primeiros tratados filosóficos indianos conhecidos.
Algumas
das escolas, como o Budismo Chinês, adotam outras formas de dividir e organizar
o cânon budista. Além desses, uma série de textos escritos ainda próximos à
época de Buda e mais tardios, que gozam de diferentes graus de prestígio e
aceitação em diferentes escolas ou regiões.
No
seu todo apresentam a vida como um desafio permanente, em que cada um tem de
percorrer o seu caminho e fazer-se a si próprio. A pessoa se torna humana na
medida em que exercita a sua humanidade, onde o decisivo é a abnegação em
respeito a todos os seres vivos.
Superando
a rejeição, a insensibilidade, a inveja e a ânsia de poder e prestígio, esta
abnegação deve incluir benevolência, compaixão, abertura e equilíbrio, na
configuração da prática de não magoar os outros com aquilo que causa dor a você
mesmo.
E
na fidelidade ao espírito de Buda, que quando perguntado sobre o que consiste a
religião, teria respondido: “Consiste em fazer o menor mal possível, em fazer o
bem em abundância, e praticar o amor, compaixão, honestidade e pureza em todas
as caminhadas da vida” (BACH, 2002, p. 75).
3
AS RELIGIÕES CHINESAS
As
religiões populares e tradicionais, que ainda são muito fortes, e o
Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo marcaram e ainda marcam profundamente a
cultura e a história chinesas. A concepção de que o cosmos é um lugar sagrado
e de que tudo que nele existe está inter-relacionado e é composto da mesma
substância vital, estão presentes nas religiões tradicionais e através delas
inserem-se também no Confucionismo, Taoísmo e Budismo. De acordo com esse
entendimento, [...] tudo o que existe, inclusive o céu, a terra, os seres
humanos e as divindades, é composto da mesma substância vital, ou qi (ch’i). O
qi se manifesta fundamentalmente como duas forças complementares, o yin e o
yang. [...] Todas as coisas têm yin e yang em proporções variáveis. (COOGAN,
2007, p. 200-202).
Assim,
as práticas religiosas têm como principal função e objetivo a busca e
manutenção da harmonia entre os seres humanos e as realidades da natureza e do
cosmos. Integrados nessa perspectiva, embora buscando alcançar esta harmonia
cósmica de diferentes maneiras, o Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo, são
vistos como complementares e integrados numa única prática religiosa.
Essa
tendência sincrética da China dificulta o crescimento das religiões
estrangeiras monoteístas, como o Cristianismo e o Islamismo. As religiões
chinesas são frequentemente voltadas para o mundo e orientadas para a prática,
e isso é evidente na tradição popular, que reflete as principais preocupações
das Três Doutrinas, mas não tem um conjunto sistemático de crenças;
concentra-se em melhorar esta vida garantindo saúde, vida longa, prosperidade,
harmonia doméstica, a continuidade da linhagem familiar pelos filhos e a
proteção contra calamidades.
Um
relacionamento recíproco entre os vivos e os espíritos (ancestrais, divindades
e fantasmas) é fundamental para a prática popular. Supõe-se que, se os homens
desempenharem seu papel, o mundo espiritual responderá com a mesma moeda,
concedendo bênçãos ou – no caso dos fantasmas – não fazendo nenhum mal.
(COOGAN, 2007, p. 203).
Para
os chineses, a morte não retira a pessoa do convívio com seus familiares.
Embora de forma diferente, eles continuam interagindo e participando da vida
familiar. A ideia de família compreende os vivos e os antepassados mortos.
As
leis de reciprocidade que regem a vida dos vivos seguem válidas nas relações
com os antepassados mortos. A veneração e a comunicação com os mortos têm
raízes muito remotas e são fundamentais para os chineses. Por isso, os rituais
de enterro ou cremação são celebrações que envolvem toda a família. São muito
elaborados e podem durar vários dias. Os membros enlutados mais próximos
vestem-se de branco. E a maioria das cerimônias fúnebres é orientada pelo
Taoísmo, com música para afastar os maus espíritos, além de oferendas
sacrificiais, incenso e invocação das divindades.
Uma
imagem do membro da família que foi enterrado é colocada junto aos deuses
domésticos, no altar da casa. Passando a ser venerado com oferendas e incenso,
genuflexões e orações, reconhecendo a dívida das gerações atuais com as
gerações passadas. Isso acontece no dia a dia, e principalmente em ocasiões
especiais, como um nascimento ou um casamento, quando se promovem refeições
para a família reunida, que servem tanto como cultos domésticos para veneração
aos deuses familiares, como para apresentar os novos integrantes da família aos
antepassados, e buscar deles a sua bênção.
