PSICOLOGIA DA RELIGIÃO
Joenildo Fonseca Leite
A intenção primeira desse
material é orientar os iniciantes para suas leituras e aprofundamentos no campo que mais lhe atrair. Longe de
esgotar um assunto tão amplo, e muitas vezes
seguindo por caminhos opostos em nome de uma mesma ciência, o intuito é levar-lhes a percorrer um caminho único na busca
de respostas e conhecimentos a respeito
da pergunta fundamental de todo ser humano.
Portanto, estaremos
fazendo um "vôo panorâmico" sobre a religião/religiosidade, em seu aspecto histórico-psicológico.
Procuraremos sempre, em nossas discussões e
comentários, enfocar a situação atual desses aspectos no Brasil de hoje.
No final dessa apostila estão
relacionados alguns livros muito indicados a iniciantes
interessados, assim como alguns sites dispostos na Internet. Encontram-se
também, em forma de anexo, alguns estudos e pesquisas que enriquecerão seus conhecimentos nessa área.
Introdução
Na atualidade, a integração dos
conhecimentos em Psicologia com os das demais ciências humanas permite a
apreensão do homem como uma totalidade. Ao estudar o homem, os estudiosos de
Psicologia utilizam-se de várias formas e alternativas, dando origem a diferentes escolas e tendências teóricas.
No entanto, partiu-se do princípio de que o Psiquismo humano é uma confluência
de determinantes biológicos, sociais e históricos. Em outras palavras, o homem
é um ser concreto e multideterminado. Essa forma de encarar o homem caracteriza
um modo de olhar a realidade e o psiquismo humano, configurando-se como uma nova postura em Psicologia.
É nosso objetivo não só transmitir
conhecimentos indispensáveis à compreensão da realidade social, mas fazê-lo de
modo a introduzir o aluno, com tranquilidade, no universo das Ciências Sociais, de forma a despertar nele o interesse e
a curiosidade pela análise objetiva da
realidade que o cerca. A inclusão de notícias de jornal, textos literários e comentários sobre fatos sociais
concretiza essa preocupação de não desligar da vida real e dos problemas humanos o estudo da Sociologia.
A principal característica da observação
científica é a objetividade. Assim, por exemplo,
dois mais dois é igual a quatro, seja a soma feita por um católico, um mulçumano,
ou um comunista. Entretanto, a objetividade é mais difícil de se conseguir em Ciências Sociais do que nas Ciências Naturais.
Os homens, no estudo de si mesmos e da sociedade, podem se deixar
influenciar por um conjunto de ideias que aprenderam, pelas crenças que adotam, pelos valores que aceitam. Em Sociologia, a
objetividade é mais difícil de se
alcançar, mas não é impossível.
O primeiro passo
para a compreensão da Sociologia - como de qualquer disciplina científica é o conhecimento de seus conceitos
básicos. Eles definem os fenômenos que devem
ser estudados e diferenciam a Sociologia das outras ciências sociais, pois cada uma delas tem seu próprio corpo de
conceitos.
Como ciência, a sociologia tem um duplo
valor: pode aumentar o conhecimento que o homem tem de si mesmo e da sua
sociedade e pode contribuir para a solução de problemas
que ele enfrenta.
Quanto à perspectiva
de aconselhamento, nosso objetivo é propiciar ajuda para se
identificar problemas pessoais, notando-se as várias facetas de um problema e
alguns de seus aspectos negativos e
positivos.
E significativo, se
não sinistro, notar como cresce o número de problemas à medida que o interesse é desviado de Deus para a
sociedade, a família e, por fim, para o eu...
Na verdade, parece que nós, seres humanos, somos como animais amarrados, pastando ao redor da estaca do eu e encurtando cada vez
mais o âmbito de nossa liberdade à medida
que vamos enrolando a corda ao redor do ego. "A fim de prevenir um egocentrismo introspectivo e preservar toda a amplidão da
mensagem cristã. A pregação acerca de circunstâncias vivenciais deve ser misturada
com explicação bíblica e ensinamento doutrinário... Com
isto, em vez de reduzir o poder do alto à escala
de preocupações insignificantes, ela nos leva ao esconderijo do Altíssimo, onde
habitamos a sombra do Onipotente. Da
posição vantajosa da atitude espiritual olhamos para baixo e vemos muitas das ansiedades que nos têm atacado. Na
companhia de Cristo, somos elevados
acima de nossa pequenez e esvaziados de nosso egoísmo".
Definição.
Psicologia da
religião é o estudo do fenômeno
religioso do ponto de vista psicológico, ou
seja, a aplicação dos princípios e métodos da psicologia ao estudo científico do comportamento religioso do homem, que como
indivíduo, que como membro de uma comunidade religiosa, Nessa
definição, "comportamento religioso" refere-se q qualquer ato ou atitude, individual ou coletiva, pública ou
privada, que tenha específica
referência ao divino ou sobrenatural. Obviamente, esse divino ou sobrenatural é definido em termos da fé pessoal
de cada indivíduo.
Psicologia da
religião, portanto, não é nem a defesa nem a condenação da religião.
Não é tampouco o estudo de um credo ou de determinada seita, se bem que tal estudo seja possível e até recomendável. Psicologia
da religião é o estudo descritivo, tanto quanto possível, objetivo do
fenômeno religioso, onde quer que ele ocorra.
História da Psicologia da Religião.
A semelhança da
psicologia científica moderna, a psicologia da religião tem suas raízes
históricas na filosofia ou na chamada psicologia racional. Homens como Buda, Sócrates, Platão, Jeremias, Agostinho e Pascal são
exemplos típicos de indivíduos que refletiram
sobre a vida interior e descreveram suas próprias observações. O fruto da observação introspectiva desses grandes vultos da
humanidade constitui, por assim dizer,
o primeiro esforço rumo ao estudo psicológico da experiência religiosa.
A história da
psicologia da religião está também relacionada com a chamada teologia filosófica. Os escritores dessa linha se
preocuparam com extensas discussões de teses, como: monismo
versus dualismo: idealismo versus materialismo e emoirismo. É aqui também que encontramos o célebre debate da
relação entre o espírito e a matéria. O dualismo interacionista de Descartes, o paralelismo psicofisico de
Leibnitz e o psicomonismo de Berkley,
que surgiram ao tempo como solução do problema, ainda hoje são discutidos e sua influência se faz
sentir no mundo moderno.
No Entanto, como
observa Seward Híltner, se nos ativermos ao aspecto puramente
filosófico-especulativo da psicologia da religião, correremos o risco de estar fazendo a pergunta errada. Na filosofia mental ou
psicológica racional, diz ele, poderíamos inquirir sobre atrações que
nada têm que ver com o homem de carne e osso. Na
teologia filosófica, poderíamos enveredar para a compreensão empírica do fenômeno religioso.
Por razões didáticas,
podemos dizer, com Walter H. Clark, que a história da psicologia
da religião, em sua concepção moderna, se desenvolveu a partir de estudos
teóricos dos fenômenos relacionados com o comportamento religioso e de
preocupações de ordem prática, tal como se
refletem especialmente nos grandes movimentos de saúde mental no mundo moderno. Seguiremos esse critério
na apresentação deste breve esboço
histórico.
Estudos Teóricos.
No mundo moderno, uma
das primeiras e mais expressivas tentativas de compreensão psicológica do fenômeno religioso é o trabalho intitulado A
Treatise Concerning Relígius Affections
(1746), da autoria do grande pregador Jonathan Edwards.
Jonatham Edwards
(1703-1758) foi o pregador do Grande Avivamento Religioso que,
surgindo em Massachusetts, espalhou-se por vários estados da Nova Inglaterra,
nos Estados Unidos da América do Norte. No
livro acima citado, Edwards fez várias observações
válidas quanto à natureza da experiência religiosa.
Essas observações
revelam o espírito intuitivo desse grande pregador. Por exemplo, ele notou a diferença entre a experiência
religiosa espúria e a experiência religiosa
genuína; entre os elementos essenciais e os elementos secundários ou supérfluos
da experiência religiosa. Revelou também profunda compreensão do assunto ao
afirmar, por exemplo, que raramente o problema apresentado pelo paroquiano a
seu pastor é o real problema que o aflige.
Em geral, diz ele, o problema discutido é apenas um pretexto para iniciar uma relação que tome possível a comunicação do
real problema que o preocupa no
momento.
Estudos Práticos - Os
estudos práticos da psicologia da religião produziram vários efeitos de profundas consequências na vida e
doutrina da igreja cristã.
Entre esses
resultados, podemos mencionar a crescente relação entre a religião e a medicina, expressa particularmente no movimento de
Religião e Saúde Mental, tão em voga
em nossos dias. A crescente ênfase em psicologia pastoral e principalmente o chamado
treinamento clínico do ministério refletem a grande influência dos estudos de psicologia da religião. Outra área da educação
teológica em que esta influência se faz sentir é a da educação religiosa.
