DIVERSIDADE RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS:
CONHECER, RESPEITAR E CONVIVER
DIVERSIDADE CULTURAL E DIREITOS HUMANOS
Nada é igual no
universo! Isso faz da Terra um planeta único e especial, berço de incontáveis
formas de vida. Diversidade é a marca do nosso mundo e se manifesta nos
ecossistemas naturais e na própria humanidade.
A espécie humana
adquiriu formas diversas através do tempo e do espaço. Em contextos históricos
específicos, cada sujeito ou grupo social se constitui como ser singular e, ao
mesmo tempo, plural, no seio de uma ou de várias culturas, por meio das tramas
de relações tecidas com o Outro, o mundo e o desconhecido, produzindo símbolos,
conhecimentos, práticas, sentidos e significados que dão sentido à sua vida e
ao contexto no qual está inserido. Pela ação e interação dos sujeitos, as
culturas constroem formas diversas de ver e ser em determinados tempos, espaços
e lugares no qual se encontram circunscritas.
A diversidade
cultural, segundo a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais, publicada pelas Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura (UNESCO, 2005, p. 5), representa a
[...] multiplicidade de formas pelas quais as
culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são
transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se
manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece
e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das
expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação,
produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer
que sejam os meios e tecnologias empregados.
Resultado da singularidade de cada grupo
social e de seus processos de territorialização, a diversidade cultural
constitui-se em um dos mais valiosos bens da humanidade. É expressão da riqueza
de cada comunidade, portadora de conjuntos de símbolos e significados que
servem de referência para a constituição das identidades pessoais e grupais. É
uma das fontes do desenvolvimento humano, de ampliação dos horizontes e
sentidos, à medida que cada cultura é apenas parte de um mundo complexo que tem
muito a aprender com as outras culturas existentes (CECCHETTI, 2008).
A diversidade
cultural necessita ser reconhecida, valorizada e compreendida como um
patrimônio da humanidade, mesmo quando exige esforços para a convivência entre
povos e culturas diversas. Nesse sentido, a Declaração Universal sobre a
Diversidade Cultural, publicada pela UNESCO logo após os atos de terrorismo
praticados em setembro de 2001, afirma ser indispensável o reconhecimento da
diversidade cultural, pois:
Artigo 1° – A diversidade cultural é
patrimônio comum da humanidade: A cultura adquire formas diversas através do
tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na
pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que
compõem a humanidade [...]. Artigo 2° – Da diversidade cultural ao pluralismo cultural:
Em nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável
garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades
culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como sua vontade
de conviver. [...] Inseparável de um contexto democrático, o pluralismo
cultural é propício aos intercâmbios culturais e ao desenvolvimento das
capacidades criadoras que alimentam a vida pública. Artigo 3° – A diversidade
cultural, fator de desenvolvimento: A diversidade cultural amplia as
possibilidades de escolha que se oferecem a todos; é uma das fontes do
desenvolvimento, entendida não somente em termos de crescimento econômico, mas
também como meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e
espiritual satisfatória.
As culturas
configuram um mundo simbólico e atribuem significados, limites e possibilidades
às formas de como os humanos leem, sentem e experienciam o mundo e a vida,
produzindo sentidos e identidades. Desse modo, fornecem o vínculo entre o que
os sujeitos são capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam.
Cada cultura, grupo
social ou sujeito é uma perspectiva, uma localização, um modo de ver e se
relacionar distinto.
O respeito à
diversidade cultural é uma das garantias para a promoção dos direitos humanos.
É um imperativo ético inseparável do respeito à dignidade humana. Ninguém pode
invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo
direito internacional, nem para limitar seu alcance (UNESCO, 2001).
DIVERSIDADE CULTURAL RELIGIOSA: APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS
Várias ciências como
a antropologia, a arqueologia e a história, entre outras, apontaram a presença
do religioso em diferentes culturas, desde tempos imemoriais. Historicamente,
os humanos buscam respostas para o enigma do mundo, da vida e, em especial, da
morte. Nesse empreendimento, desenvolveram diferentes saberes, linguagens e
tecnologias, como as artes, danças, músicas, arquiteturas, símbolos, ritos,
mitos, textos, práticas, valores e significados. Inseridos em diferentes
territórios e territorialidades, cada sujeito/grupo cultural acabou por
produzir diferentes códigos, conhecimentos e sentidos às suas experiências
cotidianas, conduzindo o agir humano para além do material e concreto,
influenciando na construção de práticas sociais impregnadas pela busca de
significação das coisas do mundo (ANDRÉ; LOPES, 1995).
Condicionados por
fatores biológicos, geográficos, culturais e sociais, os humanos, desde o
princípio, perceberam-se como seres finitos e inconclusos em um mundo
imprevisível e inseguro. Mas, ao mesmo tempo, descobriram-se como seres de
transcendência, criando inúmeras possibilidades e estratégias para sua
sobrevivência.
