VIOLÊNCIA,
DIREITOS E CIDADANIA: RELAÇÕES PARADOXAIS
“Para
enxergar claro basta mudar a direção do olhar.” Antonie Saint-Éxupery
O que você pode fazer para tornar a vida das
pessoas com quem convive menos violenta?
O que você pode fazer para diminuir a
violência na escola?
Com quem você estabeleceria parcerias na
comunidade para trabalhar com a questão da violência? Por quê?
Políticos
corruptos, falta de emprego formal (mesmo com reaquecimento da economia),
guerra entre facções, precariedade nas relações sociais e desrespeito. Nos
assustamos com o que vemos.
Para
onde dirigimos nosso olhar? Será que estamos nos dando conta de que aquele
morador de rua está com fome e dores no corpo? Será que temos consciência do
uso abusivo da água e inconsequente dos recursos naturais? E que a cada
dia exigimos mais da natureza, tirando a liberdade e direito à vida de diversos
animais?
Os
poetas há muito tempo anunciam uma nova maneira de enxergar o mundo. A
inteligência convencional não tem sobre si o encargo de explicar os
procedimentos humanos, principalmente, os advindos de sentimentos. A
Inteligência Emocional nos traz um novo conceito do que é ser Inteligente,
redescobrindo, desta forma, os valores do coração.
Será
que, com nossas atitudes diárias (mínimas e, muitas vezes, invisíveis) temos
contribuído para um mundo melhor? E aqui, entende-se por “mundo melhor”, um
lugar de respeito e empatia.
Que
ações podemos tomar para influenciar da melhor maneira nossas crianças e
jovens?
A busca de soluções
alternativas à violência para resolver os conflitos assumiu, atualmente, um
caráter de dramática urgência. É, portanto, essencial a busca das causas que
originam a violência, em primeiro lugar as que se ligam a situações estruturais
de injustiça, de miséria, de exploração, nas quais é necessário intervir com o
objetivo de superá-las.
A
convivência pacífica e a sociabilidade violenta parecem disputar os mesmos
espaços no cotidiano. No Brasil, criou-se um discurso conveniente, segundo o
qual o povo brasileiro é pacífico; contudo, basta observar com cautela a
sociedade para perceber como a violência está presente no dia a dia das
pessoas.
Tal
violência, com o passar dos anos, foi se tornando uma cultura
institucionalizada e sistematizada, gerando assim os rostos nos quais se
contempla o descaso com a pessoa humana e o quanto ela é tolhida em seus
direitos e dignidade.
Cultura da violência
A
definição mais genuína da palavra cultura é “cultivo”. Disseminar uma cultura é
cultivar um modo de ser, de estar e de agir.
Quando
se apresenta a violência como cultura, parte-se de uma análise da realidade em
que comportamentos, mídias, expressões verbais, músicas etc. foram se tornando
“normais”, “comuns”. Essa cultura é produzida pelos indivíduos, que, ao mesmo
tempo, se tornam vítimas do próprio sistema de violência.
A
violência cultural institui na sociedade uma situação em que alguns atos
violentos são reconhecidos como legítimos ou naturais. Assim, a violência
cultural não constitui a causa primeira da violência, mas é condição para que a
sociedade tenha uma visão míope dos atos violentos; em outras palavras, uma
consciência anestesiada, pois aquilo que deveria ser considerado violento –
porque é um mal em si – passa a não ser assim considerado.
A
mídia é a grande colaboradora do processo de naturalização da violência, pois a
polariza em alguns contextos específicos – por exemplo, o narcotráfico, os
assassinatos e as guerras –, como se ela só fosse possível nesses “ambientes
organizados”. Esquece-se que a violência nasce no próprio ser humano, quando
este escolhe o caminho do ódio, do não perdão, da inveja, da soberba. Acrescido
a isso, a sociedade aceita passivamente atitudes de natureza violenta.
A
cultura da violência é uma cultura excludente, pois a associa às classes
sociais e raciais, criando, assim, estigmas sociais como “o povo daquele país
não presta”, “aquele rapaz tem cara de bandido”, “aquela mulher merece
apanhar”. Essas expressões, tornadas corriqueiras, são um modo de
descriminalizar a cultura da violência. As estatísticas confirmam isso quando
apontam registros crescentes de xenofobia no Brasil, o grande número de jovens
negros encarcerados, a multidão de mulheres que, no silêncio do lar, sofrem
violências diversas.
