7 de abr. de 2020

ENSINO RELIGIOSO: DIVERSIDADE RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS


DIVERSIDADE RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS: CONHECER, RESPEITAR E CONVIVER

DIVERSIDADE CULTURAL E DIREITOS HUMANOS

Nada é igual no universo! Isso faz da Terra um planeta único e especial, berço de incontáveis formas de vida. Diversidade é a marca do nosso mundo e se manifesta nos ecossistemas naturais e na própria humanidade.
A espécie humana adquiriu formas diversas através do tempo e do espaço. Em contextos históricos específicos, cada sujeito ou grupo social se constitui como ser singular e, ao mesmo tempo, plural, no seio de uma ou de várias culturas, por meio das tramas de relações tecidas com o Outro, o mundo e o desconhecido, produzindo símbolos, conhecimentos, práticas, sentidos e significados que dão sentido à sua vida e ao contexto no qual está inserido. Pela ação e interação dos sujeitos, as culturas constroem formas diversas de ver e ser em determinados tempos, espaços e lugares no qual se encontram circunscritas.
A diversidade cultural, segundo a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, publicada pelas Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2005, p. 5), representa a
[...] multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados.
Resultado da singularidade de cada grupo social e de seus processos de territorialização, a diversidade cultural constitui-se em um dos mais valiosos bens da humanidade. É expressão da riqueza de cada comunidade, portadora de conjuntos de símbolos e significados que servem de referência para a constituição das identidades pessoais e grupais. É uma das fontes do desenvolvimento humano, de ampliação dos horizontes e sentidos, à medida que cada cultura é apenas parte de um mundo complexo que tem muito a aprender com as outras culturas existentes (CECCHETTI, 2008).
A diversidade cultural necessita ser reconhecida, valorizada e compreendida como um patrimônio da humanidade, mesmo quando exige esforços para a convivência entre povos e culturas diversas. Nesse sentido, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, publicada pela UNESCO logo após os atos de terrorismo praticados em setembro de 2001, afirma ser indispensável o reconhecimento da diversidade cultural, pois:
Artigo 1° – A diversidade cultural é patrimônio comum da humanidade: A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade [...]. Artigo 2° – Da diversidade cultural ao pluralismo cultural: Em nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como sua vontade de conviver. [...] Inseparável de um contexto democrático, o pluralismo cultural é propício aos intercâmbios culturais e ao desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida pública. Artigo 3° – A diversidade cultural, fator de desenvolvimento: A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha que se oferecem a todos; é uma das fontes do desenvolvimento, entendida não somente em termos de crescimento econômico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e espiritual satisfatória.
As culturas configuram um mundo simbólico e atribuem significados, limites e possibilidades às formas de como os humanos leem, sentem e experienciam o mundo e a vida, produzindo sentidos e identidades. Desse modo, fornecem o vínculo entre o que os sujeitos são capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam.
Cada cultura, grupo social ou sujeito é uma perspectiva, uma localização, um modo de ver e se relacionar distinto.
O respeito à diversidade cultural é uma das garantias para a promoção dos direitos humanos. É um imperativo ético inseparável do respeito à dignidade humana. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance (UNESCO, 2001).

DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA: APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS

Várias ciências como a antropologia, a arqueologia e a história, entre outras, apontaram a presença do religioso em diferentes culturas, desde tempos imemoriais. Historicamente, os humanos buscam respostas para o enigma do mundo, da vida e, em especial, da morte. Nesse empreendimento, desenvolveram diferentes saberes, linguagens e tecnologias, como as artes, danças, músicas, arquiteturas, símbolos, ritos, mitos, textos, práticas, valores e significados. Inseridos em diferentes territórios e territorialidades, cada sujeito/grupo cultural acabou por produzir diferentes códigos, conhecimentos e sentidos às suas experiências cotidianas, conduzindo o agir humano para além do material e concreto, influenciando na construção de práticas sociais impregnadas pela busca de significação das coisas do mundo (ANDRÉ; LOPES, 1995).
Condicionados por fatores biológicos, geográficos, culturais e sociais, os humanos, desde o princípio, perceberam-se como seres finitos e inconclusos em um mundo imprevisível e inseguro. Mas, ao mesmo tempo, descobriram-se como seres de transcendência, criando inúmeras possibilidades e estratégias para sua sobrevivência.
Para André e Lopes (1995), a transcendência emerge como uma atitude de rebeldia do humano contra os limites do cotidiano buscando superar as condições e limitações por meio do desejo, da intuição e da criatividade. Ao vivenciar situações que estimulam a ruptura provisória das rotinas e a suspensão temporária da lógica cotidiana, emerge uma dimensão simbólica que se expressa no significado misterioso da existência. Ao se tornar consciente de sua finitude, os humanos buscaram respostas para o desconhecido, desenvolvendo conhecimentos que lhe deram condições de intervir no meio social e em si mesmos.
A transcendência se manifesta e desenvolve a partir da percepção do limite que se radicaliza com a presença da morte. Diante dela, a finitude transparece e instaura-se a provisoriedade, pois a certeza da morte estimula o desejo de superação e também abre espaço para um anseio de eternidade.
Assim, a morte, situação limite por excelência, colabora para o aparecimento das primeiras manifestações religiosas que se concentram no culto dos mortos e, por consequência, no culto dos ancestrais (BOWKER, 1995). Essa tentativa de se relacionar com os que habitam em outro tempo, espaço e lugar manifesta-se na forma de mitos, narrativas e textos orais e escritos. Nesses, os objetos do mundo e as ações humanas adquirem um valor particular, tornando-se reais, porque participam de uma realidade que os transcende.
O homem das cavernas, ao pintar os animais, não queria necessariamente promover uma expressão artística, mas desejava através do desenho simbolizar certa magia em busca de proteção e sorte ou como instrução de como deveria agir para conseguir bom êxito em suas caçadas e ações para garantir a vida. Estas manifestações pretendiam registrar a tentativa de dominar o inexplicável, para colocá-lo a seu próprio serviço. Por sua vez, os gestos de adoração presentes nos ritos, festas e celebrações, próprios das religiões, se apresentam como formas de expressão do reconhecimento do Transcendente e do Absoluto. Assim, a descoberta do Transcendente garante a continuidade da vida e o medo da morte pode ser solucionado pelos ritos, magia e mitos. (OLIVEIRA et al., 2007, p. 43).
A raiz do religioso encontra-se na percepção da finitude humana e na busca de respostas que transcendem os limites objetivos do cotidiano. A necessidade de sobreviver e de construir significados fez com que os humanos se constituíssem em relação e interação com a natureza, com determinados grupos sociais e com as forças invisíveis, ocultas e misteriosas – a(s) divindade(s). Dessas relações resultaram conhecimentos que subsidiaram condições materiais de produção da vida e de sentido à existência.
As religiões, portanto, fazem parte da cultura humana, presentes na maioria dos povos, em diferentes contextos históricos. Nas sociedades antigas, de tradição oral, que não dispunham de conhecimentos e tecnologias mais sofisticadas, as religiões significavam uma força muito poderosa na organização da vida social: os elementos naturais eram divinizados, a exemplo do vento, água, terra, fogo, animais e dos astros, e as divindades eram simbolizadas por totens e fetiches.
No universo cultural, é inegável o papel das crenças, movimentos e tradições religiosas, ora influenciando, ora sendo influenciados pelas culturas.
Falar de cultura, tradição e religiões significa abordar elementos que se conectam, coimplicam, pois estão em profunda relação. Esta articulação provém, inclusive, no sentido etimológico de cultura e culto. Ambos têm origem na mesma raiz latina cultus, que significa adoração ao divino/sagrado. Por sua vez, religião, do verbo latino religare, representa a aproximação de pessoas que alimentam crenças comuns, constituindo-se no mais antigo sistema simbólico de coesão social.
As tradições e movimentos religiosos assumiram, ao longo dos tempos, a tarefa de significar a totalidade do mundo e do humano por meio das atribuições de valores de sagrado e profano, puro e impuro, ético e não ético, projetando uma ordem cósmica ao universo dos deuses, seres e humanos.
O conhecimento religioso, resultado do processo cultural da humanidade, produzido por diferentes crenças, filosofias, tradições e/ou movimentos religiosos, entre outros, se constitui em um dos referenciais utilizados pelos sujeitos para (re)construir caminhos, significados, sentidos e respostas a diferentes situações e desafios da vida cotidiana, configurando identidades pessoais e sociais.
As religiosidades, crenças, tradições e movimentos religiosos contribuem e, por vezes, determinam modos de como o ser humano se define e se posiciona no mundo, orientando o relacionamento com seus semelhantes, com o mundo natural e com a(s) divindade(s), possibilitando diferentes vivências religiosas e interpretações de vida (FONAPER, 1997). Podem endossar, subverter os sentidos e alienar as pessoas. Exemplo disso são algumas leituras de caráter religioso decorrentes de hermenêuticas que, utilizadas a favor dos interesses de alguns humanos, transitam e transcriam sentidos e significados, movendo mundos por meio dos interesses pessoais – pronúncias que destroem, mutilam, matam e sentenciam mundos e vidas (RISKE-KOCH, 2007), fato que desafia e mobiliza uma série de atitudes e atividades de ordem pessoal e coletiva em relação ao diferente e às diferenças.

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