Para fazermos uma reflexão sobre a vocação a que somos chamados, que é a vida eterna que passa pela morte, faz-se necessário entrar na categoria tempo.
Tempo e eternidade são categorias que utilizamos para dar uma concepção do curso da nossa vida humana como vida histórica.
Dentro dessa história, somos pessoas chamadas a uma vocação, chamamento para a eternidade.
Na cultura grega, a palavra aiôn quer dizer tempo, que denota um longo espaço ocupado por esta concepção que damos a ele.
Eternidade, por sua vez, não é uma concepção desconectada da vida cotidiana, mas a noção mais completa do tempo, visão que a pessoa adquire, ou melhor, conquista com a experiência de vida. O tempo se torna eternidade quando chega a sua plenitude, que é a vida eterna.
Do ponto de vista teológico, a eternidade do tempo em que a pessoa vive imersa nele conecta-se ao Deus Criador, enquanto a provisoriedade é típica da pessoa humana como criatura.
Nessa provisoriedade do tempo, a pessoa realiza sua vocação para a eternidade.
Todos somos chamados à vida. A morte é passagem necessária para a vida a que Deus nos chama. Ele não nos chama para a morte, mas para a vida que passa pela morte.
A morte é cruel, por isso ela não pode ser um chamado. Deus rejeita a morte porque ela entrou na vida pelo pecado. O apóstolo Paulo já diz isso e não há o que discutir: A morte entrou no mundo pelo pecado (Romanos 5.12).
Jesus, na sua Última Ceia com os seus, mostrou aos apóstolos como se sentia diante da morte que se aproximava e como desejava ardentemente viver a vida eterna com o Pai.
Para termos uma concepção fundamentada de como também nós podemos chegar onde Jesus chegou na sua vida terrena, escolhemos partir das palavras escritas nas Escrituras (Bíblia Sagrada).
As comunidades cristãs podem ser vistas como caixas de ressonância desse momento que viveram junto ao Mestre, pouco antes de sua morte. Recebendo destas comunidades os princípios que nos deixaram pela experiência feita por elas.
O evangelista Marcos demonstra preocupação com a conversão da pessoa que ainda não fez um caminho a partir de fora para dentro de si mesma, a fim de imergir no mistério de Jesus. Marcos aponta para sua comunidade três elementos essenciais para a iniciação da pessoa no mistério de Deus apresentado por Jesus Cristo, o Enviado do Pai: o caminho de conversão em deixar-se encontrar com o Deus de Jesus Cristo; o conhecimento experimental que nasce do processo de conversão; e a abertura da pessoa ao mistério do Cristo morto e ressuscitado.
O grande problema da comunidade de Marcos é o medo da perseguição e o terror de ser submetida a ela. Por isso, elaborou para a sua comunidade tudo aquilo que era útil para falar-lhe de um dos momentos altamente significativos da vida e missão do Mestre na hora derradeira de sua passagem deste mundo para o Pai na Última Ceia.
“Enquanto comiam, ele tomou um pão, abençoou, partiu-o e distribui-lhes, dizendo: Tomai, isto é o meu corpo. Depois, tomou o cálice e, dando graças, deu-lhes, e todos dele beberam. E disse-lhes: Isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado em favor de muitos. Em verdade vos digo, já não beberei do fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus” (MARCOS 14. 22-25).
Destaca-se como primeiro elemento compreender o significado das palavras que Marcos coloca nos lábios de Jesus nesta refeição: (...) já não beberei do fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo no Reino de Deus (Marcos 14.25).
Com esta afirmação, o evangelista quer explicar à sua comunidade que o Reino que aponta para a eternidade vem representado pela refeição em que Jesus parte o pão, sinal eficaz que declara já realizada a hora escatológica, a de sua própria morte. Esta ligação é reatada na consistência de um pão e de um vinho, identificados com ele mesmo e sempre partilhados.
