A CONCEPÇÃO DE SER HUMANO
Na
Antiguidade
O professor Pommer (2015, p. 55), ao discutir a condição
humana considerada na Antiguidade Clássica, chama a atenção para o fato de os
autores deste período, e daqueles que escrevem sobre o mesmo, mostrarem uma
notável predileção por “reis, filósofos, artistas e guerreiros”, negligenciando
claramente os trabalhadores, as mulheres e as crianças.
Este autor prossegue destacando que pouco ou nada se
fala sobre os escravos
(ainda que estes compusessem o maior estrato da
sociedade da época), e quando se faz isso é somente quando os mesmos se
encontram em situação de excepcionalidade.
Quanto à mulher, esta só é digna de nota quando, ou
prostituta, ou rainha, ou exemplo de abnegação e submissão ao homem, nada se
falando sobre a mulher comum em seu cotidiano.
Também os outros povos eram diminuídos em sua condição,
quando avaliados
pelos povos dominantes do período, como os gregos e
romanos, que desprezavam as outras culturas.
Mas, se quisermos, como Pommer (2012) destaca,
compreender como eram os seres humanos no mundo antigo, devemos lançar nosso
olhar sobre todos os aspectos da vida, como o trabalho, o lazer, as atividades
políticas, econômicas, religiosas, artísticas e demais.
Este autor (POMMER, 2012) chama a atenção para uma
característica marcante dos povos da Antiguidade Clássica, povos estes que são
fundamentais para a compreensão do pensamento ocidental (destacando-se os
gregos, romanos e israelitas, mas incluindo também os egípcios), que seria o
caráter patriarcal e tribal (pelo menos inicialmente) destas sociedades.
Uma das consequências de uma organização do tipo tribal,
tal como se dava esta na Antiguidade Clássica do Ocidente, era a existência de
uma chefia centralizada, que era, entretanto, devedora à tradição. Isto quer
dizer que o rei, ou chefe, tinha poderes de mando, mas devia orientar suas
decisões e ordens pela tradição e pelos costumes.
Na Grécia antiga, esta sociedade tribal evolui para um
sistema democrático, baseado na cidade-estado, ou pólis, processo similar, apesar das distinções marcantes, ao
que se deu em Roma.
Quanto à característica patriarcal destas sociedades, a
mesma impõe à mulher uma condição subalterna na vida social, com estes povos
valorizando somente a capacidade reprodutiva feminina e relegando sua
participação a um papel secundário em relação ao homem, que é valorizado por
suas qualidades viris e guerreiras.
Em todos estes povos é notável a instituição da
escravidão, a inclinação à beligerância, com a guerra de conquista sendo uma
constante, e o conflito aberto entre as elites da sociedade e seus estratos
mais desfavorecidos (POMMER, 2012).
Para Pommer (2013), quando lançamos nosso olhar sobre
os gregos antigos, chama nossa atenção a maneira peculiar pela qual este povo
se expressava. De fato, as estratégias de discurso, o modo de dizer algo, eram
uma preocupação central na cultura grega.
Esta, por ser não alfabetizada em seus primórdios,
privilegiava a enunciação poética dos fatos, o que favorecia a memorização e
transmissão dos mesmos às futuras gerações, técnica da qual se valiam também os
romanos e os hebreus, que assim preservavam sua cultura e a mantinham coesa.
Com o desenvolvimento da cultura grega, e sua
organização na pólis, a palavra passa a ser também o principal instrumento
de ação política e de exercício de poder, sendo a via privilegiada para o exercício
da autoridade e de influência sobre a sociedade (VERNANT, apud POMMER, 2012).
Com a alfabetização da cultura grega, aqueles que se
dedicam ao conhecimento não mais precisam exercitar a memorização, o que os
libera para exercitar a mente com o pensamento especulativo, favorecendo assim
o desenvolvimento da Filosofia e da Ciência.
De acordo com Pommer (2012), poderíamos definir o ser
humano na Antiguidade
Clássica como comportando duas dimensões notáveis: de
um lado enquanto guerreiro e religioso, de outro enquanto pensador e inventor,
lançando as bases do conhecimento moderno.
No Período Medieval
Seguindo Pommer (2012) caracterizaremos o medievo aqui
como aquele período que vai do fim do Império Romano (século IV-V) ao século
XV. A Idade Média, chamada por alguns de “Idade das Trevas”, coincide assim com
o início, apogeu e crise do cristianismo.