Para André e Lopes
(1995), a transcendência emerge como uma atitude de rebeldia do humano contra
os limites do cotidiano buscando superar as condições e limitações por meio do
desejo, da intuição e da criatividade. Ao vivenciar situações que estimulam a
ruptura provisória das rotinas e a suspensão temporária da lógica cotidiana,
emerge uma dimensão simbólica que se expressa no significado misterioso da
existência. Ao se tornar consciente de sua finitude, os humanos buscaram
respostas para o desconhecido, desenvolvendo conhecimentos que lhe deram
condições de intervir no meio social e em si mesmos.
A transcendência se
manifesta e desenvolve a partir da percepção do limite que se radicaliza com a
presença da morte. Diante dela, a finitude transparece e instaura-se a
provisoriedade, pois a certeza da morte estimula o desejo de superação e também
abre espaço para um anseio de eternidade.
Assim, a morte,
situação limite por excelência, colabora para o aparecimento das primeiras
manifestações religiosas que se concentram no culto dos mortos e, por
consequência, no culto dos ancestrais (BOWKER, 1995). Essa tentativa de se
relacionar com os que habitam em outro tempo, espaço e lugar manifesta-se na
forma de mitos, narrativas e textos orais e escritos. Nesses, os objetos do
mundo e as ações humanas adquirem um valor particular, tornando-se reais, porque
participam de uma realidade que os transcende.
O homem das cavernas,
ao pintar os animais, não queria necessariamente promover uma expressão
artística, mas desejava através do desenho simbolizar certa magia em busca de
proteção e sorte ou como instrução de como deveria agir para conseguir bom
êxito em suas caçadas e ações para garantir a vida. Estas manifestações
pretendiam registrar a tentativa de dominar o inexplicável, para colocá-lo a
seu próprio serviço. Por sua vez, os gestos de adoração presentes nos ritos,
festas e celebrações, próprios das religiões, se apresentam como formas de
expressão do reconhecimento do Transcendente e do Absoluto. Assim, a descoberta
do Transcendente garante a continuidade da vida e o medo da morte pode ser
solucionado pelos ritos, magia e mitos. (OLIVEIRA et al., 2007, p. 43).
A raiz do religioso
encontra-se na percepção da finitude humana e na busca de respostas que
transcendem os limites objetivos do cotidiano. A necessidade de sobreviver e de
construir significados fez com que os humanos se constituíssem em relação e
interação com a natureza, com determinados grupos sociais e com as forças
invisíveis, ocultas e misteriosas – a(s) divindade(s). Dessas relações
resultaram conhecimentos que subsidiaram condições materiais de produção da
vida e de sentido à existência.
As religiões,
portanto, fazem parte da cultura humana, presentes na maioria dos povos, em
diferentes contextos históricos. Nas sociedades antigas, de tradição oral, que
não dispunham de conhecimentos e tecnologias mais sofisticadas, as religiões
significavam uma força muito poderosa na organização da vida social: os
elementos naturais eram divinizados, a exemplo do vento, água, terra, fogo,
animais e dos astros, e as divindades eram simbolizadas por totens e fetiches.
No universo cultural,
é inegável o papel das crenças, movimentos e tradições religiosas, ora
influenciando, ora sendo influenciados pelas culturas.
Falar de cultura,
tradição e religiões significa abordar elementos que se conectam, coimplicam,
pois estão em profunda relação. Esta articulação provém, inclusive, no sentido
etimológico de cultura e culto. Ambos têm origem na mesma raiz latina cultus,
que significa adoração ao divino/sagrado. Por sua vez, religião, do verbo
latino religare, representa a aproximação de pessoas que alimentam crenças
comuns, constituindo-se no mais antigo sistema simbólico de coesão social.
As tradições e
movimentos religiosos assumiram, ao longo dos tempos, a tarefa de significar a
totalidade do mundo e do humano por meio das atribuições de valores de sagrado
e profano, puro e impuro, ético e não ético, projetando uma ordem cósmica ao
universo dos deuses, seres e humanos.
O conhecimento
religioso, resultado do processo cultural da humanidade, produzido por
diferentes crenças, filosofias, tradições e/ou movimentos religiosos, entre
outros, se constitui em um dos referenciais utilizados pelos sujeitos para
(re)construir caminhos, significados, sentidos e respostas a diferentes
situações e desafios da vida cotidiana, configurando identidades pessoais e
sociais.
As religiosidades,
crenças, tradições e movimentos religiosos contribuem e, por vezes, determinam
modos de como o ser humano se define e se posiciona no mundo, orientando o
relacionamento com seus semelhantes, com o mundo natural e com a(s)
divindade(s), possibilitando diferentes vivências religiosas e interpretações
de vida (FONAPER, 1997). Podem endossar, subverter os sentidos e alienar as
pessoas. Exemplo disso são algumas leituras de caráter religioso decorrentes de
hermenêuticas que, utilizadas a favor dos interesses de alguns humanos,
transitam e transcriam sentidos e significados, movendo mundos por meio dos
interesses pessoais – pronúncias que destroem, mutilam, matam e sentenciam
mundos e vidas (RISKE-KOCH, 2007), fato que desafia e mobiliza uma série de
atitudes e atividades de ordem pessoal e coletiva em relação ao diferente e às
diferenças.
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