Essa
naturalização se converte em indiferença. Os números da violência no Brasil
revelam uma calamidade social. Raramente, porém, o espectador ultrapassa o
nível de leve indignação diante dos dados. Isso que ocorre no plano individual
se manifesta como uma espécie de anestesia nos governos, que não se sentem
compelidos a elaborar políticas públicas capazes de reverter a tragédia em
andamento
A
cultura se atualiza por meio de ações sociais, ou seja, ocorre quando a
sociedade vai cristalizando alguns comportamentos, chegando a
institucionalizá-los. Nesse sentido, não queremos somente identificar a cultura
da violência, mas sobretudo combatê-la. Para isso, é preciso entender como essa
cultura vai se sistematizando na pessoa, na comunidade e na sociedade.
A sistematização da
violência
A
violência apresenta-se nas mais variadas formas: física, psicológica,
institucional, sexual, de gênero, doméstica, simbólica, entre outras. Superar
as várias faces da violência é tarefa de todos. Exige o compromisso de cada
cristão e cristã no enfrentamento das múltiplas formas de ofensa à dignidade
humana que se naturalizam escandalosamente em nossa sociedade.
Ainda
que o Brasil, nos últimos anos, tenha apresentado evidentes avanços e
conquistas sociais, estes ainda não foram suficientes para eliminar a
desigualdade. Uma vez que cresce a desigualdade, cresce também a violência. O
não atendimento aos direitos elementares das pessoas constitui um nascedouro
para a violência em sociedade.
Somam-se,
nesse desafiador quadro social, as causas externas de mortalidade (decorrentes
de acidentes de trânsito, afogamento, envenenamento e outras formas de
violência, como agressões, homicídios, suicídios, tentativas de suicídio,
abusos físicos, sexuais e psicológicos), que contribuem para mais de 138 mil
óbitos anualmente em nosso país, segundo dados de 2010 do Ministério da Saúde.
Os homicídios no Brasil, por exemplo, tiveram um aumento de 259% num período de
trinta anos. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 11% dos
assassinatos do mundo acontecem no Brasil, onde uma pessoa é morta a cada dez
minutos; 50.806 pessoas foram vítimas de homicídios dolosos no país somente em
2013, ano que registrou 50.320 casos de estupro; o número de presos no sistema
penitenciário brasileiro cresceu 5,37% entre 2012 e 2013, sobrecarregando ainda
mais o já desumano sistema penitenciário; e os custos da violência chegaram a
258 bilhões de reais nesse mesmo período, correspondentes a quase 6% do PIB
(soma de todas as riquezas que o país produz em um ano); nos últimos seis anos,
as polícias brasileiras mataram 11.197 pessoas, mas os policiais também foram
vítimas: em 2013, 490 foram mortos, 75% dos quais fora de serviço. Dados do
Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade (IVJ 2014) apontam
que, no Nordeste, um jovem negro corre cinco vezes mais o risco de ser morto do
que um jovem branco. Dos quase 30 mil jovens assassinados em 2012, 76,5%
eram negros ou pardos, ou seja, morreram 225% mais jovens negros do que
brancos. De acordo com o IVJ, no Brasil, esse índice é de 2,5, ou seja,
são assassinados 2,5 vezes mais jovens negros do que brancos. A evolução
histórica da mortalidade violenta no Brasil impressiona: segundo o Mapa da
Violência 2014 – Os Jovens do Brasil, entre os anos 1980 e 2012, morreram no
país 1.202.245 pessoas vítimas de homicídio, 1.041.335 pessoas vítimas de
acidentes de trânsito e 216.211 suicidaram-se. As três causas somadas totalizam
2.459.791 vítimas.
Sabe-se que a violência está
presente em toda a sociedade e se manifesta de formas diferentes, mas é sabido
também que as populações mais vulneráveis é que são mais vitimadas. Enquanto as
classes de maior poder aquisitivo podem se proteger com uma série de artefatos
que alimentam a “indústria da segurança” e dão uma falsa sensação de proteção,
os mais pobres estão expostos à insegurança.
O direito à proteção é para
todos, e se alguns estão tolhidos desse direito, isso se dá pelo fato de não
haver políticas públicas que favoreçam a totalidade dos cidadãos. Os impostos,
que deveriam servir ao bem comum, são escoados por obra da corrupção, num país
em que parece estar institucionalizada a fraude contra o dinheiro público.
