É certo que uma interpretação histórica deve rejeitar toda atomização e formalização de noções, combatendo explicações particularizantes ou demasiado gerais, para considerá-las em situação de estruturas mentais e interdependência cultural em que atua o “mental coletivo”(NOGUEIRA, 1991). Separações radicais podem tornar-se perigosas, na medida em que os rituais religiosos contêm igualmente ingredientes mágicos.
A bem do rigor histórico é preciso que se diga que não existe “uma magia”, “uma bruxaria”, “uma feitiçaria”, ou outras particulares manifestações das práticas mágicas.
Depois da extraordinária renovação do pensamento científico que caracterizou a segunda metade do século XIX, e da longa maturação epistemológica decorrente, muitos significados alteraram-se. Para compreender os atos mágicos, algumas distinções básicas são necessárias, ainda que sem nenhuma pretensão de validade absoluta, pois existirão tantas práticas quantos forem os sistemas culturais e de acordo com as diversas singularidades do mental coletivo.
A bem do rigor histórico é preciso que se diga que não existe “uma magia”, “uma bruxaria”, “uma feitiçaria”, ou outras particulares manifestações das práticas mágicas.
Depois da extraordinária renovação do pensamento científico que caracterizou a segunda metade do século XIX, e da longa maturação epistemológica decorrente, muitos significados alteraram-se. Para compreender os atos mágicos, algumas distinções básicas são necessárias, ainda que sem nenhuma pretensão de validade absoluta, pois existirão tantas práticas quantos forem os sistemas culturais e de acordo com as diversas singularidades do mental coletivo.
Além disso, novos caminhos apresentam-se ao historiador contemporâneo, que privilegia os estudos dos simbolismos, das representações mentais, da magia, do mito e do parentesco, o que o leva a ver com precaução os sistemas gerais de classificação ou as sínteses antropológicas, antes de qualquer retomada conceitual.
A linguagem, mola mestra da cultura, é o elemento básico para a investigação da episteme de um determinado grupo, localizado no tempo e no espaço. Ela constitui-se em meio fundamental para a percepção psico-histórica, conforme já apontara Lucien Febvre (o historiador das mentalidades). Febvre define a linguagem escrita como o principal modo de expressão do campo percepcional de uma comunidade.(FEBVRE, 1953,p.211)
A linguagem, mola mestra da cultura, é o elemento básico para a investigação da episteme de um determinado grupo, localizado no tempo e no espaço. Ela constitui-se em meio fundamental para a percepção psico-histórica, conforme já apontara Lucien Febvre (o historiador das mentalidades). Febvre define a linguagem escrita como o principal modo de expressão do campo percepcional de uma comunidade.(FEBVRE, 1953,p.211)
A literatura captará essa linguagem nos documentos e papéis, vestígios (traces) que fixam a ortodoxia cristã e nos quais podem ser encontradas as pegadas do universo mágico. Lembranças de lugares- comuns e todo um manancial das mais diversas manifestações culturais, seus restos e tempos reunidos em coerências mentais, constituem o “mental coletivo” de que se fala, no qual devem ser buscadas as continuidades, as perdas, as rupturas, enfim, a reprodução mental das sociedades.
Embora apareçam como práticas interpenetradas e, em certo sentido, confundidas, resta tentar esclarecer as especificidades das personagens ligadas às diferentes práticas mágicas, visando maior adequação à realidade histórica no Ocidente cristão. Bruxos, feiticeiros, magos propriamente ditos e padres com função mágica, entre outras distinções que dificultam a compreensão, estão entre tantos nomes existentes para identificar as profissões ocultas.
Embora apareçam como práticas interpenetradas e, em certo sentido, confundidas, resta tentar esclarecer as especificidades das personagens ligadas às diferentes práticas mágicas, visando maior adequação à realidade histórica no Ocidente cristão. Bruxos, feiticeiros, magos propriamente ditos e padres com função mágica, entre outras distinções que dificultam a compreensão, estão entre tantos nomes existentes para identificar as profissões ocultas.