O movimento de educação religiosa, que é
um fenômeno tipicamente norte-americano, foi grandemente influenciado pelo
funcionalismo de John Dewey. Esse movimento
de educação religiosa foi, a nosso ver, um bom antídoto contra exagerado otimismo daqueles que queriam "salvar" o
mundo nos limites cronológicos de sua própria
geração. A ênfase da educação religiosa não é "salvar" manos, mas
admitir que a salvação completa é
atingida pelo processo da educação para o Cristianismo. Ao invés da conversão
momentânea requerida no tempo do Grande Avivamento, a ênfase agora é no
processo contínuo da redenção do homem.
Na grande maioria
dos seminários do mundo moderno, o treinamento clínico feito em hospitais de clínicas gerais e em hospitais de
doenças mentais é parte integrante da educação teológica de ministros e futuros
ministros da religião.
Métodos
de Estudo da Psicologia da Religião
Qualquer disciplina
que tenha a pretensão de ser considerada ciência terá, forçosamente,
de adotar uma atitude científica na investigação dos fatos que constituem o seu objeto formal. A essa atitude chama-se método
científico de investigação. A Psicologia
como ciência lança mão do método científico como seu principal instrumento de pesquisa. Basicamente, esse método
consiste na observação sistemática de
fatos, na formulação de hipóteses, que serão testadas, de preferência, por experimentação, e na formulação de princípios
gerais ou leis psicológicas, que serão sempre
leis estatísticas ou leis probabilidade.
Até que ponto,
entretanto, pode-se usar esse método no estudo do comportamento religioso? Temos que reconhecer que, até
hoje, não conseguiu eliminar o subjetivismo
dos métodos de pesquisa em psicologia da religião, como já se logrou, em grande parte, eliminar a introspecção como método de
pesquisa na psicologia científica em
geral. O psicólogo da religião ainda depende muito da introspecção, e suas conclusões até agora são altamente subjetivas, porque
baseadas quase totalmente em relatos
verbais de experiências religiosas que não podem ser diretamente observadas.
Em tese, porém, e
como desafio a quem se interessa pelo estudo científico do comportamento
religioso do indivíduo e das comunidades religiosas, advogamos a possibilidade do estudo objetivo do comportamento
religioso nas suas múltiplas manifestações. Se a objeção e que o
psicólogo da religião não pode ser objetivo em seu estudo do comportamento
religioso, porque ele próprio é religioso, o mesmo argumento poderia usar-se, mutatis muíandis, para
dizer que o psicólogo não pode estudar objetivamente
o comportamento do homem, porque ele mesmo é um ser humano.
Psicologia da
religião é a aplicação dos princípios e métodos da psicologia ao estudo científico do comportamento do homem, quer como
indivíduo, quer como membro de uma
comunidade religiosa. Comportamento religioso é qualquer ato ou atitude que tenha específica referência ao sobrenatural.
Religião, do ponto de
vista do seu estudo psicológico, é um fenômeno tipicamente individual, mas pode e deve ser estudado em sua expressão
social e coletiva. O estudo psicológico
do fenômeno religioso pode ser feito em qualquer religião ou seita, em qualquer parte do mundo. A dinâmica da
experiência religiosa tem aspectos
universais e pode ser estudada do ponto de vista psicológico, independentemente de qualquer ideia sectária.
Apesar do esforço de
alguns de enquadrar a psicologia da religião no campo geral da psicologia científica, ainda existem certas
barreiras que impedem tal relação mais
íntima. Na proporção, porém, em que melhores métodos de pesquisa forem introduzidos no estudo psicológico do fenômeno religioso,
a psicologia da religião desfrutará status
acadêmico mais favorável.
A história da
psicologia da religião pode ser traçada a partir de obras teóricas, bem como de
trabalhos práticos. Entre as obras teóricas de maior influência, podemos mencionar
os trabalhos de Jonathan Edwards, Friedrich Schleiermacher, David Hume, Stanley
Hall, Starbuck, Albert Coe, William James, Rudolf Otto, James Leuba, Freud, Jung, para citar apenas os mais importantes.
Quanto aos trabalhos práticos, basta que mencionemos a grande obra de Anton Bolsen e o que ele fez para
estabelecer uma relação mais íntima
entre o psiquiatra e o ministro da religião, tal como vemos no movimento de Saúde Mental no mundo moderno.
Nenhuma ciência é
melhor do que os métodos de pesquisa por ela adotada. Os métodos usados no
estudo psicológico do fenômeno religioso ainda não atingiram a perfeição
técnica alcançada em outras áreas de investigação psicológica, mas há sinais de
que não estamos longe de atingir esse alvo, especialmente em áreas mais
acessíveis do comportamento religioso.
Tradicionalmente, têm-se
usado documentos pessoais, questionários, entrevistas e o método clínico de observação no estudo psicológico
do fenômeno religioso.
Experimentação
propriamente dita ainda não e prática generalizada, por nos faltarem
os meios adequados de controle. Sempre que possível, porém, ela deve ser estimulada, pois dela depende grandemente a
respeitabilidade acadêmica, bem como a eficiência dos estudos psicológicos do
comportamento religioso.
O Fenômeno Religioso.
A religião tem sido umas das constantes
preocupações da humanidade desde os seus
primórdios. Em quase todas as culturas que hoje conhecemos, o fenômeno religioso está presente, em menor ou maior
escala.
Ao psicólogo da
religião interessa não somente o fato de que em todas essas culturas se encontram formas de comportamento religioso,
mas também o fato singular de que, apesar das grandes
diferenças quanto às crenças e práticas dos vários povos, há muitas similaridades entre elas, o que sugere a
existência de um fator comum à experiência
religiosa de todos os homens. Spinks sugere que essas semelhanças são devidas
a experiências comuns a todos os mortais. Por exemplo, a universalidade das necessidades humanas, tanto às de ordem física
quanto às de ordem espiritual, a tendência
à unidade e completação do homem como ser finito que é e a consciência da existência de um poder transcendental operante no
mundo, se bem que de modo intangível.
É tarefa do
psicólogo da religião, portanto, observar e descrever o fenômeno religioso tal como ele se expressa nas mais variadas
formas do comportamento humano. A
fim de poder saber quando determinado comportamento é tido como religioso, ele precisa definir o termo religião, explicando o seu
significado no contexto de sua disciplina.
Definição de Religião.
Há, literalmente,
centenas de definições de religião. Não temos o propósito, entretanto, de apresentar uma longa lista de definições.
Apresentaremos algumas apenas, a título de
ilustração.
Segundo Leuba, que
coletou quarenta e oito definições de religião, essas definições
podem ser classificadas em dois grandes grupos: definições que encaram a religião como reconhecimento de um mistério, que
exige interpretação, e definições que sugerem
o tipo indicado por Schleirmacher, que define religião como sentimento de absoluta dependência de Deus.
Outra maneira de classificar essas
definições e tomar por base o elemento que salienta.
Verificamos aqui basicamente dois tipos: o que dá ênfase aos aspectos coletivos e o que destaca os aspecto individual
da religião.
A
definição de Sir James Frazer é particularmente sugestiva para o psicólogo da religião. Diz ele que "religião e a
propiciação ou conciliação de poderes superiores ao homem, que, se crê, dirigem
o curso da natureza e da vida humana". Como se verifica, segundo essa definição, religião consiste de dois
elementos, um teórico e um prático, isto
é, "a crença em poderes maiores do que o homem e o desejo de agradar a
esses poderes". Diz o citado autor, no mesmo lugar: "obviamente, a fé
vem primeiro, pois precisamos de:
crer na existência de um ser divino antes de procurarmos agradá-lo. Mas, a não ser que a crença leve o homem à prática
correspondente, ela não será uma religião,
mas simplesmente uma teologia".
Para Emile Durkheim,
religião é um fato essencialmente coletivo. Diz ele: "religião
é um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto
é, a coisas separadas e proibidas - crenças e práticas que unem, numa
comunidade moral chamada igreja, a todos
aqueles que a elas aderem".
Origem da Religião.
Os estudos de antropologia cultural
parecem indicar que expressões religiosas existem
praticamente em todos os níveis de civilização. A religião, portanto, nasceu com
o próprio homem pré-histórico. Herbert Kuhn diz que, a princípio, a religião se
expressava em mágica, bruxarias, danças, encantamentos, cânticos sagrados, etc.
Mas tarde, o homem começou a desenvolver
formas coerentes de pensamentos, conceitos subjetivos e concepções mágicas do
universo. Finalmente, em fase altamente evoluída, ele passou a elaborar explicações mais racionais do
universo, dando, assim origem a filosofia
e as formas das chamadas religiões superiores.