A violência não é um fenômeno
apenas cultural, mas, ao se instalar na sociedade, vai se sistematizando. Tal
sistema é bipartido e polarizado: de um lado, estão os que querem a todo custo
tirar vantagem; de outro, as vítimas da desigualdade. Por sua vez, as instituições
precipuamente responsáveis por zelar pelos direitos elementares de segurança,
justiça e paz acabam se transformando em instituições corrompidas, como é o
caso do sistema de justiça criminal brasileiro (formado pelas polícias, pelo
Ministério Público, pela Justiça e pelo sistema prisional), que, muitas vezes,
não consegue responder adequadamente às problemáticas contemporâneas.
A sociedade ainda se pauta na
reação, e não na prevenção; na punição, e não na educação para o senso de
pertença. Com o passar do tempo, os sistemas que deveriam ser um serviço à
seguridade social tornam-se instituições sobre as quais a desconfiança cresce
dia a dia.
A violência que se manifesta
diariamente e em intensidade numérica cada vez maior muitas vezes é ocultada
para dar espaço a fatos midiáticos. Alguns casos ficam tão expostos nos meios
de comunicação, que levam a população a particularizá-los e a focar
especificamente neles, esquecendo-se de outros, muito mais numerosos, que
acontecem todos os dias. E, ainda, a mídia, ao apresentar situações de modo
teatral, desperta na população um senso justiceiro, um desejo de fazer justiça
com as próprias mãos. Volta à cena o desejo do mais alto grau de punição: a
morte, como se fosse a solução para erradicar todos os tipos de violência.
O descarte do ser humano,
seja ele vítima ou autor do malfeito, não é o caminho. Não se pode alimentar um
sistema maniqueísta que separa bons e maus, justos e injustos. É preciso
voltar-se ao senso de alteridade: o outro (alter) é meu irmão; se é meu irmão,
eu não o descarto quando erra, mas o ajudo a se reeducar no caminho do bem.
É preciso passar de um sistema
excludente, elitista e descartável para uma sociedade fraterna, responsável e
inclusiva.
Os rostos da violência
Quando se fala de vítimas da
violência, não se pode ficar o tempo todo generalizando. Por trás de cada
vítima há um rosto, uma pessoa com vontade, liberdade e capacidade para amar,
que teve os seus direitos arrancados pela violência. Somos convidados à
superação na vida e na história de cada homem e mulher subtraídos de seus
direitos.
Não queremos apenas apontar dados
e estatísticas, mas convida cada um a contemplar os rostos e a história de
tantos irmãos e irmãs:
– rosto dos que sofrem violência
racial;
– rosto dos que sofrem violência
de gênero. Muitas mulheres continuam sendo vítimas da cultura patriarcal e
machista, de salários reduzidos, da violência doméstica, de abuso sexual. Cabe
lembrar aqui os irmãos e irmãs da comunidade LGBT, vítimas constantes do
preconceito e da violência física;
– rosto dos que sofrem violência
doméstica, tendo como principais vítimas as mulheres, as crianças e os idosos;
– rosto das vítimas da exploração
sexual e do tráfico humano, sobretudo mulheres e crianças;
– rosto dos trabalhadores rurais
e dos povos tradicionais. Aumenta o conflito no campo; os trabalhadores rurais,
na luta por seus direitos, muitas vezes são assassinados e expulsos da terra.
Os povos tradicionais, que estão na terra desde muito antes da chegada dos
colonizadores, são tratados com estranhamento e com o endurecimento das leis de
criação de reservas;
– rosto das vítimas do
narcotráfico. Cada vez mais cresce o número de pessoas que perdem a vida por
causa do narcotráfico. A vida é tirada não só pelo consumo dos entorpecentes,
mas também pela violência do crime organizado, gerador de um sistema injusto,
que prende crianças e jovens consumidores de drogas, mas raramente (ou nunca)
pune exemplarmente os grandes traficantes;
– rosto das vítimas do trânsito.
As pessoas, tendo o direito de ir e vir, precisam fazê-lo com segurança. Muitas
são as vítimas do trânsito, seja pela irresponsabilidade pessoal dos que
ingerem álcool ou não respeitam a sinalização, seja pela ausência dos poderes
públicos na manutenção das rodovias.
Com esse elenco de rostos da
violência, não se fecha o assunto; ao contrário, com acurada reflexão, é
possível perceber uma infinidade de pessoas e situações marcadas por essa
realidade.