A
importância não está tanto no gestual em si, mas nos valores que são aí
transmitidos. Embora muito presente o aspecto das consultas aos deuses e aos
ancestrais – a respeito de dúvidas e problemas na vida pessoal, familiar,
doenças, incertezas e dificuldades na vida profissional, na economia, no amor,
ou para buscar a proteção dos bons espíritos e livrar-se dos maus – estas
práticas harmonizam as pessoas consigo mesmas e com as demais, com a natureza e
com o mundo espiritual.
A
organização social e familiar é marcada pelo ordenamento hierárquico. Cada um
tem seu lugar na família, escola, empresa e no Estado. As relações sociais
definem as pessoas e seus papéis, podendo-se perceber forte influência do
Confucionismo nestes aspectos.
Confúcio
(± 551- 479 a.C.) foi um sábio funcionário público chinês que buscou
reestruturar a ordem social, através de uma ética pessoal, moral e política,
baseada na família, relacionando o bem do estado à virtude pessoal.
Esta
ética consiste em que cada pessoa, nas diferentes funções e escalões, deve
desempenhar suas tarefas como homem nobre no sentido moral, procurando
interiorizar e viver segundo o espírito dos ritos, normas e comportamentos
constituídos pelos antepassados mais gloriosos.
Sua
doutrina não está tanto voltada para deuses e espíritos dos quais quase não
fala, mas para a busca da harmonia proveniente das relações de bondade, de
carinho e ternura humana, com a natureza e com as pessoas.
Para
Confúcio, o ser humano resume-se em amar as pessoas, proferindo a máxima que
diz: “o que não queres para ti mesmo, também não o faças aos outros”. Embora,
para ele, este amor seja principalmente devotado às pessoas do clã familiar e
graduado conforme a proximidade social, seus ensinamentos aplicam-se também aos
dirigentes, para os quais apresenta como regra o agir com reciprocidade e
humanidade, compreendidas como cuidado e respeito mútuo.
Considera
a sociedade um conjunto de relações pessoais que deve ser organizada
harmonicamente a partir da família. Até hoje, as ligações e responsabilidades
familiares de respeito, apoio e ajuda mútua seguem válidas mesmo para chineses
que migraram para outros continentes.
A
coesão familiar, escorada nas relações entre superiores e inferiores; pais e
filhos; marido e mulher; irmãos mais velhos e o mais novos; e entre amigos, é
vista como o fundamento da estabilidade e da harmonia social. Esses
relacionamentos guiam-se pela reciprocidade, entretanto, muitas vezes, são
explorados hierarquicamente.
Estes
ensinamentos encontram-se nos Analectos (Lun Yu: palavras escolhidas) e em
outros livros atribuídos a Confúcio: o Livro das Mutações (I-Ching), o Livro da
História (Xu-Ching), o Livro da Poesia (Xi-Ching), o Livro dos Ritos
(Li-Ching), os Anais da Primavera e do Outono (Xun Qiu), e o Livro da Música,
que foi perdido.
Esses
livros, no entanto, provavelmente recebem uma redação final na Dinastia Han
(206 a.C. a 220 d.C.), quando Confúcio deixa de ser considerado apenas um sábio
dentre outros e sua doutrina passa a ser uma espécie de religião do Estado,
inclusive com templos sendo erigidos para Confúcio (sem que isto acarrete em
sua divinização). É, entretanto, também neste período que começa a surgir o
Taoísmo, como complemento ou oposição ao Confucionismo, mais interessado na
harmonia social e familiar, e não tanto com a cura, a salvação e a harmonia
interior do indivíduo.
3.1 Taoísmo
Para
o Taoísmo o corpo é um microcosmo inserido em um sistema universal de fluxos de
energias positivas e negativas. É necessário que as energias vitais: yin,
princípio feminino, passivo e escuro, e yang, princípio masculino, ativo e
claro, estejam em equilíbrio e em harmonia não somente no corpo, mas também nas
relações com o universo.
Como
o ritmo da vida, do dia e da noite, das batidas do coração, da respiração,
estas energias fluem ao longo de tudo e de todos. É preciso conhecê-las,
compreendê-las e colocar-se em harmonia com elas. O ser humano é visto como um
todo, correlacionando-se moral, saúde e higiene, corpo e espírito, natureza e
universo.
Tudo
e todos são unidos pelo Tao (ou Dao, literalmente: “caminho”, mas também pode
ser entendido como a ordem, a lei ou doutrina primordial).
O
Tao, segundo o Tao Te Ching (Tao Te King ou Dao De Jing: Livro do Caminho e da
Virtude/Força), atribuído a Lao Tzu (Lao Tse: “sábio ancião”), não é uma
divindade, mas o princípio imanente da realidade, é o sopro do universo e a
razão preexistente a tudo, até mesmo ao céu e à terra. Mesmo sem agir faz com
que tudo passe a existir, é mãe de todas as coisas, por isso é também Te
(força) que atua como o poder do Tao, em todo ritmo do eterno ciclo da
natureza, com o morrer e o nascer, destruir, produzir, evoluir e conservar da
natureza.