Mesmo que, desde a Bíblia, os textos antigos falem em Cam, o filho maldito de Noé, fundador de uma raça de mágicos idólatras, a nítida distinção entre as práticas mágicas não é encontrada em nenhum manual de feitiçaria. São registradas apenas nuances nos livros dos teólogos, que fazem a diferença superficial entre “magia branca” ou “negra”, um saber “um pouco mau” ou um saber “muito mau".
No Brasil, a umbanda é considerada a “magia branca”; a “magia negra”, praticada com maus propósitos é ainda denominada, dependendo da circunstância, bruxaria (tida como sinônimo de feitiço, feitiçaria, sortilégio) ou necromancia ou nigromancia (adivinhação pela invocação dos espíritos). Já a “magia simpática” é a que pretende ter ação sobre pessoa ou objeto distante, do qual se detém uma parte. (Novo Aurélio, 1999, p. 1254.)
De origem divina – “só Deus ensina os grandes segredos” –, a magia não é forçosamente boa. Há registros de invocações terríveis, sulfurosas e até mortais, logo seu emprego ser quase sempre negativo ou discutível. Na verdade, a magia, sobretudo em sua forma popular, nunca é completamente branca, pois fazer o bem a alguns por meio de determinados métodos pode, em contrapartida, significar fazer o mal a outros... Também não é completamente negra, pois se fosse francamente diabólica ou assim se apresentasse, não teria reunido padres, adeptos de uma pequena mágica/feitiçaria inocente, à qual se convertiam para fazer o bem.
É interessante salientar que, ao pronunciar alguns encantamentos para vencer a esterilidade feminina ou curar pequenos problemas, esses religiosos, movidos por bons propósitos, redobravam os sinais da cruz com o intuito de reforçar a fé.
Embora obscura ao designar o pior e o melhor, a palavra magia, quando empregada nos livros eruditos pelos autores cristãos da Idade Média, referia conhecimentos superiores que possibilitavam conhecer as grandes leis do universo ou a cura pelas plantas (magia naturalis). A menos nobre, a pequena magia de não-mestres (em francês sorcellerie), defendida pela Igreja, utilizava o saber e previa o futuro com fins “pouco elevados”.
Embora obscura ao designar o pior e o melhor, a palavra magia, quando empregada nos livros eruditos pelos autores cristãos da Idade Média, referia conhecimentos superiores que possibilitavam conhecer as grandes leis do universo ou a cura pelas plantas (magia naturalis). A menos nobre, a pequena magia de não-mestres (em francês sorcellerie), defendida pela Igreja, utilizava o saber e previa o futuro com fins “pouco elevados”.
Doutrina dos magos para o dicionário, a magia é considerada a arte ou ciência oculta para produzir – por meio de atos, palavras e por interferência de espíritos, gênios e demônios – efeitos e fenômenos extraordinários, contrários às leis naturais.
Na antropologia, designa o conjunto de saberes, crenças e práticas, relativamente institucionalizados dentro de um grupo social, que respondem à necessidade de manipular certas forças impessoais ou indecifráveis, manifestas na natureza, na sociedade ou nos indivíduos. Os gregos distinguiam três grandes categorias mágicas em sua origem: o taumaturgo (de thaumatourgós), curandeiro que fazia milagres, intérprete dos sonhos, enviado pelos deuses; o goès (que vem de lamentações, imprecações), também chamado mestre do fogo e do voo mágico, altamente suspeito por manipular a ilusão e praticar uma espécie de magia com a qual evocava os espíritos malignos. Técnico do êxtase, de quem Cassandra (profetisa detentora do “êxtase e do entusiasmo”) é a encarnação feminina, o goès era um inspirado, primo do misterioso xamã oriental. Por último, abaixo nessa hierarquia, o pharmakos, apoticário dos filtros, das drogas e dos venenos. BECHTEL, 1997, em capítulo intitulado “L’éternel maléfice”, p. 13-54.
