4 de mai. de 2020

ANTROPOLOGIA GERAL E O MULTICULTURALISMO - Parte 1


A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO

Na Antiguidade

O professor Pommer (2015, p. 55), ao discutir a condição humana considerada na Antiguidade Clássica, chama a atenção para o fato de os autores deste período, e daqueles que escrevem sobre o mesmo, mostrarem uma notável predileção por “reis, filósofos, artistas e guerreiros”, negligenciando claramente os trabalhadores, as mulheres e as crianças.
Este autor prossegue destacando que pouco ou nada se fala sobre os escravos
(ainda que estes compusessem o maior estrato da sociedade da época), e quando se faz isso é somente quando os mesmos se encontram em situação de excepcionalidade.
Quanto à mulher, esta só é digna de nota quando, ou prostituta, ou rainha, ou exemplo de abnegação e submissão ao homem, nada se falando sobre a mulher comum em seu cotidiano.
Também os outros povos eram diminuídos em sua condição, quando avaliados
pelos povos dominantes do período, como os gregos e romanos, que desprezavam as outras culturas.
Mas, se quisermos, como Pommer (2012) destaca, compreender como eram os seres humanos no mundo antigo, devemos lançar nosso olhar sobre todos os aspectos da vida, como o trabalho, o lazer, as atividades políticas, econômicas, religiosas, artísticas e demais.
Este autor (POMMER, 2012) chama a atenção para uma característica marcante dos povos da Antiguidade Clássica, povos estes que são fundamentais para a compreensão do pensamento ocidental (destacando-se os gregos, romanos e israelitas, mas incluindo também os egípcios), que seria o caráter patriarcal e tribal (pelo menos inicialmente) destas sociedades.
Uma das consequências de uma organização do tipo tribal, tal como se dava esta na Antiguidade Clássica do Ocidente, era a existência de uma chefia centralizada, que era, entretanto, devedora à tradição. Isto quer dizer que o rei, ou chefe, tinha poderes de mando, mas devia orientar suas decisões e ordens pela tradição e pelos costumes.
Na Grécia antiga, esta sociedade tribal evolui para um sistema democrático, baseado na cidade-estado, ou pólis, processo similar, apesar das distinções marcantes, ao que se deu em Roma.
Quanto à característica patriarcal destas sociedades, a mesma impõe à mulher uma condição subalterna na vida social, com estes povos valorizando somente a capacidade reprodutiva feminina e relegando sua participação a um papel secundário em relação ao homem, que é valorizado por suas qualidades viris e guerreiras.
Em todos estes povos é notável a instituição da escravidão, a inclinação à beligerância, com a guerra de conquista sendo uma constante, e o conflito aberto entre as elites da sociedade e seus estratos mais desfavorecidos (POMMER, 2012).
Para Pommer (2013), quando lançamos nosso olhar sobre os gregos antigos, chama nossa atenção a maneira peculiar pela qual este povo se expressava. De fato, as estratégias de discurso, o modo de dizer algo, eram uma preocupação central na cultura grega.
Esta, por ser não alfabetizada em seus primórdios, privilegiava a enunciação poética dos fatos, o que favorecia a memorização e transmissão dos mesmos às futuras gerações, técnica da qual se valiam também os romanos e os hebreus, que assim preservavam sua cultura e a mantinham coesa.
Com o desenvolvimento da cultura grega, e sua organização na pólis, a palavra passa a ser também o principal instrumento de ação política e de exercício de poder, sendo a via privilegiada para o exercício da autoridade e de influência sobre a sociedade (VERNANT, apud POMMER, 2012).
Com a alfabetização da cultura grega, aqueles que se dedicam ao conhecimento não mais precisam exercitar a memorização, o que os libera para exercitar a mente com o pensamento especulativo, favorecendo assim o desenvolvimento da Filosofia e da Ciência.
De acordo com Pommer (2012), poderíamos definir o ser humano na Antiguidade
Clássica como comportando duas dimensões notáveis: de um lado enquanto guerreiro e religioso, de outro enquanto pensador e inventor, lançando as bases do conhecimento moderno.

