7 de abr. de 2020

ENSINO RELIGIOSO: A RELIGIOSIDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL


A Religiosidade e sua Função Social

Desde os primórdios da humanidade, a religiosidade faz parte da essência do homem, na busca constante da existência e vivência de Deus, através dos mitos de criação do mundo (cosmogonias). A alma humana contém a atração pelo numinoso (do latim numen, “deus”), porque ela é provocada pela revelação de um aspecto do poder divino, na linguagem de Otto.
A alma humana possui o instinto religioso; surge assim o que chamamos de religião, tendo se manifestado, ao longo da história, em todas as partes do mundo, em circunstâncias múltiplas. A exemplo dos Dayak, de Bornéu (ilha asiática), citado por Eliade (1992), bem como para outros povos primitivos, o mito cosmogônico influencia os princípios que governam a existência cotidiana. Em virtude desta complexidade, faz-se necessária o uso da palavra religiosidade para definir esta tentativa de religação com o divino, que difere tanto em sinônimos quanto em dogmas, a depender da religião em questão.
As religiões se constituem de sistemas simbólicos com significantes e significados particulares, logo, portanto, do ponto de vista de um indivíduo religioso, caracteriza-se como a afirmação subjetiva da proposta de que existe algo transcendental, extra/empírico, maior, fundamental e mais poderoso do que a esfera que nos é imediatamente acessível através do instrumentário sensorial humano.
Portanto, é um universo multidimensional, que se revela nas interfaces da fé, através dos rituais, pela experiência religiosa, na constituição das instituições e contribuição de um código próprio da ética que versará e refletirá as condutas desses indivíduos.
Com efeito, caracterizando-se por um sistema de compreensão e interpretação do mundo, caberá a esta responder às questões referentes à origem do universo, pela interpretação cosmológica de encontrar o sentido para a vida, alimentar esperanças para o futuro transcendente da vida atual, o ajustamento emocional, a segurança cognitiva ao enfrentar problemas de dor e morte, sinalizar com a possibilidade de resposta e compensação à variada gama de sofrimentos.
Vale ressaltar que estes sofrimentos são oriundos das mais diversas causas, desde doenças, relações pessoais, relações sociais opressivas, intervenções médicas e técnicas, regras de conduta, padrões éticos até cataclismos naturais.
Segundo relatos dos Evangelhos, Jesus passou boa parte de sua vida pública curando enfermos, Sacerdotes, xamãs e homens-medicina procuraram ao longo do tempo aliviar os sofrimentos humanos através de orações, magia, ervas, emplastros e aparelhos ortopédicos. Não podemos precisar a origem da secularização da terapêutica, mas no início da Era Cristã, no âmbito do Império Romano, parece que parte dos médicos já não tinha vínculos com organizações religiosas. Com a queda do Império, houve um novo impulso em favor da religiosidade nesta esfera, os cristãos associaram santos com certas doenças e os mosteiros especializaram alguns monges para desempenhar o papel de terapeutas.
Há ainda, um aspecto muito importante no que diz respeito ao sistema religioso, pois através de sua atividade política, pode-se legitimar e estabilizar um governo ou estimular atitudes revolucionárias, visto que estão inseridas no contexto social, uma vez que membros de uma comunidade religiosa compartilham a mesma cosmovisão, seguem valores comuns e em grupos praticam sua fé. No pensamento marxista a crítica da religião é um elemento de grande importância, pois a religião é ideologia um modelo geral para a explicação do mundo, e sua funcionalidade para a sociedade está em justificar a realidade de opressão. Marx (1989) afirma que o homem cria a religião e não o inverso. Analisando a revolução na França em 1848 e o golpe de Estado do sobrinho de Napoleão, escreveu:
A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada. (MARX,1989)