Seria difícil,
cremos nós, dizer qual a forma mais primitiva do fenômeno religioso.
Segundo alguns autores, é possível traçar a origem da religião a começar do conceito de mana. Mana é uma palavra polinésia que
significa uma forca vaga, impessoal,
mecânica, que controla os destinos do universo. Parece que em todas as culturas
de que temos conhecimento e em que há formas de comportamento religioso, a crença num poder que controla os destinos do
universo é básica e universal.
A Experiência Religiosa.
A definição de
religião interessa ao presente estudo, porque, de certo modo, estabelece o seu
campo de interesse imediato. A evolução histórica das concepções religiosas
também nos interessa, porque vemos através dela que o fenômeno religioso tem assumido e assume as mais variadas formas. No entanto,
do ponto de vista do psicólogo da
religião, o que mais lhe interessa nesse processo é o fenômeno da experiência religiosa.
Há vários tipos de
experiências e todas elas podem ser conceituadas como resposta a diversos estímulos.
A psicofísica
encarrega-se de determinar o limiar da consciência de determinadas realidades, ou seja, o ponto em que o
organismo se toma sensível a essa realidade. Não cabe aqui
uma discussão da psicofísica e seus métodos de pesquisa. A referência e feita apenas para estimular o leitor a
estudar algo sobre tão importante assunto.
Quando se trata de
uma experiência sensorial, por exemplo, não é difícil determinar os estímulos que a tornam possível, bem como o
tipo de reação do organismo a esses
estímulos. Em se tratando, porem, da experiência religiosa, não é fácil
determinar o estimulo que a produz. Albert C. Knudson, citado por Johnson, distingue
quatro tipos de experiências: sensorial, estética, moral e religiosa. Diz ele: "O
homem possui capacidade inata para cada um desses tipos de experiências." São
partes da estrutura da natureza humana ...
únicas e não derivadas. A que Johnson acrescenta: "Nenhuma dessas experiências pode ser
deduzida de uma ou reduzida à outra. A experiência
religiosa a priori é um dom único ou uma potencialidade que consiste não de conteúdo especifico, mas na capacidade de ter
experiências religiosas"'.
De um ponto de
vista mais pragmático, Frank S. Hickaman diz que as principais fases da experiência religiosa são a volição, o sentimento
e o pensamento. Portanto, nesse particular, a experiência
religiosa não e diferente de qualquer outra experiência psicológica, pelo menos
no que respeita as suas características fundamentais. Como distinguir, então, uma experiência religiosa de
uma não-religiosa? Johnson diz que há três
características distintas da experiência religiosa:
1)
e uma experiência que
envolve a ideia de valor, uma preferência por interesse e necessidades dignos de ser alcançados;
2)
tem uma referência
divina: um esforço objetivo na direção de um valor supremo e fonte de valores eternos;
3)
e uma resposta
social: nela se dá o confronto do homem com o Tu numa relação potencialmente criativa.
O problema crucial no estudo da
experiência religiosa e saber se há ou não uma realidade objetiva
correspondente a essa percepção. O psicólogo da religião, enquanto psicólogo,
não pode responder a essa pergunta. Johnson apresenta três respostas, que de certo modo são típicas. Freud nega a existência de
uma realidade última. Para ele, portanto,
a experiência religiosa não e real, mas ilusória. Otto diz que essa realidade última existe e, consequentemente, a experiência
religiosa e valida e autentica. William James, assumindo uma atitude inteiramente pragmática, nem afirma nem
nega a existência dessa realidade
objetiva. Para ele, a experiência religiosa deve ser julgada pelos frutos que produz na vida do indivíduo.
Comportamento Religioso.
A experiência religiosa, qualquer que seja o seu tipo, se
expressa através das várias formas de comportamento
a que chamamos de comportamento religioso. É extremamente
difícil determinar se
dado comportamento tido
como religioso corresponde,
na realidade, a uma experiência religiosa. Precisamos, portanto, de uma definição, por inadequada que seja, que se
constitua a pressuposição básica e que sirva de instrumento de trabalho na investigação do fenômeno que procuramos
descrever.
Como dissemos acima,
comportamento religioso e qualquer ato ou atitude que tem referência especifica ao divino ou sobrenatural. Por
exemplo, um sentimento de culpa pode ser uma atitude religiosa ou não,
dependendo de sua referência especifica Um
ato de genuflexão será religioso apenas se for feito "na presença de
Deus".
Walter H. Clarck
classifica o comportamento religioso em três categorias:
Primário - E o tipo de
comportamento em que o indivíduo, em virtude de uma profunda experiência interior pessoal, procura harmonizar
sua vida com o seu sobrenatural.
Secundário - Comportamento
religioso secundário e o que resulta basicamente da formação de hábitos. Um bom exemplo disso e a prática da oração. Se a
alma e elevada a orar, como resultado
de um impulso interior, a oração será um comportamento religioso
primário e altamente enriquecedor. Se, porém, ela é apenas um hábito, temos simplesmente um comportamento religioso
secundário.
Quando se chama de
secundário a esse comportamento não é para lhe tirar a significação.
Ele pode ser muito útil e necessário ao homem. Pode inclusive resultar de uma experiência religiosa altamente criativa.
Terciário - O
comportamento religioso terciário é aquele que nada tem a ver com uma experiência de primeira mão. É simplesmente uma
questão de rotina ou convencionalismo. O
indivíduo faz tal coisa apenas por mero conformismo a determinada tradição religiosa.
Num livro popular,
mas bem sugestivo, Stanley Jones diz que, de todas as pessoas
que pertencem às igrejas cristas (ele fala com referência especial aos Estados Unidos, mas o mesmo poderia dizer-se de outros
lugares do mundo), apenas cerca de um
terço revela o tipo primário de comportamento religioso. Diz ele que esses
formam "um círculo interior
para quem religião ocupa o primeiro lugar, é vital e capaz de mudar a vida. Ela dá um alvo e o poder para
alcançá-lo. Ela purifica a culpa do passado,
concede a vida ter sentido e valor. Deus não é um nome, mas uma realidade"
Um terço se classifica como tendo
apenas o tipo secundário, e outro terço é constituído das pessoas vazias que enchem as igrejas.
Teoria Freudiana.
Partindo dos conceitos gerais de sua
teoria psicanalítica, Freud tentou explicar a experiência
religiosa em termos dos conflitos que o ser humano experimenta no processo
de seu desenvolvimento psicológico. Por exemplo, o sentimento religioso de culpa, segundo Freud, resulta do fato de que, a
certa altura do desenvolvimento da personalidade,
a criança procura afirmar-se como pessoa. Essa afirmação da personalidade implica no desvio dos padrões
estabelecidos pela autoridade paterna. Esse
desvio se expressa nas várias formas de desobediência, e
esta, por sua vez, gera o sentimento de
culpa.
Outra ilustração
dessa interpretação freudiana é o argumento da dependência paterna,
quando a criança se defronta com forças adversas superiores às suas próprias,
naturalmente ela recorre ao pai. Nesse processo, a criança aprende tanto a
temer como a amar o pai. Religião, portanto,
para Freud, nada mais é do que uma regressão a dependência infantil.
Para Freud, Deus é
apenas a imagem magnificada do pai. Em seu estudo sobre Leonardo da Vinci, ele diz: "A psicanálise
revelou-nos uma conexão intima entre o complexo do pai e a crença em Deus e demonstrou-nos o seu Deus pessoal,
não é, psicologicamente, senão uma
superação do pai, ao descobrir-nos inúmeros casos de indivíduos jovens, que perdem a fé religiosa tão logo cai
para eles por terra a autoridade
paterna. No complexo paterno-materno reconhecemos, pois, a raiz da necessidade religiosa".
Teoria da Carl Jung
Carl Gustav Jung
(1875-1961), filho de um pastor protestante suíço, desejou inicialmente ser
arqueólogo. Ele interpretou esse fato como representado o desejo de penetrar
profundamente nos mistérios da experiência humana. E, ao contato com a psiquiatria, resolveu dedicar sua vida a essa ciência.
Trabalhou a princípio com Eugen Bleuler, e estudou com
Pierre Janet. Tornou-se colaborador de Sigmund Freud, mas era grande demais para simplesmente seguir a
orientação do mestre.
A publicação de seu
livro A Psicologia do Inocente (1912) marca a separação definitiva entre Jung e Freud.