A seguir, queremos colocar em evidência o significado do vinho como fruto da videira. A comunidade deve trocar as coisas velhas em que acredita pelas novas apontadas por Jesus na sua última refeição com os discípulos para dar-lhes entender que o verdadeiro poder vem da sua morte e ressurreição, e não de um triunfalismo humano. O vinho sinaliza a Aliança que brotou do sofrimento de Jesus ao se encontrar diante do momento crucial da sua vida, que do Jardim das Oliveiras o levou à cruz.
Quando Jesus afirma que beberá do vinho novo do Reino de Deus ele está qualificando o tempo pleno, o tempo de Deus em seu sentido estrito: o tempo do Eterno que abre a eternidade para cada pessoa chamada a viver sua vocação para a vida eterna que passa pela morte.
A comunidade de Marcos tinha medo da missão porque não queria acabar como Jesus acabou sua vida. Na prática, podemos estar também na mesma situação da comunidade de Marcos.
Temos medo de arriscar, nos deixamos paralisar diante de muitas e variadas situações onde precisamos avançar, medimos as consequências e, por fim, perdemos a consciência de que fomos chamados para seguir Jesus Cristo. Se realmente, O seguimos, onde foi acabar a vida dele?
Realizar na vida terrena a vocação a que somos chamados significa que todos os nossos empreendimentos pelo Reino não podem ter um resultado apenas imediato. Esta atitude é própria de quem continua tomando do vinho velho a que já se acostumou. Com esta afirmação não queremos excluir o retorno necessário e suficiente que é justo verificar em nossa prática aberta a todos os campos do nosso povo.
A construção do Reino não pode parar na sua dimensão histórica, terrena, mas deve apontar para a dimensão de eternidade que a nossa prática já traz dentro dela ao se encarnar na realidade em que se dá o anúncio deste Reino como Boa Notícia.
Explicitar esta última dimensão da nossa prática exige de cada um e de cada uma que tenhamos uma competência pastoral não só de títulos, mas também de sabedoria bíblica e experiência de fé de forma que a nossa linguagem e o nosso testemunho sejam inteligíveis às pessoas a quem nos dirigimos.
O Salmo 54 nos faz esta advertência: “Seja uma pessoa atenta ao meu saber e presta ouvidos à minha inteligência”.
Dar forma à dimensão de eternidade a tudo o que fazemos deve nos abrir aos gemidos do Espírito que clama em nós por esta vivência durante a nossa vida de paroquianos e de paroquianas, isto é, gente de passagem por esta vida na comunidade de fé.
As nossas Comunidades de fé, Círculos Bíblicos, reuniões de culto e outras Organizações ou Movimentos que se criam nas bases ministeriais, podem e gostam de assimilar o sentido último das atividades e compromissos que assumem pela construção do Reino. Este sempre engloba e abraça a realidade toda na qual nossos irmãos se doam ao serviço porque acreditam e vivem o chamado do Senhor.
Na versão do evangelista Mateus sobre as palavras de instituição na Ceia do Senhor não é mais que uma forma ampliada de Marcos e não tem, portanto, valor de fonte autônoma com o fim de estabelecer a forma originária.
Na história da tradição, os acréscimos na redação dos ditos da Ceia atribuída a Mateus devem ser compreendidos sobre o transfundo da prática do perdão: ele acentua a narrativa de instituição da comunhão na Última Ceia de Jesus, com as palavras: em remissão dos pecados (Mateus 26.28). Vejamos a narrativa:
“Enquanto comiam, Jesus tomou um pão e, tendo-o abençoado, partiu-o e, distribuindo-o aos seus discípulos, disse: Tomai e comei, isto é meu corpo, Depois tomou um cálice e, dando graças, deu-lho dizendo: Bebei dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da Aliança, que é derramado por muitos para a remissão dos pecados. Eu vos digo: desde agora não beberei deste fruto até aquele dia em que convosco beberei o vinho novo no Reino do meu Pai” (MATEUS 26.26-29).