A religião exerce uma profunda influência sobre a vida e, por conseguinte, opera as mudanças sociais. Weber quis provar que as concepções religiosas são um fator determinante da conduta econômica e, em consequência, uma das causas das transformações econômicas das sociedades (ARON, 1999).
A religião é definida por Durkheim (1989, p. 79) como “um sistema de crenças e práticas em relação ao sagrado, que unem em uma mesma comunidade moral todos os que a ela aderem.” Assim sendo, só pode haver moral se a sociedade possuir um valor superior a de seus membros, um ato só será moral se tiver por objeto algo que não o seu autor. Deus e a sociedade, portanto, têm o mesmo significado, pois a religião é adoração da sociedade transfigurada. A religião tem, assim, a função de agregar os indivíduos à sociedade, servindo enquanto um instrumento de controle social, de manutenção da ordem, funcionando como um código moral, um modelo a ser seguido por seus adeptos, dando ênfase, enquanto valor agregado, à regularidade para a sociedade, possibilitando uma reflexão do homem para além de si mesmo. Existir, para ele é existir socialmente e, portanto, sob uma ordenação determinada, pois os indivíduos buscam afetivamente na religião a sensação de sair de si, pela imersão no coletivo, através do contato com algo que tem maior importância que eles próprios. É a experiência de transcender que normatiza a vida em conjunto, através do nivelamento, ou seja, todos são iguais, comungam de uma mesma comunidade moral e compartilham a ideia de que a vida social é possível. Há ainda um fator preponderante para isto: a presença da moralidade como ponto fundamental em sua teoria como um princípio capaz de conferir estabilidade e continuidade social. Um indivíduo sozinho não necessita de uma moralidade. Para se socializar, no entanto, há uma moral coletiva à qual o indivíduo tende a se submeter, não importando qual seja a sua moral individual.
Sendo assim, a coletividade deve incitar um aprimoramento da moral, pois, socialmente bem difundida, a internalização da moral prescindiria de entidades regulamentadoras, como o Estado ou a Igreja, ainda que política e religião permaneçam, na medida em que funcionam, como geradoras de moral.
Funcionando pelo princípio da razão orientado para o conhecimento, a ciência não tem como cumprir o papel de conferir regularidade, como a religião, através das refeições morais cotidianas por ela ofertadas. Diante da ciência, a religião perde seu papel de atribuição de origem, mas assim permanece, já que se constitui como postulante moral e depositória de afetos, segundo Durkheim (1989), estes são importantes instrumentos de impedimento de graves conflitos sociais.
Compreender a religião sob o prisma da representação de um grupo, de uma classe social ou de uma sociedade inteira, é considerar suas expressões por meio de seus elementos sociológicos, histórica e devidamente contextualizados, assim como incorrer no equívoco de explicá-las por si mesmas sem analisar o contexto onde estas se constituem.
Contudo, para uma melhor definição sociológica do que seria um comportamento religioso, deverá ser considerada sua dimensão simbólica em relação aos indivíduos e sua manifestação nos planos individuais e coletivos.
Contava a lenda que o rei da Frígia morreu sem deixar herdeiro e que, ao ser consultado, o oráculo anunciou que o próximo rei chegaria à cidade num carro de bois. A profecia foi cumprida por um camponês, de nome Górdio, que foi coroado.
Este para não esquecer seu passado humilde colocou a carroça, com a qual ganhou a coroa, no templo de Zeus, amarrando-a com um nó a uma coluna, nó este impossível de desatar. Górdio reinou por muito tempo, e, quando morreu, seu filho Midas assumiu o trono, que por sua vez expandiu o império, porém, morrendo sem deixar herdeiros. Novamente se faz necessária a intervenção do oráculo, profetizando que aquele que desatasse o nó de Górdio dominaria toda a Ásia Menor.
Quinhentos anos se passaram sem que ninguém realizasse tal façanha, até que um jovem de nome Alexandre (conhecido mais tarde como: o Grande), ao passar pela Frígia ouviu a lenda e, intrigado com a questão, foi até o templo de Zeus observar o feito de Górdio. Após muito analisar, desembainhou sua espada e cortou-o, tornando-se senhor de toda a Ásia Menor poucos anos depois (BULFINCH, 2000).
Para novos desafios são necessárias novas soluções; neste caso, o entendimento acerca das religiões.
Analisar a religião, não somente como comunidade religiosa, mística ou de fé, mas como instituição social, permite compreendê-la como um mecanismo social que programa o comportamento humano de forma especializada. A função da instituição é fundamentalmente prática, pois programa o comportamento por meio da persuasão e reforço das crenças, e conduz o indivíduo a reproduzir comportamentos segundo as regras da instituição, identificando-a com a própria verdade.

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