Comparando e
contrastando esses dois gigantes da psicologia contemporânea, Paul Johnson diz: "Freud foi um individualista que
realçou o caráter único de cada pessoa
e um analista que via as forças conflitivas da personalidade como essencialmente irreparáveis. Pela psicanálise, procurou
capacitar seu paciente a abandonar
suas defesas e a reconhecer a natureza dos conflitos e assim tolerá-los, trazendo o inconsciente ao nível consciente. Jung
reconhece as polaridades e ambiguidades
no homem, mas, para ele, essas ambiguidades são tão complementares como as cores do espectro, capazes de combinação e
unificação. Como eoletivista, acha que o todo e mais
importante do que suas diferentes partes - a fonte de todo poder curativo e de toda sabedoria. Para ele, a
personalidade não tem fronteira, pois o inconsciente racial. Dessa energia psíquica oceânica, de dimensões
universais, ele extrai a resposta para
todos os problemas, particularmente para as questões religiosas" .
Para Jung, a experiência religiosa
resulta do inconsciente coletivo, que, por sua vez, e composto de energias dinâmicas e de símbolos de significação
universal. Sua ideia de um inconsciente coletivo ou racial foi corroborada pelo
que observou entre tribos primitivas
no norte da África, em Arizona. Novo México e Kenia. Jung notou, diz Spinks,
grande similaridade entre o ritual místico dos povos primitivos, a religião da antiguidade clássica e o conteúdo de seus
pacientes.
Teoria de Gordon
Gordon W. Allport
(1897-1968) fez uma grande contribuição para o estudo psicólogo do fenômeno religioso. Seu prestigio pessoal
de grande psicológico, professor da
Universidade de Harvard e presidente da American Psychologieal Associantion (AP A) despertou o interesse de outros psicólogos para o
estudo da experiência religiosa. Se
o assunto pode merecer a atenção de Gordon Allport, provavelmente e digno de
consideração mais seria da parte dos psicólogos, que até então mantinham
indiferentes ao estudo desse fenômeno.
A posição teórica de Allport e chamada a
teoria personalista. Essa teoria reflete-se
não só na interpretação psicológica dos fatos religiosos, mas em toda a obra psicológica.
Sua principal ênfase e sobre a natureza única de cada indivíduo. Em sua opinião, a personalidade não pode ser reduzida a
medidas quantitativas, traços ou abstrações.
Cada pessoa tem seu próprio estilo, que ele chama o proprium. Sua teoria, portanto,
opõe-se a qualquer forma de coletivismo. Sua ideia do proprium se assemelha ao "estilo de vida" de que falou Adler
em sua psicologia individual.
Como cientista,
Allport reconhece o caráter reducionista da ciência, mas, no que tange a personalidade, ele se opõe a qualquer forma de
reducionismo que tenta converter o todo a
partes, ou que procura restringir o comportamento a segmentos. Nesse particular, ele se aproxima da psicologia gestáltica
ou psicologia de forma.
Seguindo uma linha a
que hoje chamaríamos de psicologia existencialista, Allport da maior realce aos alvos do futuro do que ao
determinismo do passado, tão típico da
teoria freudiana. "O presente não pode ser explicado totalmente pelo determinismo causai do passado, pois os motivos presentes
podem funcionar de modo autônomo. O
significado do comportamento não pode ser entendido em separado dos objetivos futuros e da intenção de alcançá-los", observa Paul Johnson.
A principal obra de
Allport sobre este assunto e The individual and HQs Religion. Allport
vê na religião um fator de integração da personalidade. O aspecto intelectual
da experiência e mais discutido que seu aspecto emocional. Partindo das
concepções da criança, discute a evolução
espiritual do homem e apresenta a religião amadurecida como o alvo desejável do homem normal e
emocionalmente maduro. Esta seria, na linguagem
de William James, a religião da mente sadia.
Teoria de Anton Boisen.
Anton Boisen (1876),
e um dos vultos mais importantes para um o estudo psicológico dos fatos religiosos. Depois de haver estudado
e ensinado na Universidade de Yale e depois do Seminário União de Nova York,
onde se interessou muito pelos estudos da psicologia da religião.
Por alguns anos Boisen foi pastor de Igrejas rurais e, durante a Primeira Guerra Mundial, trabalhou no exterior com a Associação
Crista de Mocos. De volta aos Estados
Unidos, começou a escrever a respeito de sua experiência religiosa. Foi ai que se viu possuído de uma ideia
de catástrofe mundial em que ele mesmo
estava envolvido.
Esta crise o levou a
um hospital de doentes mentais e o diagnóstico foi esquizofrenia catatônica. Recuperado da crise, Boisen
tornou-se o primeiro capelão de um hospital de doentes
mentais nos Estados Unidos. Nessa posição estratégica, estudou profundamente o problema da esquizofrenia e
especialmente suas implicações religiosas.
Para Boisen, pois, tanto a esquizofrenia como a
experiência religiosa são tentativas da integração do
"eu". A personalidade vê-se em perigo de aniquilamento; recorre, pois, ao método que considera mais
viável para evitar essa catástrofe.
Apesar de louvável
esforço de antropólogos, teólogos, historiadores e outros especialistas, as origens da religião ainda constituem
verdadeiro problema. Uns apontam para
ideia do maná, outros falam do animismo, ainda outros dizem que a magia é, de fato, a origem das várias expressões religiosas da
humanidade. Na opinião de Otto, amplamente aceita nos
meios acadêmicos, a religião tem sua origem na percepção do mysterium tremedum et fascinans que rodeia o
homem.
O homem é capaz de
responder a estímulos transcendentais, isto é, ele é capaz de ter uma experiência religiosa. Ao filósofo ou ao teólogo
interessa discutir se existe ou não
uma realidade objetiva a que essa experiência corresponde. Ao psicólogo,
enquanto psicólogo, compete apenas a
observação do fenômeno e a medida de seus efeitos na vida do homem e da comunidade. Para efeitos práticos, a
experiência religiosa pode ser apresentada numa série de pares contrastantes de
conceitos como: legalista versus supra legalista; ortodoxa versus supra
ortodoxa; individual versus coletiva; ativa versus passiva;
formal versus informal; tolerante versus intolerante; afirmativa versus
negativa, cada um deles com características
típicas, porém nunca exclusivas.
a)
Para Freud, a religião nada mais é do que a
projeção infantil da imagem paterna. Ela é uma ilusão, não porque seja
má em si, mas porque tende a levar o homem fugir de sua realidade e contingência humanas.
b)
Para Jung, a
experiência religiosa resulta do inconsciente coletivo, que, por sua vez, é composto de energias dinâmicas e de símbolos de significação
universal. A experiência religiosa é fundamental ao funcionamento harmonioso do psiquismo e ajuda o
homem a compreender realidades do universo que não
podem ser conhecidas de outras maneiras.
c) Para Allport Boisen, a
experiência religiosa é algo essencialmente pessoal, sujeito às leis de evolução psicológica, e seu aspecto intelectual é
mais importante do que o emocional. A
religião é fator importantíssimo na integração da personalidade. Ele diz que
religião é o esforço do homem para unir-se à criação e ao Criador com o fim de ampliar e completar sua própria personalidade.
d) Para Anton Boisen, a experiência religiosa tem
basicamente a mesma dinâmica da esquizofrenia. Diz ele que tanto a
esquizofrenia como a experiência religiosa profunda são tentativas à integração do "eu". Quando a personalidade se vê
ameaçada a ponto de sua desintegração, recorre ao método mais
eficaz para evitar a catástrofe. A diferença fundamental entre as duas está nos resultados
produzidos. Quando a tentativa é bem sucedida, o homem tem uma experiência religiosa
altamente frutífera e de grandes consequências em sua vida. Quando a tentativa
falha, o homem será considerado "insano".
O psicólogo,
enquanto psicólogo, não discute a veracidade ou a lógica da fé religiosa. Sua tarefa consiste em verificar como a fé
religiosa se forma, como se desenvolve e
que funções exerce na vida do homem.
Apesar das marcadas
diferenças de conteúdo e objeto, podemos afirmar que existe uma tendência geral no homem para crer, de alguma
forma, em algo transcendental. Há vários níveis de crença, cada um deles com diferente
significação para o indivíduo: O verbalismo
ou "realismo verbal" característico da crença infantil, que tende a
confundir a palavra com o ato ou realidade que deve
representar. É essa a crença que leva o homem
a falar a respeito de sua religião, ao invés de praticá-la.
O nível de
compreensão intelectual é necessário, mas não basta compreender
intelectualmente, pois o que mais importa na religião é o efeito que ela produz
em nossa vida. O nível da demonstração
pratica através do comportamento é aquele em que o homem reflete os efeitos de sua fé religiosa no seu
viver diário. E, finalmente, o nível de integração,
em que todos os segmentos da personalidade são influenciados e, por assim
dizer, unificados por meio da fé religiosa que, no caso, se constitui o núcleo
de controle de todas as ações da vida do
homem.
Se bem que, muitas
vezes, se usem os termos crença e fé como sinônimos, existe,
na realidade, diferença entre eles. Crença pode referir-se a mera atitude, que pode ou não ter profunda relação com a vida do
homem. Fé, por outro lado, descreve uma
relação vital que marca profundamente a vida indivíduo a vida do indivíduo que
a tem.
