31 de jan. de 2013

JUSTIÇA


JUSTIÇA SOCIAL E JUSTIÇA INDIVIDUAL
 
Joenildo Fonseca Leite

 
“... um dos argumentos mais poderosos em favor da liberdade
política reside precisamente na oportunidade que ela dá aos
cidadãos de debater sobre valores na escolha das prioridades e de
participar da seleção desses valores.”

Amartya Sen – Desenvolvimento como liberdade. 


A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948 dotou todos os homens de um status de igualdade – “membros da família humana”. E, por conseguinte, de direitos e deveres na manutenção deste. Desta forma, encerra-se a hegemonia do liberalismo nas constituições (direitos negativos) e iniciasse uma nova fase, na qual o Estado tem o dever de agir (direitos positivos) para promover a justiça social e a igualdade entre as pessoas.
Nossa pretensão é demonstrar que a promoção da igualdade e da liberdade é capaz de levar o equilíbrio e a justiça social às parcelas desprivilegiadas da população. Para tanto, trataremos de forma abreviada do conceito de justiça e seus fundamentos.
O conceito de justiça sofreu diversas mutações ao longo de sua “evolução”.  Partiremos, pois, do conceito de justiça como proporção. Desta forma, conforme os ensinamentos de Aristóteles, a justiça está intimamente ligada à vida em sociedade.
Onde, “o justo também será aquele que respeita a lei e que é equitativo”.  Em síntese, o justo por deferência às leis estabelecidas pelos homens e por observâncias aos princípios da igualdade, que se expressam na proporcionalidade.
Na realidade, apesar e em virtude da evolução dos conceitos de justiça, nossa crença é de que este é impreterivelmente uma noção particular, que deve primar pela necessidade e suficiência das ações tendo em vista o resultado almejado.
Parafraseando Beccaria, um ato só é justo quando necessário e condizente com o interesse público. 
          Modernamente, não basta, como definição de justiça, somente a felicidade (Platão), a verdade (Aristóteles), a razão divina (Tomás de Aquino) ou a autonomia da vontade (Kant). É preciso mais para prover nossa sociedade do verdadeiro espírito da justiça. É neste contexto que percebemos a liberdade como um dos fundamentos da igualdade e, por consequência, da justiça. 
Entretanto, não há que se falar em liberdade quando os membros da sociedade não possuem os meios necessários para prover sua subsistência e a dos que deles dependem com dignidade. A liberdade é algo mais complexo e dinâmico do que o “simples” ir e vir, é o poder de se afirmar e subsistir em igualdade com os demais membros de nossa sociedade. 
          Não podemos pensar na valorização dos ideais da Revolução Francesa e dos preceitos da Declaração Universal de Direitos Humanos sem a extinção da apartheid social, que aumenta o fosso entre os dotados dos meios mais do que necessários à sua subsistência e os despossuídos.  Assim, segundo Rousseau (2000, p. 141):
 “... se vemos um punhado de poderosos e de ricos no auge da grandeza e da fortuna, ao passo que a multidão rasteja na obscuridade e na miséria, é porque os primeiros só estimam as coisas de que gozam na medida em que os outros delas carecem e, sem mudar de estado, cessariam de ser felizes se o povo deixasse de ser miserável.”