Palavra de origem iraniana, incorporada pelo grego (mageia), a magia era utilizada para exprimir uma forma especial de relação com o sobrenatural. Em seu livro La sorcellerie, Jean Palou, um dos pioneiros a estudar o assunto na contemporaneidade, define a magia como a arte de comandar as forças do mal. (PALOU, 1995,p.8-17)
Palavra de origem iraniana, incorporada pelo grego (mageia), a magia era utilizada para exprimir uma forma especial de relação com o sobrenatural. Em seu livro La sorcellerie, Jean Palou, um dos pioneiros a estudar o assunto na contemporaneidade, define a magia como a arte de comandar as forças do mal. (PALOU, 1995,p.8-17)
A feitiçaria, a de tentar comandá-las. Iniciado nos grandes mistérios, além de mestre o mago era considerado um homem de ciência, enquanto o feiticeiro, um aprendiz das aldeias, conhecedor apenas dos pequenos mistérios. Em consequência, a magia aparece em muitas obras de referência como arte ou pré-ciência, entre as formulações avançadas. No mago haveria conhecimento real; no feiticeiro, vulgarização.
Entretanto, se o mágico ou mago arriscava apenas a alma aos olhos dos crentes, protegido que era pelos grandes que o consultavam e em cuja corte vivia, o feiticeiro arriscava a alma e a vida, pois era sobre ele que se acumulavam ódios e invejas dos irmãos de miséria. Esta concepção de Palou antecipa em trinta anos os conceitos de Guy Bechtel (1997/2000), para quem ninguém define exatamente onde termina a magia ou começa a feitiçaria.
Entretanto, se o mágico ou mago arriscava apenas a alma aos olhos dos crentes, protegido que era pelos grandes que o consultavam e em cuja corte vivia, o feiticeiro arriscava a alma e a vida, pois era sobre ele que se acumulavam ódios e invejas dos irmãos de miséria. Esta concepção de Palou antecipa em trinta anos os conceitos de Guy Bechtel (1997/2000), para quem ninguém define exatamente onde termina a magia ou começa a feitiçaria.
Ao confrontar o feiticeiro com o mágico, esse historiador reforça em muitos aspectos a interpretação de Palou, acrescentando, porém, ao feiticeiro, a função de subalterno, imitador diante de seu modelo, um algebrista face ao médico, um empírico frente ao cientista. Sendo mestre, o mágico é iniciado nos grandes mistérios. Nesta medida, a magia será a ciência dos que sabem e a feitiçaria a aproximação dos que gostariam de saber. (BECHTEL, 1997,p.50)
Talvez esteja aqui a distinção capital feita por esses estudiosos, sem esquecer, contudo, que a magia era para ambos uma concepção de mundo, uma visão esclarecida, extra lúcida, ao considerarem o universo suscetível de modificações por outros meios que não os materiais. Ao distinguir a magia antiga da que se tornará diabólica, é importante observar que nem o mago, nem a feiticeira eram inicialmente serviçais do Diabo, apenas comandavam os espíritos. A magia dominadora dos primeiros séculos da era cristã apaga-se cada vez mais ante a feitiçaria vulgar encontrada nos bairros mais pobres. As superstições medíocres ascendem das classes inferiores às superiores; os filtros, as drogas, os preparados e as poções mágicas tomam cada vez maior espaço nos níveis mais elevados da sociedade.
Nessa evolução, uma figura estereotipada anuncia a feiticeira medieval, a estrige (strige, stix, stria, striga), mulher que voava à noite para frequentar reuniões, desencadear ventos, tempestades e fabricar unguentos e venenos. Do magus passa-se ao maleficus (feiticeiro) e de modo cada vez mais célere à maléfica (feiticeira).
REFERÊNCIAS
BECHTEL, G. La sorcière et l’Occident. Paris: Plon, 1997.
BECHTEL, G. Les quatre femmes de dieu: la putain, la sorcière, la sainte et la Bécassine. Paris: Plon, 2000.
ELIADE, M. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
FEBVRE, L. Combats pour la histoire. Paris: Armand Colin, 1953.
GABORIT, L. As feiticeiras. Dicionário de mitos literários. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1997.
NOGUEIRA, C. R. O Diabo no imaginário cristão. São Paulo: Ática, 1986.
NOGUEIRA, C. R. Bruxaria e história: as práticas mágicas no Ocidente Cristão. São Paulo: Ática, 1991.
PALOU, J. La sorcellerie. Paris: PUF, 1995.
PALOU, J. La sorcière et l’Occident. 1997.
SCLIAR, M. Mito ou verdade? Zero Hora, 30 set. 2000. Caderno Vida, p. 2.
SOUZA, L. M. e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
REFERÊNCIAS
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