Aquilo que
originalmente era mera crença pode transformar-se em fé capaz de influenciar positivamente todas as esferas da vida
humana. O processo de transformação de mera crença em fé inclui: o
amadurecimento gradual do indivíduo, a influência e o exemplo de pessoas significativas, certas crises - inclusive
as de natureza traumática, e naturalmente,
a escolha pessoal, pois na fé existe sempre o elemento volitivo.
Entre as várias
funções especificas da fé podemos mencionar: a exploração do desconhecido, a criação de valores naus duráveis, a
união de seres humanos em torno de ideais comuns, a redução de tensões da vida
e a integração da personalidade humana.
O principal problema dos pais e
educadores é saber como utilizar a dúvida religiosa
para fins construtivos. A mera negação de sua existência não resolve o problema, e simplesmente impor uma solução é
aumentar a probabilidade de conflitos que
poderão tornar-se insolúveis.
As principais causas
da dúvida religiosa são: as limitações da religião institucionalizada, o aparente conflito entre religião e
ciência, e o problema linguístico da
interpretação literal dos termos religiosos.
Quando a dúvida
religiosa encontra solução adequada, resulta no aparecimento de
uma fé religiosa robusta e altamente significativa para a vida do homem.
Quando, porém, essa dúvida é meramente ignorada ou suprimida pelo princípio da
autoridade, levará o homem ao conformismo
estéril e inconsequente ou a declarada rebelião e abandono da prática religiosa.
O ateísmo, que
representa a forma extrema da dúvida religiosa, muitas vezes é a maneira mais cômoda que alguns encontram de fugir aos
dolorosos dramas de consciência que a fé
hipoteticamente lhes traria. Tornam-se ateus, não pela impossibilidade
lógica da crença em Deus, mas por não quererem enfrentar os riscos da fé religiosa.
A Conversão
religiosa é o marco inicial dos estudos de psicologia em sua moderna conceituação.
Houve exagerada
ênfase sobre o assunto e alguns deram a entender que era a conversão religiosa o único aspecto do fenômeno
religioso que interessava ao psicólogo. Por outro lado, os
movimentos liberais em teologia e em educação religiosa levaram os psicólogos da religião a abandonar quase por
completo o estudo da conversão. Achamos que tanto a demasiada ênfase como o abandono representam posições que
devem ser evitadas. A conversão
religiosa não é o único aspecto do fenômeno religioso que interessa ao psicólogo, nem tampouco pode ele
ignorá-la, pois é uma das experiências mais
marcantes da vida humana.
Dependendo do
ambiente em que o indivíduo vive e dos vários aspectos de experiências previas, a conversão religiosa pode dar-se
como algo momentâneo e quase sempre
acompanhada de mudança dramática e radical na vida do homem ou pode acontecer como processo gradual marcado por um ponto que
é considerado pelo individuo como
momento de sua conversão. Qualquer das duas experiências terá grande
significação espiritual, mas o primeiro e característico dos maiores gênios
espirituais da humanidade.
A
conversão religiosa de Paulo de Tarso, John Bunyan, George Gox e Ramakrishna
são exemplos típicos dessa experiência e
sugerem que a dinâmica do fenômeno é basicamente
a mesma, quer no cristianismo que fora dele, apesar das diferenças eventuais.
O processo da
conversão religiosa abrange pelo menos quatro estágios fundamentais: o período de inquietação, o período
crítico, o período de paz, que sugue a solução
da crise, e o período da expressão concreta através do comportamento do indivíduo.
Entre os fatores
que influenciam a ocorrência da conversão religiosa do ponto de vista
psicológico podemos mencionar: os conflitos interiores causados por
inquietações éticas e espirituais e o desejo
de harmonizá-los; o contato com dada tradição religiosa, isto é, a influência do mundo interpessoal significativo
do indivíduo, salientando-se aqui a
influência dos pais; a própria adolescência e considerada como fator da
conversão religiosa não é fenômeno
"exclusivamente adolescente", como querem alguns.
Se bem que a conversão religiosa seja um
fenômeno que abrange toda a vida do homem
convertido, em todos os seus aspectos, podemos indicar certas características predominantes
em cada caso. A conversão de Agostinho, por exemplo, é predominante do tipo intelectual. A conversão de Ramakrishna é
mais emocional do que intelectual ou moral.
Na conversão do tipo místico, representada aqui por Pascal, a alma une-se a Deus e essa união torna-se em si mesma um fim.
A preocupação aqui
não é nem intelectual nem moral nem necessariamente emocional. Trata-se do
movimento do ser ao encontro místico com o todo. Daí por que alguns
advogam ser esse, rigorosamente falando, o único tipo de experiência que pode realmente chamar-se de conversão religiosa há um
elemento místico, mas não negamos a
autenticidade de uma experiência religiosa simplesmente porque ela não chega a
ter as mesmas características da experiência de Pascal ou de qualquer
outro grande gênio da humanidade.
Finalmente, a conversão religiosa pode ser do tipo predominante moral. Aqui a maior preocupação do indivíduo é encontrar
a força ética para um viver socialmente
aceitável. Ordinariamente, é esse o tipo de experiência comum a indivíduos que
se unem a movimentos como Rearmamento Moral ou aos Alcoólatras Anônimos.
Oração.
A Oração é uma das
experiências religiosas mais comuns entre os homens. É provável que nem todos concordem com certas definições
de oração, mas todos oram de uma ou de outra maneira, dependendo das
circunstancias.
A oração como expressão religiosa já é encontrada até
mesmo entre os homens primitivos. Não se
sabe quando o homem começou a orar, mas é quase certo que a oração
é um brado espontâneo da alma, do mesmo modo que as interjeições refletem um estado de espírito. Aparentemente, a oração do
homem primitivo era mais coletiva do que a individual. Era o líder que
orava. Ainda hoje isso é verdade no caso de muitos homens civilizados que ainda não alcançaram, porque inclusive não foram
ensinados, a necessária maturidade
espiritual para orar por si mesmos. Essa oração coletiva, ordinariamente,
prendia-se a motivos práticos relativos as necessidades mais imediatas do homem.
Adoração.
A ideia de adorar é parte integrante e
necessária do sentimento religioso. Desde que
o homem percebe que existe algo maior do que ele, algo numinoso, misterioso e inefável, sua resposta natural tem sido
adoração. "Adoração é a
expressão, que espontânea, quer
formal, daquilo que o homem sente e faz quando na presença do
Agrado",
No dizer de Stolz, a essência da adoração consiste em
criar ou intensificar uma atitude de reverencia. Numa definição mais sutil,
Clark diz que "a verdadeira adoração é um estado do ser que engloba toda a vida e capacita o homem
- em parte consciente e em parte
inconscientemente - trazer sua experiência total e suas preocupações e
dirigi-las a um objeto que as
integre e que lhes de significação".
Apesar de a religião ser um fenômeno essencialmente
individual, através dos séculos, ela se tem
expressado coletivamente. A adoração ou ato de adorar não foge a essa regra. Parece óbvio que a adoração é de natureza
comunitária, sem que isso signifique que
ela não seja praticada como ato isolado e individual.
Oração e adoração
são partes integrantes e inseparáveis da experiência religiosa. A oração é, talvez, a experiência religiosa mais comum
entre os homens. Ela e o fenômeno central da
religião e a prova mais autentica da verdadeira piedade.
Mesmo entre os chamados homens primitivos, já se encontra
a oração como expressão religiosa. Os elementos constitutivos da
oração do homem primitivo, porém não exclusivos
do ser humano nessa fase de sua evolução histórica, são:
1)
A invocação, por meio
da qual solicita a presença da divindade junto ao homem ou ao grupo;
2)
queixa ou inquirição
em face da aparente injustiça dos deuses;
3)
petição, através da
qual se pede a divindade algo em benefício próprio;
4)
intercessão, em que
se pede algo em favor de outrem;
5) ação de graças para expressar não só o reconhecimento
em face dos favores recebidos, mas
também assegurar futuras bênçãos.
Os motivos por que o
homem ora são vários, mas, aparentemente, a razão fundamental da oração e o
desejo profundo de encontrar a divindade ao nível pessoal.
Para fins didáticos,
podemos dizer que a oração, quer do tipo objetivo, quer do tipo subjetivo, pode ser classificada em:
1)
Petição,
característica da oração infantil e mais ou menos imatura;
2) confissão, que, por seu alto calor catártico, representa
um dos aspectos mais positivos da pratica da oração;
3) dedicação, pela qual a alma não só encontra a divindade,
mas se lhe entrega sem reservas;
4) intercessão,
que, como ficou dito acima, revela alto nível de maturidade espiritual da parte daquele que ora;
5)
gratidão, pela qual
se revela a camaradagem e a intimidade com a divindade.