          Do fragmento acima exposto, deduzimos que a preservação do status quo atual é fundamental à sobrevivência de uma minoria privilegiada em detrimento de uma maioria. Pensamento este que não está em sintonia com as concepções modernas de justiça. Para John Rawls, “o fato de alguns terem menos para que os outros prosperem pode ser útil, mas não é justo”.
          Nossa Carta Magna erigiu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, III – CR/88).  Elegeu, como um de seus objetivos, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução às desigualdades sociais e regionais, promovendo o bem de todos sem preconceitos e discriminações.
          O desenvolvimento, nas palavras de Amartya Sen, “requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”. 
          Desta forma, o conceito de justiça mais eficaz na maximização das liberdades das pessoas é encontrado em John Rawls, “a justiça é a virtude primeira de todas as instituições sociais” – justiça social.  Assim, prover os hipossuficientes dos meios necessários a uma vida digna é dever do Estado, que tem de zelar pelo cumprimento dos “pactos” capazes de promover os princípios da igualdade e da diferença. Princípios estes que são capazes de impulsionar os ajustes necessários às transformações da sociedade na busca da promoção social, econômica, política e cultural. 
          Um povo só se torna realmente justo quando conhece, de forma clara e objetiva, o real significado da palavra justiça.
Infelizmente, o princípio de justiça ainda não é muito bem compreendido pelo povo brasileiro. Uma das causas é que, na Língua Portuguesa, a palavra justiça também é utilizada para referir-se a órgãos do Setor Judiciário, (Justiça do Trabalho, Justiça Federal, Justiça Internacional, etc...). Essa duplicidade na linguagem ajuda a confundir os cidadãos menos esclarecidos.
Já é hora de os brasileiros se conscientizarem de que a palavra justiça refere-se, antes de tudo, a um princípio de equidade, de igualdade proporcional; um princípio de sabedoria que deveria ser utilizado pelo Governo em todas as áreas e, principalmente, pelo Poder Judiciário.
Os brasileiros ainda não entenderam a importância socioeconômica de se levar a sério o princípio de justiça. A maioria dos cidadãos conhece apenas duas situações: ser beneficiado ou ser prejudicado. Infelizmente, a Educação brasileira não nos ensinou a discernir estes extremos e a adotar situações intermediárias. É no ponto médio, entre o benefício e o malefício, que encontramos o que é justo para todos.
Em linhas gerais, ser justo é não oprimir nem privilegiar, não menosprezar nem endeusar, não subvalorizar e tampouco supervalorizar. Ser justo é saber dividir corretamente sem subtrair e sem adicionar (sem roubar ou subornar). Ser justo é não se apropriar de pertences alheios e dar o correto valor a cada coisa e a cada pessoa. Ser justo é estabelecer regras claras sem dar vantagem para uns e desvantagem para outros. Ser justo é encontrar o equilíbrio que satisfaz ou sacrifica, por igual, sem deixar resíduos de insatisfação que possam resultar em desforras posteriores.
A ausência de uma boa educação, nesse sentido, tem propiciado comportamentos extremistas (ora omisso, ora violento) por parte da maioria dos cidadãos. Observe que até pouco tempo a maioria dos brasileiros preferia se calar mesmo diante das inúmeras explorações do nosso dia-a-dia. O maior problema, consequente desse tipo de comportamento surge com o decorrer do tempo. A falta de diálogo para se estabelecer o que é justo e correto, faz o cidadão prejudicado se cansar de ser omisso e partir pra violência (ir direto ao outro extremo). Essas reações têm acontecido até mesmo entre parentes e vizinhos. Por isso, precisamos nos reeducar. Os cristãos, em especial, precisam ensinar ao povo o que é justo e correto para que os cidadãos não se tornem omissos e saibam estabelecer o diálogo ao perceber toda e qualquer injustiça. Se cultivarmos um padrão de comportamento realmente justo, ninguém acumulará motivos para se tornar infeliz, desleal, subornável ou violento.
Em todos os casos de injustiças (profissionais, comerciais, de relacionamento etc.) a pessoa prejudicada deve primeiramente ir até a pessoa injusta lhe pedir que corrija a injustiça. Se não surtir efeito deve levar pelo menos uma outra pessoa para que também dê testemunho (reclame) daquela injustiça. Se, apesar disso, a pessoa injusta não se corrigir, aí então deve levar o caso ao conhecimento das autoridades competentes para que elas determinem a solução. É muito importante entendermos que primeiramente deve haver duas tentativas de diálogo, só depois destas tentativas é que o caso deve ser entregue às autoridades.
Por outro lado, as autoridades precisam agir de maneira totalmente imparcial (sem se inclinar para nenhum dos lados), em respeito aos ensinamentos bíblicos que ordenam que: nem mesmo para favorecer ao pobre se distorça o que é justo, e que sempre se use o mesmo padrão de peso e de medida para qualquer pessoa, seja pobre, rico, analfabeto, doutor, mendigo, autoridade, etc... A sociedade precisa entender que é a prática correta do princípio de justiça que produz a paz social viabilizando a prosperidade de forma ordeira e bem distribuída.
A esperteza, a exploração e a má fé, são técnicas ilusórias que têm vida curta e acidentada. As instituições governamentais, empresas privadas e negócios pessoais, estabelecidos com injustiças, com espertezas, com explorações e má fé, são comparáveis a construções sobre areia porque desmoronam nos dias de tempestades (crises, pragas, acidentes, novas concorrências, etc.). Mas, os negócios estabelecidos de forma justa, com justiça nos preços, nos salários, nos serviços e nos relacionamentos em geral, são comparáveis a construções sobre rocha porque permanecem de pé mesmo depois de grandes tempestades.
Portanto, precisamos abandonar a mania subdesenvolvida de gostar de levar vantagem em tudo, e cultivar a mania desenvolvida de gostar de fazer e receber justiça em tudo. Já é hora de entendermos que a vantagem que se leva hoje se transforma no prejuízo de amanhã, enquanto a justiça que se pratica hoje se transformará no lucro de amanhã.
Comportar-se de forma realmente justa, tanto na hora de dar ou de vender, quanto na hora de cobrar ou de receber, é condição primordial para um povo se tornar pacífico e bem-sucedido.
          A Carta Cidadã brasileira, em sintonia com a evolução dos direitos humanos, reza que a ordem econômica tem como finalidade “assegurar a todos uma existência digna” e em observância aos ditames da justiça social. Assim, é necessário que os que carecem da assistência estatal utilizem-se dos mecanismos oferecidos pela Constituição para fazerem valer seus direitos.
          Em consonância com este entendimento John Rawls acredita que a justiça define-se em virtude de sua realização pelas instituições, que devem corrigir as distorções encontradas na sociedade através da utilização de dois princípios basilares: da igualdade e da desigualdade. É a teoria da justiça em movimento buscando prover os cidadãos dos meios necessários à sua realização nos planos da vida em sociedade.  
          A Declaração Universal dos Direitos Humanos — fruto da necessidade de se compartilhar valores comuns em sociedade — traz o imperativo de se criar medidas de cunho igualitário, que tenham aplicação extensiva a todas as camadas sociais.
Perseguindo, desta forma, o crescimento econômico sustentável em detrimento do avanço nefando do sistema neocapitalista. 
          Hodiernamente, o grande desafio de nossos governantes é a promoção social, política, econômica e cultural em sua plenitude – solidária aos conceitos fundamentais de justiça esboçados neste trabalho. É impossível haver justiça sem que haja igualdade de oportunidades e liberdade para que as pessoas optem por um ou outro modo de vida. 
          Em resumo, “o que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas” (Sen, 2000, p. 19).

REFERÊNCIAS  

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 8 Ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 451.
CHARON, Joel M. Sociologia. São Paulo. Saraiva,1999.
MAFFETTONE, Sebastiano.  VECA, Salvatore.  (orgs.).  A ideia de justiça de Platão a Rawls. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: parte geral. 6 Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. 
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes: Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Martin Claret, 2010.
SEN, Amartya Kumar.  Desenvolvimento como liberdade.  Tradução Laura Teixeira Motta.  São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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