Não basta identificar a violência
como cultura e como sistema e distinguir suas vítimas; é preciso iluminar essa
realidade com o evangelho.
Iluminar a realidade
As Sagradas Escrituras foram
sendo inspirada ao longo dos séculos. É uma história de salvação que passa
pelas marcas da história da humanidade, constituída de momentos de fraternidade,
de paz, de luta pela justiça, mas também marcada pelo pecado da divisão, da
guerra, do abuso do poder.
Muitas vezes os sentimentos
humanos são atribuídos a Deus, apresentando-o como vingativo, violento e cheio
de ira. Muitos textos da Sagrada Escritura carregam essa marca da projeção da
violência humana em Deus, caracterizando-o como um Deus justiceiro.
A Revelação atingiu sua plenitude
no mistério da encarnação de Jesus Cristo, que é por excelência uma pessoa de
paz, de não violência, de prática da fraternidade.
Jesus revela que Deus é Pai
(Abbá) e os homens e as mulheres são irmãos e irmãs. A fraternidade anunciada
por Jesus é composta de um caminho de misericórdia, que pede e oferece perdão;
um caminho em que se assume a postura do samaritano, o qual se inclina sobre a
dor do que sofreu violência, dele cuida e com ele supera o sofrimento.
Do Novo Testamento deriva uma
consequência prática: quem conhece Jesus promove a paz, jamais estimula a
violência. Quem, em Cristo, sabe que foi agraciado com a paz deve se tornar um
reconciliador, um construtor de paz.
Como lembra um antigo escrito
cristão: “Deus enviou-o (seu Filho) para nos salvar, para persuadir, e não para
violentar, pois em Deus não há violência” (Carta a Diogneto, VII, 4).
A superação da violência
Cabe-nos a missão do anúncio do
evangelho da paz e da superação da violência.
Quando estudamos a história da
Igreja, percebemos que nem sempre ela foi fiel à sua missão; muitas vezes
escolheu o caminho do não diálogo, chegando a extremos escandalosos.
A Igreja não esconde os erros da
sua história, mas aprende com eles e busca cada dia refazer a escolha do
seguimento de Jesus. Ela segue o seu Mestre – que não agiu com violência, mas
morreu de morte violenta – e, guiada pela sua presença ressuscitada e pelo seu
Espírito, por meio da comunhão e da missão, busca oferecer a todos os povos um
caminho para vencer a violência.
Poder-se-ia aqui fazer memória de
inúmeros homens e mulheres que, ao longo dos séculos, deram testemunho de
superação da violência.
O Papa João XXIII, na
encíclica Pacem in Terris, afirma que, em
nosso tempo, não é racional que a guerra seja usada como instrumento da justiça
(cf. n. 67). Ele, que viveu de perto os horrores da guerra, cita Pio XII: “Com
a paz, nada se perde. Tudo, com a guerra, pode ser perdido” (n. 62).
O Beato Paulo VI, em sua
memorável Populorum Progressio, reafirma a
completa exclusão da violência do ideal de sociedade coerente com a dignidade
humana. João Paulo II, na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2002, recorda
que “não há paz sem justiça, nem justiça sem perdão”.
Na sua mensagem para o Dia
Mundial da Paz de 2007, Bento XVI recorda que a raiz da ausência de paz está
localizada no contexto da desigualdade social: “Na raiz de não poucas tensões
que ameaçam a paz, estão certamente as inúmeras injustas
desigualdades ainda tragicamente presentes no mundo. De entre elas são,
por um lado, particularmente insidiosas as desigualdades no acesso a bens
essenciais, como a comida, a água, a casa, a saúde; e, por outro lado, as
contínuas desigualdades entre homem e mulher no exercício dos direitos humanos
fundamentais”. Fica evidente aqui a necessidade de superar a violência
superando as desigualdades sociais.
Em tempos recentes, o papa
Francisco recorda que a superação da violência passa pela fraternidade,
fundamento e caminho para a paz. Surge espontaneamente a pergunta: Poderão um
dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao anseio de
fraternidade neles gravado por Deus Pai? Conseguirão, meramente com as suas
forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio e aceitar as legítimas
diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs? Parafraseando as palavras do
Senhor Jesus, poderemos sintetizar assim a resposta que ele nos dá: dado que há
um só Pai, que é Deus, vós sois todos irmãos (cf. Mt 23,8-9). A raiz
da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Trata-se, por conseguinte,
de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus,
quando é acolhido, se transforma no mais admirável agente de transformação da
vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à
partilha ativa.