No Período Medieval

Seguindo Pommer (2012) caracterizaremos o medievo aqui como aquele período que vai do fim do Império Romano (século IV-V) ao século XV. A Idade Média, chamada por alguns de “Idade das Trevas”, coincide assim com o início, apogeu e crise do cristianismo.
Sem dúvida alguma, aquilo que é mais marcante no ser humano durante o medievo é a religião cristã, de caráter monoteísta (contrastando com o politeísmo dos antigos gregos e romanos), que moldou totalmente a visão de mundo neste período.
Devemos ter em vista, como Pommer (2012) destaca, que a religião cristã adquire relevância e proeminência social depois de um período inicial de formação (que vai do século I ao século IV), quando é adotada pelo imperador romano Constantino I (em 312 d.C.) e depois tornada religião oficial do Estado romano, com Teodósio I (em 380 d.C.), quando então se dá sua articulação doutrinária, do século V ao VII, até sua consolidação e dominância, do século VII ao XVI, quando se inicia sua crise com a reforma protestante.
É preciso ter em mente que a expansão inicial do cristianismo coincide com o helenismo, a difusão da cultura grega pelo Ocidente, que é marcada por um pensamento que se volta mais para as questões humanas, relativas à condição humana no mundo, antes do que no conhecimento da natureza, o que influencia igualmente a formação do homem medieval.
Assim, nos primeiros três séculos do cristianismo, vemos o desenvolvimento de uma síntese entre os ensinamentos judaico-cristãos e o platonismo, doutrina grega formulada por Platão (POMMER, 2012). É deste período que nos vem o conceito de logos, que concilia a visão grega da razão humana com a visão cristã da encarnação divina em Cristo. Muitos contribuíram com a discussão em torno do logos, especialmente Paulo de Tarso, que a partir deste termo defende a universalidade da religião cristã.
Com a adoção do cristianismo enquanto religião oficial do Estado romano, vemos a consolidação deste e seu uso por parte da elite aristocrática romana, tendo em vista a dominação ideológica das massas, o que leva à perseguição de grupos cristãos que pregavam uma vida comunitária, a exemplo daquela descrita no “Ato dos Apóstolos”.
Desta forma, de acordo com Pommer (2012), o caminho do cristianismo no Ocidente está indelevelmente associado ao poder imperial romano e se apoia em uma apropriação desta religião de preceitos filosóficos gregos, que serviram à consolidação doutrinária do cristianismo estatal.
Num primeiro momento, assistimos a um conflito entre a razão e a fé, quando as mesmas se aproximam no pensamento do homem medievo inicialmente; entretanto, com seu estabelecimento definitivo de religião oficial, o cristianismo procura conciliar razão e fé, lançando as bases de um saber que articula uma determinada concepção da realidade, com uma visão própria do ser humano, onde a culminância se encontra no forjamento do conceito de pessoa (POMMER, 2013, p. 70).
De fato, foi com o cristianismo que vemos o desenvolvimento do conceito de pessoa, tendo por base o direito romano e adquirindo um caráter religioso. Inicialmente o conceito de pessoa no cristianismo é colocado no campo metafísico, com Santo Agostinho definindo esta enquanto substância e Boécio descrevendo a mesma enquanto “substância individual de natureza racional” (POMMER, 2012, p. 71).
Assim, o conceito de pessoa, que marca a partir daí o pensamento ocidental, é relativo à divindade e, a partir de São Tomás de Aquino, é marcado pela dinâmica da relação entre homem e Deus, com este pensador afirmando que “o homem é pessoa exatamente por ser, pela sua inteligência, memória e vontade, imagem de Deus uno e trino” (PEREIRA apud POMMER, 2012, p. 71).
Esta concepção traz em si a ideia de pessoa em duas dimensões: a verdadeira, ou seja, Deus, e sua imagem e semelhança, os seres humanos. Esta perspectiva está fortemente implicada ainda naquela característica mais notável associada ao ser humano na Idade Média, que é concebê-lo enquanto dicotômico, envolvendo duas dimensões: a corpórea e a espiritual (POMMER, 2012).
Desta maneira, segundo Pommer (2013), a noção fundamental de ser humano na Idade Média é marcada por sua condição de imagem e semelhança de Deus, onde seu corpo é visto como um simulacro e sua alma pensada como aquilo que temos de mais puro: Deus em nós. Assim, durante a Idade Média, o mais importante na concepção de ser humano está na relação deste com a divindade, relação esta que é mediada pela religião cristã.

REFERÊNCIAS

ERIKSEN, Thomas Hylland; NIELSEN, Finn Sivert. História da Antropologia.
Petrópolis: Vozes, 2012.
ESPINA BARRIO, Angel-B. Manual de Antropologia Cultural. Recife: Editora
Massangana, 2005.
GOMES, Mércio Pereira. Antropologia: ciência do Homem.,filosofia da cultura. São Paulo: Contexto, 2013.
HOEBEL, E. Adamson; FROST, Everest L. Antropologia Cultural e Social. São Paulo: Cultrix, 2006.
LUZ, Pedro Fernandes Leite da; BOHMANN, Junqueira Katja. Sociologia crítica.
Indaial: Uniasselvi, 2013.
LARAIA, R. B. Cultura, um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zelia Maria Neves. Antropologia: uma introdução. São Paulo: Atlas, 2001.
POMMER, Arildo. Antropologia filosófica e sociológica. Indaial: Uniasselvi, 2012.

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