O nosso tempo é marcado por um momento de forte retomada das experiências de espiritualidade. As pessoas estão cansadas de confiar nas capacidades humanas, no paradigma civilizacional, na racionalidade vigente e no sistema político-econômico que frustra as expectativas de melhores condições de vida e afogadas por uma realidade onde o ter é cada vez mais valorizado em detrimento do ser. Sentem-se impotentes frente às problemáticas da nossa era, sustentada pela lógica que coloca o mercado como supremo valor. É o grande ídolo da modernidade, um deus que exige sacrifícios de vidas humanas, não perdoa nem houve o clamor dos que sofrem. Por isso cresce a busca e o despertar para algo que dê sentido às suas vidas. As inquietações da crise de sentido, diante do anseio de paz de espírito e de libertação dos sentimentos de medo e ansiedade (NOLAN, 2008) e da sensação de vazio interior, estão conduzindo homens e mulheres a procurar respostas nas diversas formas de expressão religiosa, em filosofias e correntes de misticismo e esoterismo. O ser humano procura o Absoluto e manifesta motivação e movimento de quem escolhe percorrer um caminho espiritual (CASTRO, 1998).
Todas as espiritualidades estão no campo da experiência e nutrem o desejo comum de levar o ser humano a mergulhar no Mistério Divino para Nele encontrar o sentido da vida (CASTRO, 1998).
Iniciamos a construção de uma compreensão do que seja espiritualidade conjeturando que “espiritual” é uma dimensão individual e social do ser humano, compreendido em suas dimensões pessoais e institucionais. Do ponto de vista cristão, homens espirituais são aqueles que estão cheios do espírito de Cristo, de certo modo constatável e vivo, esse Espírito invade toda a pessoa, seu jeito de ser e sua atitude manifestando sua força, alegria e vida (LOIS, 1999).
O adjetivo “cristã” é fundamental. O evangelho de Jesus Cristo não é contrário nem adversário ou rival das religiões, cada qual apresenta sua espiritualidade e sua verdade, contudo a “boa notícia” esclarece e valoriza tudo o que nelas existe de bom. Na mensagem de Jesus encontra-se, entretanto, uma novidade jubilosa e singular da qual procede uma espiritualidade original (ESPEJA, 1995). A manutenção e resgate dessa identidade é uma urgência para a Igreja recuperar seu rosto evangélico e profético. Não se confunde com ideologia e nem admite a fuga para outra realidade dividida e independente daquela que vemos e vivemos.
Os grandes autores espirituais cristãos apresentam diferentes definições, todas elas corretas e não excludentes entre si, assim Segundo Galilea analisa os conceitos e sua diversidade:
As diferenças provêm da experiência espiritual dos autores, da síntese teológica que possuíam etc. Foram e continuam comuns as formulações da espiritualidade cristã como “identificação com a vontade do Pai”, ”a vida guiada pelo Espírito”, “a imitação ou seguimento de Jesus Cristo” ou “a vida de graça”. Sem pretender definir a questão, pensamos que a tônica que se deve usar em determinado momento ou lugar para formular a espiritualidade deve ser coerente com a respectiva tônica teológica e pastoral. (GALILEA, 1983)
No Cristianismo Jesus ocupa o lugar central na espiritualidade, isso porque a manifestação máxima da expressão do Espírito, sua característica, seu parâmetro e fonte estão na pessoa de Jesus, em sua vida e ensinamentos (CATÃO, 2009). Na análise de Gustavo Gutierréz: “um modo de ser cristão”, onde o encontro com o Senhor é o ponto de partida do seguimento, do discipulado. A “vida segundo o Espírito” (cf. Romanos 8.4) o que usualmente chamamos de espiritualidade (GUTIERRÉZ, 1987). A acolhida pessoal de Jesus na própria vida reflete três momentos principais: a) conversão, acolher Jesus no Espírito, no coração, o que direciona toda a vida, mergulhar nas profundezas no Espírito, atestada ao receber o batismo sacramental, b) caminhada em seu seguimento, convocados a compartilhar a sua missão, discipulado, de anunciar a sua vida e o seu Reino a todos, c) comunhão decisiva com Jesus no Espírito, iniciando agora a participação eterna da vida de Deus, que é a plena realização de todos nós, filhos de Deus, a grande bem-aventurança (GUTIERRÉZ, 1987). Se essa é a realidade da espiritualidade cristã, a teologia espiritual é a reflexão sobre tal vivência da conversão, caminhada e comunhão, no âmbito pessoal, da comunidade cristã e de toda a Igreja. Por isso, partimos do encontro pessoal com o mestre, do acolhimento do Espírito na vida, e da prática das exigências de seu seguimento e do seu Reino.
REFERÊNCIAS
CASTRO, Valdir José de. Espiritualidade Cristã: mística da realização humana. São Paulo: Paulus, 1998.
CATÃO, Francisco. Espiritualidade Cristã. São Paulo: Paulinas, 2009.
ESPEJA, Jésus. Espiritualidade cristã. Petrópolis: Vozes, 1995.
GALILEA, Segundo. O caminho da espiritualidade: visão da atual renovação cristã. São Paulo: Paulinas, 1983.
GUTIÉRREZ, Gustavo. Beber no próprio poço: Itinerário espiritual de um povo. Petrópolis: Vozes, 1987.
NOLAN, Albert. Jesus Hoje: uma espiritualidade de liberdade radical. São Paulo: Paulinas, 2008.
Nenhum comentário:
Postar um comentário