O primeiro elemento que vem ligado à irrupção do Reino é a reunião da comunidade em torno da mesma mesa. O texto do Antigo Testamento que o evangelista cita para dar fundamento à sua narrativa é o do Êxodo 24.8, ocasião em que Moisés se dirige ao povo com estas palavras: “este é o sangue da Aliança que Javé fez com seu povo”.
A Ceia do Senhor constitui, portanto, a garantia da Aliança que se atualiza no Cristo Jesus. A remissão dos pecados vem unida ao sangue de Cristo vertido na Cruz, como os sacrifícios de ontem (Levítico 17.11; Êxodo 24.8), para que haja a comunhão com o Deus anunciado por Jesus Cristo.
O segundo elemento que nos conscientiza a viver em estado de certeza de que o Senhor Jesus não partiu, mas ficou e está presente em lugares muito concretos no meio de nós, é a prática dos ensinamentos contidos nos capítulos 24 e 25 do tratado de Mateus. Tive fome e não me destes de comer. Tive sede e não me destes de beber. Estive nu e não me vestistes. Toda vez que deixastes de fazer isso a um desses pequeninos foi a mim que o deixastes de fazer (Mateus 25).
Esta é a Cristologia viva e forte que o evangelista podia apresentar para induzir sua comunidade a fazer a experiência do amor de Deus no Senhor ressuscitado que fundamenta a Igreja. O anúncio levado ao pequeno e ao pobre dá a estrutura terrena à comunidade de fé cristã em vista de sua plenitude.
Por fim, Mateus insiste na paternidade divina de Jesus: “desde agora, não beberei deste fruto até aquele dia em que convosco beberei o vinho novo no Reino do meu Pai” (Mateus 26.29).
A proposta de Mateus à sua comunidade é a apresentação de uma estrutura nova da Igreja que anuncia Jesus Cristo, em primeiro lugar, a partir do pequeno e do pobre. Ele inverte os valores dados pela comunidade para dar a ela um rosto concreto. Parte da pessoa dos pequenos, dos que precisam da ajuda do outro, dos que estão fora dos círculos sociais, dos que não têm peso histórico, político, religioso na sociedade estruturada pelos grandes e poderosos.
Parece-nos urgente fazer esta avaliação na organização das nossas comunidades populares e religiosas também. Organizar a congregação de fé cristã sempre a partir do membro mais necessitado.
A partir do pequeno e do mais necessitado podemos chegar a todos os outros membros da comunidade atendida. A pessoa do menor, daquele que não consegue fazer tudo o que todos fazem, pode e deve ser o critério adotado.
A vida que domina a morte irrompe em nós quando assumimos a proposta evangélica dos capítulos 24 e 25 apresentados pelo evangelista. Toda vez que que me destes de beber, toda vez que me vestistes e me visitastes quando estava preso foi a mim que o fizestes.
É esta a dimensão cristã que celebramos na Ceia do Senhor quando nos reunimos para cultuarmos a Deus todas as semanas. Participar da Ceia do Senhor tem outro alcance teológico: sentar-se à mesa do Senhor é deixar-se redimir dos pecados cometidos crendo no sacrifício perfeito em Cristo Jesus, trazendo sempre em memória o que Ele fez por todos nós.
Parece-nos que este é um outro ponto que nos abre um espaço para o resgate de forma adequada e atual — nem tanto ao céu e nem tanto à terra — à prática da Restauração e Reconciliação.
Como nas demais narrativas, salta aos olhos o grande desejo de vida plena que Jesus tem em vista da realização do Projeto querido pelo Pai. O desejo de Jesus para que a vida do Reino chegue quanto antes parece estar colocando uma delimitação ao tempo presente para que este se abra para a eternidade. Em Lucas vamos encontrar esta narrativa:
“Quando chegou a hora, ele se pôs à mesa com seus apóstolos e disse-lhes: Desejei, ardentemente, comer esta páscoa convosco antes de sofrer; pois, eu vos digo que não a comerei até que ela se cumpra no Reino de Deus. Então, tomando um cálice, deu graças e disse: Tomai isto e reparti entre vós; pois, eu vos digo que doravante não beberei do fruto da videira, até que venha o Reino de Deus.