Sem dúvida alguma, aquilo que é mais marcante no ser
humano durante o medievo é a religião cristã, de caráter monoteísta
(contrastando com o politeísmo dos antigos gregos e romanos), que moldou
totalmente a visão de mundo neste período.
Devemos ter em vista, como Pommer (2012) destaca, que a
religião cristã adquire relevância e proeminência social depois de um período
inicial de formação (que vai do século I ao século IV), quando é adotada pelo
imperador romano Constantino I (em 312 d.C.) e depois tornada religião oficial
do Estado romano, com Teodósio I (em 380 d.C.), quando então se dá sua
articulação doutrinária, do século V ao VII, até sua consolidação e dominância,
do século VII ao XVI, quando se inicia sua crise com a reforma protestante.
É preciso ter em mente que a expansão inicial do
cristianismo coincide com o helenismo, a difusão da cultura grega pelo
Ocidente, que é marcada por um pensamento que se volta mais para as questões
humanas, relativas à condição humana no mundo, antes do que no conhecimento da
natureza, o que influencia igualmente a formação do homem medieval.
Assim, nos primeiros três séculos do cristianismo,
vemos o desenvolvimento de uma síntese entre os ensinamentos judaico-cristãos e
o platonismo, doutrina grega formulada por Platão (POMMER, 2012). É deste período
que nos vem o conceito de logos, que concilia a visão grega da razão humana com a
visão cristã da encarnação divina em Cristo. Muitos contribuíram com a
discussão em torno do logos, especialmente Paulo de Tarso, que a partir deste
termo defende a universalidade da religião cristã.
Com a adoção do cristianismo enquanto religião oficial
do Estado romano, vemos a consolidação deste e seu uso por parte da elite
aristocrática romana, tendo em vista a dominação ideológica das massas, o que
leva à perseguição de grupos cristãos que pregavam uma vida comunitária, a
exemplo daquela descrita no “Ato dos Apóstolos”.
Desta forma, de acordo com Pommer (2012), o caminho do
cristianismo no Ocidente está indelevelmente associado ao poder imperial romano
e se apoia em uma apropriação desta religião de preceitos filosóficos gregos,
que serviram à consolidação doutrinária do cristianismo estatal.
Num primeiro momento, assistimos a um conflito entre a
razão e a fé, quando as mesmas se aproximam no pensamento do homem medievo
inicialmente; entretanto, com seu estabelecimento definitivo de religião
oficial, o cristianismo procura conciliar razão e fé, lançando as bases de um
saber que articula uma determinada concepção da realidade, com uma visão
própria do ser humano, onde a culminância se encontra no forjamento do conceito
de pessoa (POMMER, 2013, p. 70).
De fato, foi com o cristianismo que vemos o
desenvolvimento do conceito de pessoa, tendo por base o direito romano e
adquirindo um caráter religioso. Inicialmente o conceito de pessoa no
cristianismo é colocado no campo metafísico, com Santo Agostinho definindo esta
enquanto substância e Boécio descrevendo a mesma enquanto “substância individual
de natureza racional” (POMMER, 2012, p. 71).
Assim, o conceito de pessoa, que marca a partir daí o
pensamento ocidental, é relativo à divindade e, a partir de São Tomás de
Aquino, é marcado pela dinâmica da relação entre homem e Deus, com este
pensador afirmando que “o homem é pessoa exatamente por ser, pela sua
inteligência, memória e vontade, imagem de Deus uno e trino” (PEREIRA apud
POMMER, 2012, p. 71).
Esta concepção traz em si a ideia de pessoa em duas
dimensões: a verdadeira, ou seja, Deus, e sua imagem e semelhança, os seres
humanos. Esta perspectiva está fortemente implicada ainda naquela
característica mais notável associada ao ser humano na Idade Média, que é
concebê-lo enquanto dicotômico, envolvendo duas dimensões: a corpórea e a
espiritual (POMMER, 2012).
Desta maneira, segundo Pommer (2013), a noção
fundamental de ser humano na Idade Média é marcada por sua condição de imagem e
semelhança de Deus, onde seu corpo é visto como um simulacro e sua alma pensada
como aquilo que temos de mais puro: Deus em nós. Assim, durante a Idade Média,
o mais importante na concepção de ser humano está na relação deste com a
divindade, relação esta que é mediada pela religião cristã.
REFERÊNCIAS
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POMMER,
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