Do ponto de vista do indivíduo que ora, a prece pode se
classificada como;
1)
mística, em que o
homem busca a comunhão com a divindade não para lhe pedir algo, mas pura e simplesmente por causa do
contato pessoal com o divino;
2)
intelectual, mais ou
menos uma forma de monólogo em que o homem se auto-sugestiona e em que não há obvia referência
ao sobrenatural;
3)
profética, em que o
homem reflete profunda preocupação com problemas éticos e busca a solução para tais problemas na
Palavra d Deus; e
4)
sacerdotal, que e
tipicamente coletiva e publica e também de natureza mais ritualista. Adoração e a natural resposta do homem quando se encontra com o
sobrenatural.
A adoração, quer subjetiva, cumpre
propósitos específicos na vida do homem. Entre
eles, diz Stoltz, ela funciona como uma espécie de autodiagnostico moral, serve
de alivio ao sentimento de culpa,
ajuda na correção de certos defeitos de caráter, proporciona conforto nos momentos de aflição, ajuda o homem a reconstruir
sua personalidade e contribui
positivamente para a unidade religiosa do "eu".
Religião e Saúde Mental.
A relação cada vez mais estreita entre o
psiquiatra e o ministro religioso é um atestado
de reconhecimento de que a religião desempenha importante papel no desenvolvimento da personalidade e pode
constituir-se fator primordial no equilíbrio de suas funções psíquicas. O ministro de religião é hoje parte integrante da
equipe de saúde, nos grandes
hospitais e clinicas, especialmente nos Estados Unidos, onde o movimento foi iniciado, graças ao extraordinário
trabalho de Anton Boisen.
No mundo moderno, o
trabalho de capelania não se limita aos hospitais, porém estende-se a outros setores, como as forças armadas, as
grandes indústrias, etc., onde quer que se
considere a dimensão religiosa necessária ao bom ajustamento da personalidade.
Uma
vista panorâmica da história da medicina revela que a religião sempre teve
grande relação com o bom funcionamento do
homem. Isto é verdade particularmente no que tange a saúde mental. Podemos dizer que os primeiros psicoterapeutas
foram os ministros religiosos. A
razão principal dessa relação é que, nas sociedades primitivas, a enfermidade
era vista, observa Jerome Frank, como expressão simbólica de conflitos internos ou de perturbação nas relações com o mundo
significante do indivíduo, ou ainda
como a combinação de ambos.
Religião e Psicoterapia.
Parece haver pouca
dúvida quanto à função psicoterapêutica da religião. O problema é saber até que
ponto se pode usar a religião para fins psicoterapêuticos. Acham alguns que, se alguém usa religião para fins pragmáticos,
isso representa uma deturpação do
verdadeiro e nobre propósito da religião. Para esses, portanto, o conhecimento
religioso e a experiência religiosa são fins em si mesmo. Outros, porém, acham
que é legítimo usar a religião para promover o equilíbrio e bem-estar emocional
do indivíduo.
Não há dúvida também de que, ao menos em
seus primórdios, a psicoterapia em fundamento religioso. Com a independência
dos métodos psicoterapêuticos, entretanto, ela
se tornou independente da religião, e, em muitos casos, sua declarada rival. A religião através dos séculos tem sido considerada
fator importante na preservação de saúde
mental do homem.
A história da medicina revela que os
primeiros psicoterapeutas eram sacerdotes. Ainda
hoje, a psicoterapia mantém estreita relação com a religião. Nas civilizações primitivas, os distúrbios mentais eram tidos como
"possessões demoníacas". Mesmo em fase bastante avançada da
civilização, esse ponto de vista prevaleceu.
O célebre manual Malleus
Maleficarum da Idade Média e talvez o melhor representante, os
distúrbios mentais passaram a ser consideradas como "doenças". Esse conceito humanístico fez grandes contribuições,
porém, gradativamente, está sendo
substituído
por outros conceitos, por inadequado. Em muitos círculos acadêmicos, hoje, fala-se mais em "desordem do
comportamento" do que em "doenças mentais".
Com a separação entre
religião e psicoterapia surge uma espécie de conflito entre as duas. Esse conflito entre ciência e religião se
dá ao longo de três linhas principais, a
saber:
1)
No mundo ao redor do
homem. A chamada revolução científica abalou os velhos alicerces da cultura ocidental e forçou o
homem a uma reintegração do seu universo.
2)
No mundo do homem. A
teoria da evolução fez do homem objeto de estudo científico, tirando-o do pedestal de glória, e
estabelecendo a continuidade entre o comportamento animal e o comportamento
humano.
3)
No mundo dentro do homem. Freud mostrou
as causas irracionais de comportamento e ao mesmo tempo indicou que as forças
determinantes da conduta humana são de natureza interna, e não,
necessariamente, exteriores ao homem.
O ataque de Freud à
religião não é levado tão a sério em nossos dias, por causa das evidências em
contrário. O tríplice argumento de Weatherhead parece-nos muito válido:
a) desejar um
pai não significa que ele não possa existir;
b) o cristianismo
uma religião histórica, e não algo inventado para atender a necessidades emocionais de
determinado grupo;
c) o
cristianismo é por demais austero para ser mera ilusão inventada pelo homem.
Muitos insistem em
que a religião é a causa de certas formas de neuroses, mas não há evidência que
sustente tal afirmação. A pesquisa feita por Wayne Oates sugere que não há qualquer relação específica entre a anulação
religiosa do paciente mental e seu quadro
clínico.
Não se pode negar, entretanto, que há
certas formas de comportamento religioso que
as assemelham às neuroses e que, inclusive, podem favorecê-las.
A religião sadia pode contribuir para o
equilíbrio mental do indivíduo, porque é capaz de dar ao homem o senso de
segurança cósmica, motivação para viver criativo, ajudá-lo a aceitar-se como ser
finito que é, tornar possível a experiência da confissão e reconstrução interior, e porque lhe pode oferecer
certa estabilidade emocional nos momentos
de crise.
A tendência hoje é
reconhecer que religião e psicoterapia não são oponentes, mas cooperadas para um fim comum, qual seja o do
bem-estar do homem e da sociedade. Os
pressupostos fundamentais da psicoterapia podem diferir apenas superficialmente dos pressupostos da religião sadia. A
linguagem e até mesmo o método podem ser
diferentes, mas o objetivo é fundamentalmente o mesmo. Tanto o psicoterapeuta
como o ministro de religião procuram ensinar ao homem as formas mais adequadas de comportamento, para que ele venha a
funcionar adequadamente na sociedade.
A
Busca de Significados nos Movimentos Religiosos
O surgimento de
seitas e movimentos religiosos é uma questão que tem preocupado estudiosos e cidadãos do mundo todo, tendo em
vista alguns desfechos dramáticos por parte
de adeptos desses referidos movimentos, Instigados por esta temática,
e cientes da necessidade de avaliar a estenoso e dimensão do problema, é que surgiu essa pesquisa.
A coexistência da
religião e ciência constitui uma questão polêmica. Onde a religião é fortemente
apoiada pelo Estado, seu efeito sobre a ciência é considerado negativo. Alves (1981) já descrevia esta controvérsia
quando apontava o campo perdido pela
religião como resultado do desenvolvimento tecnológico. O utilitarismo pregado pela
ascensão da burguesia atribuía valor ao homem pela sua capacidade de produzir e
acumular bens e riquezas, combatia a religião
como retrocesso econômico na medida em
que esta justificava a pobreza material como condição ou motivo para a
conquista de um espaço no paraíso.
A ciência floresce
melhor quando os cientistas não são obrigados a trabalhar dentro de preconceitos e dogmas. O progresso científico
reduz o poder da "magia" da religião, gerando às
vezes graves conflitos ao desmistificar certos fenômenos que, até então, eram considerados verdadeiros.
Ao proceder
cientificamente, o homem traz à tona as verdades da realidade e destrói
a ilusão própria da religião mostrando a plausibilidade dos fatos e reduzindo a
ilusão geradora do poder mágico da religião.
Entretanto, há
limites que circunscrevem os espaços da religião e da ciência. Para aquela, os valores são abstratos e transcendentais,
não sendo passíveis de experiências
empírico-cientificas. Nesse sentido, os cientistas dificilmente conseguirão desmistificar o que permanece "verdadeiro" para
a consciência individual.