E tomou um pão, deu graças, partiu e distribui-o a eles, dizendo: Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em minha memória, E, depois de comer fez o mesmo com o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado em favor de vós” (LUCAS 22.14-20).
O elemento que se antecipa aqui neste texto é o da chegada do Reino. As expressões do evangelista, “até que ela — a Páscoa — se cumpra (...)” se referem à chegada desse Reino.
Jesus demonstra consciência de que da morte irromperá o Reino, o qual abre as portas da vida plena para todas as pessoas que acreditam no anúncio e na pessoa de Jesus como ardentemente deseja.
Segue-se o elemento do Jesus VIVENTE/RESSURRETO. Segundo exegetas, o Vivente não significa um que está ainda em vida, mas que é a Fonte da Vida mesma. E aquele que entrou em um mundo que é o de Deus, o Vivente por essência.
O profeta Ezequiel diz: devemos cingir a cabeça com o diadema da glória do Eterno (Ezequiel 5.11). O Ressuscitado é o Eterno, aquele que vive a mesma Vida do Deus vivo.
Um terceiro elemento de vida eterna que passa pela morte vamos encontrar no significado das palavras êxodo e ascensão.
Êxodo das trevas, da escravidão para uma ascensão que é a entrada na vida plena. Lucas é o único evangelista que fala da morte de Jesus como êxodo e de saída deste mundo para o Pai como ascensão.
Para melhor explicar este processo de vida, o evangelista usa a metáfora da semente da nova vida (Lucas 8.11-15), que Jesus apresenta como Parábola. Esta semente deve morrer depois de ter sido plantada na história da nossa vida humana para deixar lugar a uma nova vida.
Em Lucas (8.4-8), ele faz esta interpretação: o semeador é Deus, origem da nova vida, a semente é a Palavra de Deus, o Filho, colocada no coração das pessoas; a terra representa a condição humana para a germinação da semente, que seria a história de cada um; o fruto é a nova vida que a semente produz.
Outro elemento exigido pela vida plena é o da transformação do coração humano, como aconteceu com os discípulos de Emaús (Lucas 24.31s). Quando estes abriram os olhos, levantaram-se e foram para Jerusalém narrar os acontecimentos do Ressuscitado às mulheres e aos seus companheiros (Lucas 24.33-35).
O evangelista nos mostra que é na morte da semente que está o princípio da verdadeira vida trazida pelo Ressuscitado. Estamos dispostos a morrer para dar fruto como a semente?
Por último, pode-se ressaltar a mentalidade universal de Lucas, que inclui nos méritos da doação total do Filho de Deus as pessoas que não creem. É uma pedagogia que se faz urgente aprender hoje.
Só Lucas fala que o centurião romano louvou a Deus antes de crer: Realmente, este homem era um justo! (Lucas 23.47); a sua confissão de fé se dá sem sinais apocalípticos; as testemunhas da morte de Jesus batiam no peito de arrependimento. O evangelista mostra o efeito da morte de Jesus que transforma o coração humano, para todos indistintamente.
A transformação desses corações proclama que a missão do Filho de Deus não fracassou. O testamento deixado por Ele é a verdade na qual tudo se funda e se condensa.
Começa a Nova Aliança: anunciar o Eterno para aqueles que desejam ardentemente transformar em vida eterna os caminhos terrenos sem sair do campo da vida cotidiana. Desse modo, podemos penetrar nas coisas terrenas, ascendendo em meio às situações conhecidas só pelo Espírito do Eterno Ressuscitado. Este nos revela o segredo de sermos pessoas eternas em potencial já nesta vida.