Contudo,
o Tao e sua força não possuem forma, limite ou nome. São vazios de qualidades
acessíveis aos sentidos, e só uma pessoa esvaziada de desejos, libertada das
paixões, pode então se deixar preencher pelo Tao, acolhendo a energia e a ordem
cósmica como princípios orientadores de sua vida, agindo então em harmonia com
o princípio fundamental de toda a natureza.
Assim,
ao firmar que tudo está em permanente mutação, transformando-se, e aceitando
isso como postulado que explica a natureza última do real, a sabedoria taoísta
valoriza a realidade do mundo em todas as suas expressões.
3.2
Confucionismo e Taoísmo se complementam
As
duas grandes religiões chinesas se complementam, principalmente através
yin-yang e também do princípio das mutações, já presentes no I-Ching (Livro das
Mutações, ou Transformações) atribuído a Confúcio.
Essa
compreensão origina-se, provavelmente, da observação dos ciclos da natureza e
das situações específicas de grande parte da China, localizada no hemisfério
norte do planeta: ali as árvores e toda grande montanha possuem dois lados: um
lado direcionado ao polo norte, sombrio, frio, escuro (yin), e um lado voltado
ao equador, ao sul, ensolarado, quente, claro (yang).
Associada
também ao dia e a noite, sol e lua, céu e terra, e aos ciclos da natureza, a
tensão e a relação entre esses dois elementos foi usada para explicar todo o
universo e os fatos que aqui acontecem. Em todos os seres e elementos há a
presença dos dois princípios em inter-relação. Isto está mais bem expresso no
célebre símbolo circular do yin-yang, aquele símbolo com áreas complementares
claras e escuras e pontos escuros e claros, onde a harmonia consiste justamente
no equilíbrio e na interpenetração de um no outro, trazendo cada um dentro de
si o germe de seu contrário, cada um iniciando a transformar-se um no outro.
Na
complementaridade de yin e yang, na China, o Taoísmo e o Confucionismo se
encontram e se completam: o Confucionismo predomina na vida pública, na
política, na ideologia e na moral do Estado, no funcionalismo instruído e na
alta camada intelectual, enquanto o Taoísmo é cultivado na vida privada,
espiritual e interior dos indivíduos. Essa é uma das consequências do
Confucionismo ter sido religião oficial imperial por certo período, que teve de
ser assumida e implantada pelos funcionários imperiais, enquanto as comunidades
populares, em suas organizações, nas festas comunitárias, nos exercícios
corporais e nos textos para meditação, nas práticas do corpo, assumiam o
Taoísmo.
Ambas
as religiões igualmente influenciam na definição da função da educação na
sociedade. Para o Confucionismo, a educação é importante não apenas para
aqueles que exercem funções na vida pública, mas a todos. O respeito aos pais e
idosos, os deveres de pais para com filhos e de filhos para com pais, de
governantes para com súditos e de súditos para com governantes, é deveras
importante.
Para
praticante do Taoísmo, seja na arte de governar a si, a família ou administrar
as coisas do estado, a educação instrui e amadurece o indivíduo humano. Na
busca do Tao, o ser humano descobre o sentido do existir, e na simplicidade,
realiza a harmonia que constitui e diviniza a vida em dignidade e plenitude.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Conhecer
e compreender a diversidade religiosa da cultura oriental pode contribuir muito
para a compreensão e alargamento da noção de direitos humanos, à medida que
essas culturas produziram outros caminhos para a existência humana.
Como
em todas as religiões, nelas também se encontram a preocupação com a defesa e
promoção da vida. Foram constituídas nos processos de humanização durante
processos de adaptação a meio ambientes diversos e, muitas vezes, tremendamente
adversos.
Independente das contradições que precisam
superar, o ethos dessas religiões continua a fundamentar valores, atitudes e
práticas em defesa e para a promoção da dignidade humana.
É
justamente este aspecto que precisa ser valorizado e atualizado pelos muitos
segmentos tradicionais e modernos dessas religiões, pois são contribuições que
enriquecem o patrimônio cultural da humanidade.
A
diversidade religiosa das religiões orientais representa as possibilidades de
gestação de outras formas de viver e conviver com os diferentes, as diferenças
e com o meio ambiente, incrementado a diversidade que permitiu o
desenvolvimento da vida e sua perpetuação no planeta.
Ensinam
que tudo é parte de um grande todo, onde todas as formas de vida – humanas e
não humanas – e todos os ecossistema estão substancial e profundamente inter-relacionados.
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