Chauí (1981)
reporta o aparecimento da religião ao surgimento da vida humana, argumentando
ser esta quem cria a religião. A representação que temos da realidade está assentada nos fatos e objetos que a constituem. Quando
falamos ou agimos, os nossos atos estão permeados de nossas
sensações, percepções e, de nossa história. Não há uma transposição de coisas em si, no espaço e tempo, sem a mediação do
processo de subjetivação. Assim,
aquilo que tomamos como "real" nada mais é do que a interpretação do objeto, da apropriação
particularizada e subjetivada dos fenômenos presentes no nosso cotidiano. O
discurso que proferimos sobre aquilo que gostamos e fazemos expõe com clareza, a relação sujeito mundo,
presente na análise e orientação do
processo de construção de nossa existência.
O que o indivíduo
aponta como seu mundo real é na verdade, a representação desse mundo. A
natureza singularizada e subjetivada é, com frequência, tomada como algo
inerente ao pensamento, como se o objeto pensado e o conteúdo fossem a mesma coisa.
É fundamental,
todavia, captar como isto se processa no cotidiano dos indivíduos e uma das formas para este conhecimento pode
ser buscada através do uso da categoria de representação social.
A utilização da
representação social tem como finalidade dimensionar o processo
de construção simbólica, substrato do conhecimento, que dá sentido ao mundo
material permitindo também ao sujeito não só entendê-lo, como demarcar o seu
lugar e estabelecer conexões que, para ele,
tenha coerência.
O estudo das
representações sociais teve seu marco maior com Moscovici (1978) e,
na atualidade, muitos estudiosos têm empregado este conceito na investigação de
diferentes temáticas (Guareschi, 1995;
Bauer, 1995; Sá, 1995).
Este conceito permite compreender a
dialética da relação homem/mundo e sua síntese,
orientando o indivíduo tanto na percepção e avaliação quanto ao planejamento e
estratégias para suas tomadas de decisão. Assim, as representações sociais são
conjuntos dinâmicos, seu status é o de
uma produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, de uma ação que modifica aqueles e
estas, e não de uma produção de comportamentos
ou dessas relações, de uma reação a um dado estímulo exterior (Moscovici, 1978).
Dessa maneira as significações dos
comportamentos e os fenômenos devem ser vistos
como produto de normas e convenções oriundas dos interesses e peculiaridades sócio-históricas.
Os homens tomam como "natural" aquilo que historicamente vem se reproduzindo ao longo da história. É, basicamente
isto que está presente nos discursos religiosos.
A vida em sociedade
permite compreender melhor as determinações que caracterizam o
homem, seus papéis, posições e limites, circunscrevendo pois o espaço político, social e econômico, desmistificando a
concepção de uma "natureza humana", o que significa na expressão de
Berger (1973) "produzir um mundo".
Viver em sociedade
significa, por outro lado, estar sob diferentes forças coercitivas e repressoras, as quais controlam a conduta
humana, constroem expectativas, estabelecendo
limites dentro dos quais o homem deve pensar e agir.
O controle social
exercido por diferentes instituições pode assumir formas implícitas
ou explícitas e é na primeira que reside o perigo maior, pois, conforme La Boéthie (1982) "É incrível como o povo
quando se sujeita, de repente cai no esquecimento da franquia tanto e tão profundamente que não lhe é possível
acordar para recobrá-la, servindo tão francamente e de tão bom grado que
ao considerá-lo dir-se-ia que não perdeu sua liberdade e sim ganhou sua
servidão".
E exatamente entre
os homens que a questão da busca por liberdade e as expressões
de sujeição ganham uma dimensão não observada em outras espécies. No campo ou no terreno da religião pode ocorrer uma
naturalização dos fenômenos historicamente produzidos. Talvez seja essa a
pretensão dos discursos religiosos: transformar
os fatos e fenômenos em portadores de sentido, trazendo-os para o mundo humano.
Alves (1981) entende
que "As pessoas não precisam abandonar as suas ideias religiosas, mas sim mudarem as situações em que vivem. A
exigência de que abandonem as ilusões
sobre uma determinada situação, é a exigência de que se abandone
uma situação que necessita de ilusões." .
Eis porque a religião
pode atuar de maneira bastante diversa. Tanto pode conduzir a um comportamento de libertação quanto de
aprisionamento. O homem ao buscar na religião o instrumento para suas respostas
encontra, via de regra, todas as alternativas prontas. A crítica, se aceita,
pode induzir a negação e, neste campo, não é permitido. "As pessoas não podem ser convencidas a abandonar suas ideias
religiosas. Ideias são ecos, fumaça,
sintomas.. Se elas têm ideias é porque a situação as exige" .(Alves, 1981).
Vista como esperança,
como desejo que denuncia a ausência de "algo", os símbolos presentes na religião, nada mais são do que
esperanças que os homens carregam. Aqueles que se sentem
despojados da "sorte", da "esperança", da
"saúde", do
"emprego",
usam a religião para dar sentido a um mundo caótico, desorganizado, mas, por outro lado, aliena, pois não oferece meios para
conquistar mudanças.
Comte-Sponville
(1996) reflete sobre a diferença entre dogmatismo, fé e fanatismo, quando discorre sobre a fidelidade do
pensamento. Assim, argumenta que ser fiel ao pensamento ou às
ideias é "...dar por verdadeiro, até novo exame, o que uma vez foi clara e solidamente julgado" . Sem o emprego deste critério pode-se falar de dogmatismo quando há recusa em mudar de ideia; de
fé quando submetemos as ideias às
próprias ideias e, de fanatismo quando as consideramos como absolutas.
Seitas, religiões,
podem mudar sentimentos de injustiça social, por exemplo, em formas relativamente inofensivas para a sociedade.
Segundo Berger (1985) "Se é necessário que se construam mundos, é muito
difícil mantê-los em funcionamento." Para isso, seria preciso a disseminação de ideias. Pode-se encontrar ideias,
que estimulam o homem a "salvar
o mundo". Elas oferecem ao homem o céu, e não apenas as condições objetivas.
Nesta área de tão
vastas possibilidades de transcendência, Alves (1985) sustenta que a religião tem o poder, o amor e a dignidade da
imaginação e, nesse nível, o simbólico
satisfaz qualquer carência ou desejo. Deus, ou qualquer entidade supra terrena, tem o poder de reduzir conflitos e
encaminhar soluções. De um modo ou de
outro, essas tentativas, buscas e anseios explicam uma necessidade humana: inteligibilidade do mundo, identificando razões, motivos
e intenções.
Camus (1942) propõe para a filosofia um
problema verdadeiramente sério que é "o
sentido da existência". A plausibilidade deste mundo, a necessidade de
articular conteúdos da experiência
da vida cotidiana, a exigência de compreensão e o significado dos fatos, obriga
o homem a articular as diferentes dimensões do seu viver.
Poder-se-ia pensar que a busca de
significados para apreensão e apropriação da realidade
é uma atividade que permite não só articular conteúdos extraídos das situações vivenciadas, mas também uma maneira de subjetivar
a realidade fazendo-a instituinte além
de instituída.
A singularização
dos fatos sociais expressos na significação do vivido diferencia os homens e particulariza cada um de nós enquanto atores
sociais. Contudo, essa singularidade é
tecida no contexto social onde papéis, expectativas e pressuposições são os mediadores na constituição da subjetividade. E uma
subjetividade compartilhada, cujo diálogo se
dá na intersubjetividade.
Nesse contexto, onde
uma série de informações e interpretações da realidade cotidiana já está constituída, a busca de sentido para
situações aparentemente "insólitas",
"ininteligíveis" se faz por meio da ciência, religião, senso comum,
entre outros.
É nesta perspectiva que os movimentos
religiosos podem vir a ser analisados; enquanto busca de sentido onde
aparentemente não há sentido algum. Como busca de racionalidade para situações percebidas como irracionais. Também como
busca de domínio, poder, autonomia,
onde a submissão e o descontrole pareciam inevitáveis.
Buscando entender,
através da representação social, a presença de crenças religiosas na via dos estudantes, foram selecionados
1500 alunos, de 9 (nove) centros de estudos
da Universidade, abrangendo 30 (trinta) cursos de graduação. A composição dos sujeitos comportava alunos dos primeiros períodos dos
cursos, do nível intermediário e
aqueles no final dos cursos.
Foi aplicado um
questionário contendo 8 (oito) questões sobre movimentos religiosos e 7 (sete)
questões que versavam sobre dados familiares. A organização dos dados foi feita por unidade temática, no intuito de sistematizar
informações que versavam sobre um
mesmo assunto.
Na impossibilidade de apresentar neste
artigo os dados coletados durante todo o processo
de pesquisa, serão destacadas as informações sobre os motivos/razões que levaram os universitários a se envolverem em
movimentos religiosos, bem como os tipos
de movimentos citados, tendo a religião de batismo como contraponto.
Observou-se que mais
de 80% da amostra, nos nove centros de estudos, tem o "catolicismo"
como religião de batismo. Quando indagados sobre a participação em movimentos religiosos, os alunos dos cursos de
geografia e arquitetura foram identificados
como aqueles que mais tem se envolvido, com 49,35% e 49,09% respectivamente, de respostas afirmativas. A menor
porcentagem deste tipo de informação
foi encontrada no curso de engenharia civil, com 21,31%.