Lucas nos deixou um cântico que nos interpela para uma prática profética, o Magnificat, cântico proclamado a grande voz pela Mulher Maria de Nazaré, a Mãe do Eterno Ressuscitado.
Uma prática que decorre da sua narrativa presente no Magnificat. Este nos inspira a termos a coragem de nos dirigir ao povo como pessoas coletivas, não individuais, estando à parte do povo.
Urge cultivar em nós o testemunho de que somos uma personalidade coletiva e histórica para termos a coragem profética de denunciar as formas concretas com que a presença de Deus se manifeste com estas palavras: (...) manifestou o poder de seu braço, (...) derrubou os poderosos de seus tronos, (...) despediu sem nada os ricos. Mas não esqueceu dos pequenos. Exaltou os humildes, saciou de bens os famintos, acolheu Israel seu servidor, dando-lhe descendência.
Lembramos que se respeite a pedagogia e o modo com que cada um e cada uma emprega para ser esse instrumento nas mãos de Deus. Ele ouve o clamor de seu povo e aguarda com paciência quem empreste sua boca ao mesmo Deus dos profetas como estes fizeram nos tempos antigos. Mostraram o modo de serem pessoas representativas quando o povo clamava.
Outra prática é esta: não raras vezes a gente dá de encontro com uma realidade humana e religiosa que desconhece muita coisa dos avanços feitos pelo povo de Deus como Igreja em saída.
Não levamos em conta que este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado em favor de vós (Lucas 22.20). Nem sempre conseguimos anunciar as coisas novas sobre as antigas que guardaram e conservaram a fé popular sadia. Como escrito nas Escrituras, precisamos aprender a não destruir o antigo para construir sobre ele a Nova Aliança deixada pelo testamento de Jesus em sua hora derradeira de sair deste mundo para o Pai.
Precisamos cultivar a consciência de que morremos para continuarmos pessoas vivas na comunhão por meio do Evangelho da Graça, da fé, da reconciliação, do perdão, do amor, da santificação que nos faz sentar a sua mesa para nos servir a Ceia do Reino de Deus em Cristo Jesus.
Quando chegamos ao relato presente no Evangelho de João, encontramos o lava-pés na celebração da Ceia do Senhor. A interpretação desse evento pelos discípulos de Jesus nos relatos de instituição como temos visto nos sinóticos não depende somente da intenção de Jesus - se é que podemos chegar a conhecê-la - mas também das concepções dos discípulos que funcionaram como caixa de ressonância das palavras de Jesus. Vejamos a narrativa joanina:
“(...) Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, (...) sabendo que o Pai tudo pusera em suas mãos e que ele viera de Deus e a Deus voltava, levanta-se da mesa, depõe o manto e, tomando uma toalha cinge-se com ela. Depois põe água em uma bacia e começa a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a toalha com que estava cingido.
Depois que lhes lavou os pés, retomou o seu manto, voltou à mesa e lhes disse: Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor e dizeis bem, pois eu o sou. Se, portanto, eu, o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés, também deveis lavar-vos os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais” (João 13.12-15).
Teriam os Apóstolos, que tomaram parte na Última Ceia, entendido o significado das palavras saídas dos lábios de Cristo?
Entendemos o significado das palavras do Mestre? Quais significam se destacam em seu contexto?
Destaca-se, em primeiro lugar, a comunhão do Filho com o Pai: Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai. Sabendo disso, quis dar a última lição aos que o haviam seguido: celebrar a vida plena trazida por Ele. Não bastou reunir em torno de uma mesa de refeição e comer juntos a Ceia de despedida. Jesus foi mais longe: quis dar aos seus o verdadeiro sentido do serviço como doação da própria vida.
Em segundo lugar, colocou em evidência o sentido profundo deste serviço: ele aponta para a celebração da vida em plenitude como sinal e realidade ao mesmo tempo. A vida terrena e a vida eterna não se excluem, mas encontram seu coroamento na celebração do grande sinal, que é a comunhão pela ceia, onde Jesus se doa totalmente, passando pela morte.
Outros dois sentidos de grande alcance teológico que se fazem apelo para nós hoje são: o alcance da inteligência humana aberta para as coisas divinas e eternas que Jesus nos faz: Compreendeis o que vos fiz?
O apelo seguinte é o da força do exemplo: dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais (...). O servo não é maior do que o seu senhor, nem o enviado maior do que quem o enviou (João 13.12). Esse sentido mais profundo é trazido pela própria pessoa de Jesus Cristo e pelo seu testemunho concreto.
Nas celebrações da Palavra, a comunidade cristã faz a experiência da vida plena dentro da limitação em que vive, como recomenda o apóstolo Paulo: oferecendo nossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual (Romanos 12.1). Este era o culto que sucedia ao Templo de Jerusalém. O Espírito que habitava a comunidade cristã tornava mais intensa a presença de Deus no meio do povo inspirando-o a fazer o novo culto espiritual. Esta nos parece ser a prática que está ao nosso alcance.
Outra prática que toma seu especial lugar em nosso dia a dia é a do serviço.
Não há celebração da Ceia do Senhor sem a dimensão do serviço. Na última Ceia, Jesus fez o serviço de lavar os pés dos Doze. Esta é a lição mais evidente de doação, pois, não basta repartir o pão e o vinho, é preciso doar-se: significa gastar a própria vida no serviço que constrói o Reino anunciando, em primeiro lugar, para o pobre e o pequeno.
Por fim, precisamos cultivar e alimentar de fé e de sabedoria bíblica a nossa inteligência espiritual. Aprender com o povo, parar no meio do caminho pastoral para escutá-lo, mas também dar-lhe o alimento do espírito e do conhecimento das coisas de Deus e do sentido da nossa vida, conhecimento que ele espera da pessoa que está a serviço como consagrada. Deve haver uma troca de dons e valores entre nós e o povo.
Três percepções emergem aqui. A primeira nos apresenta um Jesus bem humano diante da morte. Ele sente medo da morte, sim, mas avança em direção a ela como quem aceita a morte para viver a vida eterna, a vida em plenitude com o Pai. Esta atitude de Jesus se encontra em todas as narrativas sinóticas. Em Marcos, Jesus mostra o forte desejo de beber o vinho trazido por Ele e deixar o velho. Em Mateus, este vinho é bebido para a remissão dos pecados. E em Lucas, Jesus institui a Nova Aliança com seu sangue derramado. Por isso, a celebração da Ceia do Senhor é a emergência da Aliança trazida por Jesus sobre a estrutura da Antiga Aliança.
A segunda percepção é a do Reino de Deus. O Reino irrompe na ressurreição. Enquanto os apóstolos esperam o Reino do jeito que eles o pensavam nas suas estruturas mentais terrenas, o que veio foi a Ressurreição. A comunidade que se une e se reúne para celebrar o Cristo vivo no momento da ceia atualiza a ressurreição do Cristo Vivo e presente no meio de nós pelo Espírito que o ressuscitou.
A Ceia, que era sinal de reconciliação, passa a ser realidade do perdão e da presença do Jesus vivo, glorioso e Senhor da vida em plenitude. O sinal é superado pela Realidade. O símbolo é absorvido pela verdade verdadeira.
A terceira e última percepção é o serviço. A Ceia narrada segundo os sinóticos é subtraída nesta narrativa, mas, para explicitar a importância da doação da vida como Cristo o fez, cingiu-se com o avental do escravo e da escrava e lavou os pés dos doze para nos deixar o testamento de doação da própria vida.
De nada adianta celebrar a Ceia do Senhor se esta não nos ensina que ela é o serviço maior que a pessoa humana pode oferecer a Deus Pai pelo Espírito Santo. Este foi o testamento deixado pelo Mestre, o de gastar a própria vida no exemplo deixado por Ele. O doar-se no trabalho cristão continua sendo a missão que nos é confiada através do chamado divino.
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