Agir na realidade
A superação da violência não é
uma teoria, mas deve ser um caminho de ativa transformação. Essa mudança passa
pela pessoa, pela comunidade e pela sociedade. A conversão conjugada dessas
três realidades é uma trilha segura para todo desejo de superação.
Antropologia da mudança
As pessoas não estão inseridas no
mundo para viver isoladamente, mas dependem do “outro” para viver. Essa
condição, que favorece a prática relacional, desafia a todos – como sujeitos da
própria história – a cuidar do outro, ou seja, a fazer parte da história do
outro.
A superação da violência passa
pela conversão pessoal. O mundo muda quando a pessoa muda. Para que isso
aconteça, é preciso adotar uma postura correspondente à de Jesus, promovendo a
cultura da paz, adotando mídias alternativas, que não tratam a violência com
sensacionalismo, participando dos conselhos paritários e de políticas públicas
para a superação da violência, valorizando a instituição familiar, vivendo uma
vida menos consumista, pedindo e oferecendo perdão, adotando a cultura da
empatia. E recordando-se sempre de que o outro não é apenas o outro: ele é
irmão.
Comunidades comprometidas
Com as atitudes de alteridade e
gratuidade, expressões do amor, os discípulos missionários promovem a justiça,
a paz, a reconciliação e a fraternidade. Desse modo, oferecem à sociedade atual
o testemunho do perdão e da reconciliação (Lc 23,34), que devem ser
incessantemente manifestados e transmitidos (Mt 18,21-22) em um contexto de
crescente violência. O caráter radical do amor de Deus atinge sua extrema
manifestação no amor aos inimigos. A reconciliação supera toda divisão que nos
afasta de Deus e nos separa uns dos outros.
Sociedade: a mudança de paradigma
Pensar a superação da violência
no interior do sistema capitalista, que mantém sua centralidade no lucro
econômico, e não no ser humano, exige grande esforço na identificação e compreensão
das iniciativas que sinalizam possibilidades de enfrentamento e superação da
violência. Essas iniciativas, pensadas e desenvolvidas em harmonia com a
manutenção desse sistema, no qual o ser humano é apenas um objeto para o
consumo, tornam-se “paliativos” para a cultura da não violência.
Portanto, enquanto uma mudança de
paradigmas não acontece, é preciso voltar-se para algumas iniciativas que
favorecem a construção de uma cultura da paz, mediante a consolidação de
políticas públicas e a participação de conselhos paritários de direitos, para o
enfrentamento da violência que se desenvolve nos âmbitos de sua abrangência,
como é o caso da violência doméstica na sociedade brasileira.
Urge uma reação cidadã, com
incidências transformadoras em vários níveis. Só assim será fortalecida a
cultura da liberdade e da autonomia, para mitigar a violência e o desrespeito à
dignidade.
Sofre-se pela falta de lideranças
com estatura, em diferentes níveis. Encontra-se, com maior facilidade, quem
levanta a voz para a reclamação e a lamentação, ou mesmo para o vandalismo. Há
carência de pessoas que se dediquem a uma atuação mais criativa, corajosamente
inovadora e cidadã, especialmente no âmbito governamental, primeiro responsável
pelo bem comum. Os descompassos produzidos por tantos desencontros e equívocos
nas escolhas das prioridades sociais – por falta de competência humanística e
de ajustada visão antropológica de muitos profissionais da política –, ao lado
da sede mesquinha de dinheiro, resultam na incapacidade de gerar redes de
solidariedade.
Conclusão
A superação da violência começa
pelo respeito à dignidade da pessoa humana, defendendo e promovendo a dignidade
da vida humana em todas as etapas da existência, desde a fecundação até a morte
natural, tratando o ser humano como fim, e não como meio. A proposta é a
superação da violência.
Para concluir, bastam as palavras
do papa Francisco no encontro com os presidentes Abbas (Palestina) e Peres
(Israel) no ano de 2014: “Ouvimos um chamado e devemos responder: o chamado a
romper a espiral do ódio e da violência, a rompê-la com uma única palavra:
‘irmão’. Mas, para dizer essa palavra, devemos todos levantar os olhos ao céu e
reconhecer-nos filhos de um único Pai”.
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