Nesse momento é
importante incluir a discussão feita por Chauí (1981) sobre a oposição entre religião popular e internalizada, como
correspondência entre o tradicional e
moderno, pois permite compreender o movimento de migração dos católicos ao protestantismo no caso da classe média, e a
conversão de católicos pobres às religiões de
massa. Para esse último, a conversão pode ser entendida como um esforço feito pelos oprimidos para vencer um mundo
sentido como hostil e persecutório]".(Chaui, 1981).
No curso de geografia foram citados 15
(quinze) movimentos, sendo os de maior frequência
"de jovens", "espiritismo" "catequese", enquanto
no curso de arquitetura, com 11
(onze) movimentos citados, os mais apontados foram: "grupo de jovens"
e "seicho-no-iê".
Os motivos que
levam os jovens a procurarem diferentes movimentos, abrangem razões
"pessoais", "econômicas" e "pressão do grupo".
No item "outros motivos", estão
incluídos os seguintes argumentos: curiosidade, religiosidade (busca de algo superior), busca de conhecimento (não
consegue dar respostas aos problemas
do homem), identidade filosófica (similaridade de ideias pessoais com a
proposta pelo movimento), satisfação pessoal (após o ingresso sentir-se
melhor), solidariedade (encontrar uma missão aqui na terra), solidão (falta de
amigos), problemas de saúde (doença na família), resolução de conflitos (crise
existencial), comportamento reflexivo
(buscar conscientização sobre questões da realidade).
Pode-se observar que alguns dos motivos
incluídos no item "outros" envolvem razões
pessoais. Muitas vezes, os estudantes deixaram de assinalar no questionário razões
"pessoais", para indicar no item "outros", especificando aí
o motivo. Em relação às "razões pessoais", as informações captadas
indicavam dificuldades, dúvidas sobre problemas
circunstanciais vividos pelos jovens, busca de sentido para situações que
estavam vivendo, necessidade de compreender melhor (plausibilidade,
inteligibilidade de situações
experienciadas) o seu cotidiano. "Os pedidos não são feitos porque se escolhe
a via religiosa, mas porque no presente sabe-se que não há outra via".
(Chauí, 1981)
Se somadas, as "razões
pessoais" atingem 92,8% do total de indicações feitas, o que sugere a necessidade do jovem de se apropriar
das situações cotidianas o que, muitas vezes, ele não consegue com os recursos
que dispõe, seja através do senso comum
ou do conhecimento científico.
A
Especificidade dos Movimentos e suas Relações com a Vida Cotidiana.
É preciso indagar
aqui, acerca do que é oferecido pela religião. Dito de outro modo, perguntaríamos: de que forma a religião está
satisfazendo as necessidades do homem? As ideias, como
afirma Chauí (1981), aparecem como a representação do real, a sua verdade, e
como normas para ação, isto é, como conduta conforme a natureza das coisas, ou conforme a certos fins que seriam os
mesmos para todos.
Representação e normas constituem, então,
um corpo de prescrições que devem ser
seguidos quando se quer conhecer ou quando se quer agir. Ideias podem servir,
portanto para representar uma dada realidade e, como tal, tem o poder de
prescrever condutas. "Exprimindo
o jogo contraditório entre duas paixões- o medo e a esperança-a
religião realiza-se como temor da vinda de um mal quando se espera um bem, e
como esperança de que um bem advenha quando
se teme um ."(Chauí, 1981).
Por outro lado, as ideias propõem uma nacionalidade
que parece já estar inscrita no mundo. O homem enquanto totalidade busca o
sentido de sua existência, ao mesmo tempo em que encarna a própria
significação. Esta busca de sentido pode relacionar o visível e o invisível, o imanente e o transcendente, o real e o
imaginário, o ser e o devir. Essa totalidade é a vida cotidiana e, a
vida cotidiana, como bem assinala Heller (1972) "...é a vida de todo homem...e a vida de todo homem é a vida do
homem inteiro...'" em todas as suas atividades, situações, como unidade
que expressa ações, pensamentos,
emoções.
Alves (1981), afirma que: "...o homem
é um ser de desejo... Desejo é sintoma de privação,
de ausência". Nesse
sentido, falta inteligibilidade ao homem para as situações que constituem a sua cotidianidade.
A religião pode ser a resposta obtida
para aqueles que vivem situações que aparentemente
escapam ao seu controle individual. Nesse sentido, a religião reinterpretaria o vivido dando-lhe
inteligibilidade. Mas, é uma inteligibilidade que pode assegurar maior liberdade ou mais sujeição.
No primeiro caso, a
construção de uma compreensão do vivido estaria pautada pela
possibilidade de reconhecer uma intencionalidade do agir e transformação do que
está exteriormente determinado em autodeterminação.
Já no segundo caso - sujeição- a reinterpretação
do vivido dá conformidade às ações do indivíduo, deixando-o à mercê dos acontecimentos, da imprevisibilidade e do
fatalismo.
Para a Psicologia Social, a busca de
significados e a construção de sentidos que caracterizam
a vida cotidiana devem estar centrada no conteúdo da atividade humana, no
processo de representação desses conteúdos pelo sujeito que realiza a
experiência e por aqueles que participam de seu grupo social. O caminho
a ser percorrido envolve, necessariamente, a
atividade do sujeito e do seu grupo social, a história social e singular.
E nessa intersecção que o indivíduo interioriza os significados da vida social,
transformando-os em sentido pessoal.
A medida que o
conhecimento cientifico se toma mais e mais sofisticado, apontando
caminhos que remetem cada vez mais ao "infinito", com tecnologias que
aparentam dar ao homem poderes ilimitados, a
pergunta básica da humanidade permanece
sem resposta; "de onde vim, para onde vou?". Quando afirmamos
que fica sem resposta, queremos assinalar que a natureza da resposta
dada pela "CIÊNCIA" não sacia a
vontade do homem comum. Não aplaca a sede de resposta.
A representação de
mundo, de vida, de trajetória de existência, enfim, caminha por desvios cuja
satisfação é encontrada em esferas que nada lembram os rigores da ciência, nem
mesmo a sua mais elementar regra: a possibilidade de replicação. O ser humano,
no caso, os alunos que circulam pelo campus da Universidade e, com certeza, por tantos outros, mostram-se dispostos a
corroborar o que não veem e a questionar o valor daquilo que manejou nos
laboratórios. Isto se justifica na medida em que a representação que têm da
vida, existência, cotidiano, felicidade, etc,... transcende o "mundo material", local onde as regras
são outras.
Há uma simbiose de
relação, tudo que a Ciência pode oferecer para satisfazer seus desejos é cooptado, todavia, tudo que a religião
fornece como suporte é assimilado, processado, e passa a fazer parte do
universo de significados que permitem ao estudante orientar suas tomadas de
decisão, permeando toda sua vida profissional.
Emprestamos a distinção efetuada por
Chauí (1981) entre religiões e seitas. "Se, por vezes, o termo seita serve para assinalar o caráter minoritário de
seus adeptos, no entanto o uso mais
corrente do termo visa salientar o caráter segregado da comunidade religiosa, seja em termos éticos (pentecostalismo,
espiritismo), seja pelos poderes mágicos de seus líderes (umbanda,
macumba, espiritismo)". Já as religiões oficiais são percebidas como o institucional revestido da
forma "igreja".
Referências
D'ARAÚJO, Caio
Fábio Filho: No Diva de Deus - Uma Análise Psicoteológica dos
Salmos, Ed. Vinde. 4a. Ed. - Niterói RJ
FREUD, Sigmund:
l .Psicanálise 2.Religião Obras Completas - Ed. Imago. JOHNSON,
Paul E.: Psicologia da Religião - Ed. Aste 1a.
Ed. - São Paulo SP. JUNG, Carl Gustav: Psicologia e Religião - vol. XI/1, Ed.
Vozes. 4a. Ed. - Petrópolis RJ.
MORANO,
Carlos Domingues: Crer depois de Freud - Ed. Loyola.
1a. Ed. - São Paulo SP. VALE, Edênio: Psicologia e experiência religiosa - Ed. Loyola. 1a.
Ed. - São Paulo SP
Sites
Psicologia - USP
PsicologiaeReligiãoEspaçoPotencial—ArkheiaMetodista.htm ReligiãoePsicologia—UniversidadeMetodistadeSãoPaulo. htm
EscolaParaFormadores. htm PsicologiacomoReligiao.htm
PPM-A religiosidade e suas interfaces com a medicina, a
psicologia e a educação Unifesp-EPM.htm Abuscadesignifícadosnosmovimentosreligipsos.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário